quarta-feira, 31 de agosto de 2011

DESGOVERNANÇA CONTINUA...

      O anúncio do Projeto de Lei para o Orçamento Anual de 2012, feito agora de tarde, coloca mais dúvidas sobre a gestão Dilma.

      Ao contrário do que Mantega disse, essa semana ainda, o Superávit Primário não será de 3%, mas sim de 2,5%, já que sobre o valor original serão abatidos R$25,6 bi do PAC, no já conhecido esquema de contabilidade criativa. Como teria sido? Mantega não participou da elaboração do PLOA? Mantega mentiu? A ministra e a presidente, muito afinadas e amigas, ignoraram o que o Ministro da Fazenda disse?

      O outro ponto é mais curioso. O governo apresenta um cenário de crescimento do PIB de 5% para 2012. Certo, nem mesmo o petista mais otimista acredita nisso, mas a ministra esclarece que esse é o “crescimento potencial”(???).

      Finalmente e se eu não escutei errado, a previsão de inflação para 2012 é 4,8%, o que provavelmente quer dizer que o governo se vê com liberdade para que ela chegue a 6,8%, sem muito problema. Já a previsão para a Selic é de...12,5%???? Devo ter escutado errado. Afinal o governo garante que faz o dever de casa e que por isso certamente os juros da Selic seriam reduzidos AGORA.

     Como não estamos lidando com amadores, pouco competentes talvez, mas não amadores, fica clara e transparente a manobra de Mantega, assim como as manifestações “espontâneas” da turminha chapa-branca. A dúvida fica por conta do envolvimento de Dilma com a manobra. Diferentes respostas podem sinalizar diferentes comportamentos futuros. Quando começar a se espalhar um certo odor de populismo é hora de começar a se preocupar...

Demetrio Carneiro

GOVERNO DILMA COMO EXEMPLO DE DESARTICULAÇÃO E DESGOVERNANÇA

      Esses dias Mantega tem insistentemente argumentado à favor do “corte de despesas”. É transparente que se trata de pressão sobre o BC para que cortem algum juros e assim facilitem a situação do governo Dilma. Seria uma bela bandeira poder declarar que finalmente os juros estão sendo cortados etc. Há toda uma cultura de demonização do BC em sua aliança diabólica com a banca que daria respaldo. Que o digam as Centrais chapa-branca e os movimentos sociais aparelhados pelo PT, PTD etc.

     Agora é Dilma que, por conta dos embates sobre a Emenda 29, faz declarações defendendo a impossibilidade de produzir despesas orçamentárias sem identificar a fonte de receita. Alegação no mínimo desatenta, pois foi exatamente o que foi feito no caso do carro-chefe desse governo, o “Brasil sem miséria”. Além de ter sido inconstititucional aprovar um plano de governo pela via de um Decreto Executivo, teria que ser um projeto de lei votado no Congresso Nacional, o Brasil sem miséria não aponta as fontes de receita orçamentárias para cobrir as depesas que ele gera.

    Bom registrar que os R$ 10 bi que Mantega generosamente transferiu para o Superávit Primário são resultado do excesso de arrecadação orçamentária ainda nesse exercício de 2011. Levando em conta que estamos no primeiro semestre e que a Emenda 29 deveria custar um a mais de R$ 32,5 bi e que haveria condições de remanejar, e seria entendido e aceito por todos, algum recurso do próprio Superávit Primário, então, fica difícil entender o argumento de Dilma. Na realidade o embate da Emenda 29 não tem a haver com Orçamento Público, tem a haver é com um governo que se sente incomodado com as restrições orçamentárias, na medida em que recursos que entram têm destinação obrigatória. Já na governo Lula, Paulo Bernardo, aquele do jatinho, reclamava que apenas uma pequena parte do orçamento pode ser usada de forma discricionária e ameaçava com aumento de impostos para que o governo gastasse onde achava que tinha que gastar. O ministro não se dava conta de que as restrições foram posta lá justamente para que o agente político não pudesse usar recursos públicos para produzir políticas pessoais e não de Estado. As restrições, certo ou errado e pelo visto mais certo que errado, para que tenhamos políticas de Estado estáveis e não dependentes das vontades desse ou daquele agente público. É provável que num governo como esse, voltado para usar o gasto como forma de sobrevivência, as restrições para gastar incomodem muito.

