Ontem, 5, num artigo publicado no Valor Econômico, “O desmonte anticiclico”, Sérgio Leo, comentava, com muita razão, a necessidade de cuidar para que os estímulos criados com o objetivo de combater a crise econômica não se voltassem contra nós, no momento em que a crise perde seu impacto maior – já explico a cautela – gerando uma outra crise. Dessa vez do lado da expansão da economia. A lógica é simples: Se a expansão se torna positiva e se os estímulos governamentais permanecem, então há a possibilidade real de uma pressão inflacionária. Enfim, a política de estímulos podem passar de anticíclicos para prócíclicos. Ai tem todo esse debate, eterno, entre BC e Fazenda, heterodoxos(?) e ortodoxos(?) – duvido que seja tão simples- e todo o resto. Mas não é esse o ponto.
Quando fala no desmonte dos estímulos o articulista chama especial atenção para o fato de que será necessário cuida no desarmar as políticas. O foco de preocupação dele é o nosso mercado de consumo “de massas” com base nas famílias de baixo poder aquisitivo.
É evidente ou pelo menos deveria ser, que se estamos habitando um mundo com viés crescentemente protecionista, com previsões de recuperação do circuito econômico internacional que falam em 3, 4 anos ou mais para retomar os níveis pré-crise, enfim é evidente que o mercado interno brasileiro passa a ter que ser considerado estratégico num projeto de crescimento econômico. Nessa linha de raciocínio sugerir cautela para não retirar mecanismos que sustentam esse mercado parece muito sensato. Citados pelo autor estão lá a bolsa-família e o aumento do salário mínimo, recuperação das aposentadorias e políticas de educação e saúde. Antes que alguém como eu reclame ela já argumenta: “Mas há quem veja esses fatores apenas como alarme de complicações fiscais à frente”.
É bom assinalar que, no campo das políticas públicas, o autor faz uma justíssima crítica à inexistência de corte transversal. Sabemos todos que os ministérios são capitanias cedidas para partidos da base de governo e por lá transitam, no máximo, os aliados de cada partido. Por tanto, tem muito corte, mas nenhuma transversalidade, já que os companheiros de base só o são na hora do voto. No dia-a-dia é cada um por si e os ministérios se falam muito pouco. No fundo é mais um problema republicano e federativo do que administrativo ou gerencial.
Muito bem, metendo a mão na massa.
É claro que é importante manter esse mercado “emergente” de classe média baixa. Contudo, e de fato, não é muito claro por qual motivo o Estado deve dar base de sustenção apenas via despesas públicas com base no conceito de transferência. Quando falamos de bolsa-família, aumento de valor de aposentadorias e benefícios etc... É disso que estamos falando. Políticas de saúde impactam na qualidade de vida. Certo. Políticas pró-ativas são as que se dão na área da educação e capacitação. Não dá para misturar no mesmo saco essas coisas, pois não são as mesmas.
Se houver a compreensão da necessidade de uma política específica para esses mercados emergentes ela terá que ser construída com base na capacidade de auto-sustenção dessas famílias e não em mecanismos de transferência de renda. A bolsa-família e um evento transitório na vida das famílias visando situá-las num patamar melhor de qualidade de vida. Não é uma solução. Solução é ter políticas públicas de empregabilidade – coisa que o FAT não faz – e geração de empregos. Isso seria política transversal, conforme reclama o autor. De a mesma forma lidar com a questão do poder de compra das aposentadorias e pensões é agir como avestruz, fazendo de conta que isso lá na frente não irá virar um seriíssimo problema de finanças públicas. Trabalho de pessoas capacitadas, em segmentos modernos e competitivos, com estruturas previdenciárias eficientes é que geram boas aposentadorias e benefícios. Lançar mãos de recursos apropriados da sociedade não é solução para nada. É simplesmente consciência pesada de quem não fez nada para mudanças reais na vida das pessoas.
Agora, tem uma outra questão.
Somos todos politicamente corretos nesse Brasil. Todos nos preocupamos, pelo menos formalmente, com as pessoas mais pobres. Como não temos partidos de direita, todos são de esquerda, então é crível afirmar, como afirma o autor, que as políticas de manutenção de qualidade mínima de vida vieram para ficar. Ótimo. Então é natural que, a par da importância desse mercado emergente para a economia, nosso olhar para lá se oriente.
É onde podemos comentar um post do Realtity is out there, de hoje, 06, intitulado “Agora sim”. O post é inteligentemente escrito e bastante irônico com as comemorações feitas por conta de nosso 75º lugar no índice de IDH do PNUD. Em linhas gerais comenta uma matéria do G1 – Rede Globo. Trata-se de uma reportagem com base em entrevista de um pesquisador da Unicamp, Waldir Quadros. Em linhas gerais o pesquisador, com base nos dados da Pesquisa Nacional de Amostras por Domicílio – PNAD, conclui que houve um “encolhimento” de segmentos da classe média nas faixas de renda acima de R$1.588,00. Nada assustador. Acima de R$3.177,00 caiu de 5,7%, para 5,1% e acima de R$1.588,00 e até R$3.177,00 caiu de 9,6%, para 9,2%. Nada assustador, mas esse “achatamento” deve ser preocupante, pois não pode ser imputado à crise econômica, já que os dados são anteriores.
Aqui estamos frente a um problema político concreto para programas de governo em 2010. As classes médias urbanas de maior poder aquisitivo têm sido as grandes perdedoras do processo de crescimento recente da economia brasileira. Existe um quê de estrutural nesse processo que mereceria maior atenção, pois elas também são mercado de consumo.
Se, de fato, nossa saída como nação está num mercado interno forte e ágil, não bastarão políticas de atenção aos mercados emergentes. Pelo contrário isso reforça a necessidade de políticas consistentes de desenvolvimento. Serão essas políticas que darão sustentabilidade a todas as famílias e não apenas a algumas, mesmo que esse algumas seja parte significativa da população.
Do contrário acabaremos como assinalou o pesquisador, “o país do R$1,99”, do consumo básico e de produtos baratos. Talvez um excelente mercado para os produtos chineses, mas muito longe de ser mais que isto.
Demetrio Carneiro