Mais uma opinião no debate sobre o controle de capitais. Dessa vez o Autovetor.
Demetrio Carneiro
Resposta ao professor Oreiro
Professor Oreiro,
o capital que está entrando no país não é de curto prazo. Ele quer participar do crescimento previsto para a economia no próximo período
E com certeza ele é menos sensível ao diferencial da taxa de juros.
Pena que o professor Pastore escreveu isto depois que você escreveu seu artigo e o post anterior, pois iria te impedir de escrever alguns absurdos.
O senhor utilizou a suposição de mobilidade perfeita de capitais e diferencial da taxa de juros no seu post “Desonestidade intelectual e desespero da “ortodoxia” brasileira”.
Neste post o senhor afirma que a elevação de 1% no superávit primário apreciaria o câmbio, já que segundo as suas palavras: “o único risco para a economia brasileira teria sido afastado”. Isto reduziria a percepção de risco e atrairia ainda mais capitais externos.
Então a mobilidade perfeita de capitais e diferenciais de juros, quando você usa pode, quando os outros usam não pode?
Mas seguindo o seu raciocínio no referido post, deveríamos estar assistindo neste momento a uma fuga em massa de capitais e uma depreciação do câmbio. Pois a atual dinâmica da política fiscal, com regular redução do superávit primário, deveria elevar a percepção de risco do país e fuga de capitais.
Pergunta: o problema está na realidade ou no seu argumento?
Outra pergunta: se a mobilidade de capitais não é perfeita, há a necessidade então de se fazer o “controle abrangente de capitais”?
Então, a sua crítica equivocada ao modelo que utiliza a contração fiscal para possibilitar a redução da taxa de juros e depreciar o câmbio, é antes de tudo uma autocrítica. Reconheceu a contradição do seu argumento.
O Fundo de Estabilização só se torna interessante se for precedido por acúmulos de superávit nominal, e o esforço para a obtenção deste acúmulo é capaz de permitir a resultados interessantes sobre os juros e o câmbio. Não é dito que o senhor esqueceu-se do superávit, o debate é se o ajuste fiscal necessário para constituir o fundo não o tornaria supérfluo.
E quanto à afirmação do Pastore sobre a eficácia das intervenções esterilizadas, fica claro que ele fala em redução da velocidade da valorização cambial e não em reversão da tendência do câmbio, que é a discussão central. Não se pode concluir dali nada em favor da administração do câmbio ou controle de capitais. Aliás, ele ressalta o contrário disto.
E agora que o senhor está assistindo a casa cair, consegue criar uma das coisas mais absurdas que eu já vi.
O senhor inverteu o sentido em que é entendida a palavra ortodoxia. Discutir isto não salva em nada a sua proposta de fundo de estabilização, mas só ilumina o caminho absurdo que o senhor tomou, ao seguir pelo lado negro da força.
O senhor está utilizando do método que condena: desqualifica o oponente e não responde aos argumentos. Finalmente saiu do papel de eterna vitima, a viúva que vive lamentando porque Keynes não vive mais entre nós (aliás, vocês usam o Keynes como avalista de cada idéia mirabolante…).
O pensamento neoclássico prescinde da categoria “ortodoxia”. Nenhum postulado, teorema ou princípio da teoria neoclássica depende do conceito de ortodoxia. E muitas pesquisas que eram tachadas como heterodoxas foram tranquilamente absorvidas pela teoria neoclássica.
Mas o parâmetro para se avaliar o que é ortodoxia, caro Lord Sith, não é nenhuma tradição histórica milenar, ordem jedi, guerras clônicas ou ser “maioria” e “minoria”, e sim o “status quo” no presente.
O que foi ortodoxia no passado não necessariamente é ortodoxia hoje. Basta ler Kuhn, Popper ou Lakatos para ver como teorias surgem e se vão, pois toda verdade é sempre provisória.
Pode existir ortodoxia e heterodoxia mesmo no interior de grupos que não sejam predominantes na ciência. Por exemplo, existe o pensamento marxista ortodoxo e o heterodoxo. No pensamento pós keynesiano há os verticalistas e os horizontalistas, etc.
É uma questão de identificação. Pergunto: qual é o “status quo” na ciência econômica atualmente e nos últimos 140 anos?
Como chamar, na história da ciência, esta interrupção de 140 anos no domínio dos “economistas clássicos” sobre a ciência econômica? Seria o conto de fadas da Bela Adormecida, e o senhor Oreiro seria o príncipe encantado que faria o pensamento clássico despertar reivindicando o trono da ortodoxia após 100 anos de sono?
Ortodoxia não é uma definição do que é ciência, é um adjetivo. O pensamento neoclássico se constitui como ortodoxia não por causa de qualquer herança histórica ou teórica, mas pelo espaço que ele ocupa na produção acadêmica e condução de política econômica.
Não é a toa que o pensamento neoclássico também é chamado de mainstream economics…
Mais do que ler qualquer livro de sociologia do conhecimento ou filosofia da ciência, o senhor deveria ler um dicionário primeiro e uma tabuada de somar depois. Entenderia o significado de ortodoxia, a que ele se refere e poderia contar a quantidade de economistas, departamentos, jornais, livros e medidas que se guiam pela teoria neoclássica.
Os números não são para mostrar quem é maioria ou minoria, e sim mostrar qual é o “status quo” na ciência econômica, qual escola tem predominância.
A “economia política clássica” pertence a um “status quo” ou paradigma que já foi superado na avançar da ciência econômica, mesmo que ainda sejam referências importantes.
Não há tradição reta. Há o “status quo” ou o “estado da arte” na ciência, e a partir disto se define ortodoxia. Se forem relativizar tudo, somos todos heterodoxos, em todas as ciências. Todo mundo pensa diferente de todo mundo.
O debate não se resolve com autoproclamação.
Não adianta reivindicar para si o título de ortodoxo. Se ortodoxia, como o senhor diz, quer dizer pensamento reto ou idéias retas, isto só mostra o que o senhor não tem: retidão nas idéias.
E lembre-se de que na tradição Sith (aqueles que se enveredam pelo lado negro da força), há apenas dois Sith: mestre e aprendiz. E o aprendiz sempre elimina o mestre.
Atenciosamente,
Rogerio Ferreira