      Enfim e infelizmente, por trás da presumida racionalidade – cortar despesas para reduzir juros ou só produzir despesas orçamentárias que tenha sustentação nas receitas orçamentárias – está uma movimentação mais ligada à DESgovernança.

      A DESarticulação fica por conta de uma ironia: Justamente no momento que Dilma defende que os gastos orçamentários tenham origem orçamentária declarara está na mesa dela uma Ação Popular¹ pedindo a anulação do Decreto Presidencial que criou o Brasil sem miséria, justamente, é um dos argumentos, pelo fato de não estar mencionada a origem dos recursos que cobririam aquelas despesas. Pela lógica a presidente acaba de dar razão aos autores da ação...

Demetrio Carneiro

1) Essa ação Popular foi apresentada, na Justiça Federal, no início de agosto e a Presidência já foi notificada cerca de 10 dias atrás.

terça-feira, 30 de agosto de 2011

A MANIPULAÇÃO POLÍTICA DA QUESTÃO DOS JUROS E AS CENTRAIS SINDICAIS

      O que há em comum é que todos concordam que as taxas de juros são altas, mas é ai que acaba a concordância.
Às vésperas de uma reunião que se decidirá sobre o valor da Selic Mantega aumenta o valor do Superávit Primário em R$10 bi, depois de toda uma semana onde a linha de fala é reduzir gastos para reduzir a pressão inflacionária e assim reduzir juros.

      As Centrais, por enquanto apenas as chapa-brancas, entenderem o recado e já começam a somar na pressão sobre o BC para que reduza a taxa. Segundo o braço sindical do PT, a CUT: “O que estraga e sangra o Brasil nesse momento é a taxa de juros criminosa praticada pelo Banco Central”. Ou “Vamos fazer manifestação na frente do BC, para iluminar as cabeças”, segundo o braço sindical do PDT, atual controlador do Ministério do Trabalho e dos fartos recursos do FAT, a Força Sindical. Manifestação na porta do Banco Central com direito à UNE.

      Há uma retomada do antigo discurso esquerdista sobre os males do mundo serem todos originados no capitalismo e em particular nos capitalismo financeiro. Nessa leitura, compactuada por Mantega e, provavelmente por Dilma Roussef, o Banco Central é o lugar onde o crime se realiza. Algo assim: Um conluio entre dirigentes do BC e os agentes dos banqueiros numa conspiração em favor desses últimos. Nessa leitura subir ou baixar juros da taxa Selic é uma decisão originada na vontade dos dirigentes do BC.

      Seja como for o circo está montado e o governo se sentirá docemente constrangido a exigir que o BC baixe suas taxas consumando o velho sonho nacional-desenvolvimentista, que nesse caso não tem cor, pois também era esse o projeto de Serra, de controlar o BC a partir do Ministério da Fazenda.

      Não é difícil imaginar que logo entrará na ordem do dia o questionamento do pagamento da Dívida Pública, não mais apenas a externa, mas toda ela, tendo em vista que os acordos teriam sido manipulados.

      Estamos cumprindo um ciclo já conhecido em outros países e aqui mesmo no passado. Primeiro nós gastamos, sem preocupação de entender que a partir de certo ponto o gasto público acaba gerando inflação. Mas o governo não pode parar de gastar, pois entre nós o gasto é utilizado como instrumento permanente de negociação de maioria. Entre nós o gasto está diretamente ligado à permanência no poder. Foi assim em 2010. E foi assim, com o caixa aberto, que choveram aliados e Dilme se elegeu. O segundo problema é quando o gasto excede a arrecadação. Foi assim com o BNDES que, primeiro para “combater” a crise e depois para garantir as eleições, recebeu do Tesouro Nacional algo por volta de R$230 bi sem que houvesse recurso a não ser criar Dívida Pública. Com efeito toda vez que o governo gasta mais do que arrecada necessariamente está criando Dívida Pública.

     Enfim, embora politicamente seja muito produtivo, pois coloca o boda na sala, acusar o BC é muito bom, mas ele não tem nada a haver com isso. Em situações em que a política fiscal é usada como forma de barganha a política monetária é “reativa” e não ativa. Há todo um sistema de pesos e contrapesos na política econômica de governo visando o controle da inflação. O BC pode até ter uma leitura mais “ortodoxa” e pautar para que a inflação não vá muito além da meta fixada, tendo uma política mais reativa e aumentando a taxa Selic com mais freqüência ou pode, como agora, ter “maior tolerância”. O que estamos presenciando agora: A “maior tolerância” já leva a inflação para o ponto mais alto da faixa de oscilação. Primeiro 2011 bateu no teto, mas 2012 “estava sob controle”. Agora 2012 também baterá no teto, mas 2013 “está sob controle”. Provavelmente logo, 2012 é ano eleitoral, 2013 também estará batendo ou passando o teto.

      O grande problema com a inflação, na realidade, são dois grandes problemas:
A partir de certo ponto ela fica fora de controle. Historicamente nós mesmos temos diversos exemplos e todos sabem ou leram onde foi terminar o processo: A hiperinflação.
A inflação é especialmente maléfica para os mais pobres. Argumentos de indexação jamais resolveram o problema da inflação. Apenas aceleraram o processo.

      Enfim, se o BC não é o diabo e muito menos o lugar onde criminosamente agentes públicos estão em conluiu com os banqueiros capitalistas, então onde está o problema?

     Certamente ele vai estar numa retomada da leitura eminentemente populista de desmonte dos mecanismos de Estabilidade e de retomada da lógica de irresponsabilidade fiscal, jogando o problema no colo do futuro.

      Por enquanto a palavra de ordem é “combater a crise” e garantir o nível de emprego. Não políticas econômicas plásticas. Só há uma saída: Para frente e para cima. Num mundo sem inflação e sem dívida pública até que seria uma boa solução.

      De momento o que dá para imaginar é que ao reduzir a taxa de juros o BC irá gerar mais estímulos à economia e assim teremos maior pressão sobre a inflação. O jogo da Mantega se baseia na previsão de que há uma tendência à queda da inflação. Nesse momento se o BC reduz em 0.25 a taxa Selic não é muito, mas será uma vitória política que certamente será capitalizada pelo governo na mídia. Criando finalmente um dado diferente, fugindo de todo o desgaste dos últimos meses. No final do dia a redução natural do ritmo somada ao estímulo acaba gerando uma economia levemente estimulada e poderá ocorrer uma permanência do ritmo inflacionário. Vamos dizer que a a diferença entre a inflação que poderia haver e a inflação que haverá é um custo político facilmente absorvível pela “vitória” obtida em dobrar o BC e dar uma resposta ao conluio crimonoso com a banca.

      O único problema dessa lógica eminentemente populista, além do flerte com o abismo, é que tudo muda e nada muda.
As centrais sindicais chapa-branca, mais o movimento estudantil chapa-branca, que estão ai criticando o conluio criminoso do BC até aqui não criticaram o juros que se cobra no financiamento dos bens de consumo. Eles seriam menos “criminosos” do que a Selic? Também não criticam os juros pagos pelos empresários para alavancar os negócios que geram os empregos que pagam o imposto sindical que sustenta as Centrais. Um e outro são resultado direto do sistema bancário brasileiro, fortemente oligopolizado. Os sindicatos dos bancários, todos controlados pelas centrais chapa-branca silenciam. Então, como fica? Quando é o BC que reaje aos gastos quase descontrolado é crime, mas o sistema bancário oligopolizado, com todo o beneplácito e estímulo dado por Lula em seus oito anos, não é “crime”? Também não é crime o governo até agora não ter sido capaz de regular o financiamento privado de longo prazo? Ou será porquê é mais interessante para os bancos viver dos juros escorchantes cobrados o consumidor? E isso não é conluio? O BC está errado e o governo está certo? São questões que não cabem na lógica oportunista do populismo.

      Há espaço para políticas mais arriscadas, afinal? Ou tudo isso quer dizer que fora dos mecanismos formais de Estabilidade não há saída?

      Mecanismos formais de Estabilidade são mecanismos e não políticas públicas pontuais. São instrumentos que buscam viabilizar um ambiente mais previsível para a execução dessas políticas. A questão mais relevante está é nas políticas propriamente ditas.

     Agora mesmo o governo comemora a vinda de uma montadora chinesa de veículos para o Brasil, quando, se fosse o caso, deveria estar buscando comemorar a criação de uma montadora nacional, com tecnologia nacional. É evidente que receber linhas de montagem gera empregos, mas é evidente que a parte do leão está na propriedade do conhecimento criando e não no veículo propriamente. Esse é um debate que remete diretamente ao modelo de desenvolvimento atual. Se as Centrais estivessem tão interessadas realmente estariam questionado é esse modelo desenvolvimentista dependente. É esse o melhor nome. O Brasil apenas mudou o parceiro. De americanos para chineses não mudou mais nada. Continuamos sendo exportadores de commodities sem qualquer tipo de valor tecnológico agregado. Continuamos a consumir bens de consumo importados. Não será uma política protecionista que só favorece os acionistas das empresas que resolverá isso. É preciso uma mudança de fundo e ela só virá se mudar a lógica de desenvolvimento.

      Por enquanto, e pelo resto da vida, é mais produtivo não discutir nada disso. Até porque um novo modelo de desenvolvimento coloca em cheque as atuais alianças de poder. Essa simbiose profunda do Capitalismo de Estado brasileiro, envolvendo os setores patrimonialistas, fundos de pensão via sindicatos, empresários nacionais beneficiários dos favores de governo, os diversos oligopólios aceitos e estimulados pelo governo como legítimos, agentes públicos, vai muito bem obrigado. Nossas Elites nos seu diversos formatos serem foram bem. Podemos não se tão bons e desconcentração de renda ou redução da desigualdade, mas somos muito bons em formar riquezas individuais. É só procurar saber quantos brasileiros estão entre os 100 mais ricos do mundo.

     Políticas heterodoxas são erradas? O economista americano Dan Rodrik acaba de publicar um extenso trabalho comparando as economias latino-americanas, africanas e asiática. Nele, usando séries históricas de  Renda Per Capita como referência ele mostra que:
a) Há uma convergência histórica entre a renda per capita das economias emergentes em relação às economias avançadas, mas apenas em uma situação específica que envolve o que ele chama de indústrias convergentes;
b) Que, portanto, essa convergência é diferenciada dentro do grupo das economias emergentes;
c) Que enquanto as economias asiáticas estão em regime de convergência acelerada as economias da África e da América Latina caminham em passo bem mais lento e até mesmo retrocederam com relação ao período pós-guerra, pelo que ele denomina de estruturas de mudança redutoras de crescimento.

     Dan Rodrik debita isso ao fato dessas economias africanas e sul-americanas terem seguido rigorosamente os manuais de boas práticas. O eu não foi feito pelas asiáticas. Na leitura de Rodrik políticas excessivamente ortodoxas travaram o desenvolvimento na região. Não é errado pensar assim. Provavelmente políticas mais heterodoxas seriam melhores. Na questão do protecionismo, por exemplo, há fortes evidências de que os países desenvolvidos usaram e abusaram dele para garantir suas indústrias. Em parte essa é a lógica que move o atual governo. Experimentos heterodoxos.

      Onde, a meu ver, Rodrik e o atual governo falham é que não adianta executar movimentos heterodoxos se o modelo de desenvolvimento não mudar. Por exemplo, a atual coalizão de poder compõe com os oligopólios bancários, os primeiros interessados em manter a alta estrutura de juros nos empréstimos ao consumidor e a não investir em financiamento de longo prazo. Sem financiamento sustentável de longo prazo aonde chegaremos?




    Rodrik chama de “growth-reducing”, “redutoras de crescimento”, as estruturas que, segundo ele, se confirmaram na América Latina e África, entre 1990 e 2008. Basicamente envolvendo um movimento das atividades de alta produtividade para os serviços de baixa produtividade e informalidade. No caso brasileiro vivemos um processo parecido, não tão radical, mas bem parecido. Somos fortemente exportadores de commodities, dedicados à indústria de manufatura, mas pouco voltados para intensificação do uso da produtividade pela via da criação de conhecimento. Nosso mercado interno se sustenta mais pela oferta de crédito do que pela renda. E, finalmente, os números da População Economicamente Ativa mostram uma lentíssima transição da informalidade para a formalidade. Cerca de 49% de nossa PEA ainda é de setores informais. Há evidente conexão entre baixa produtividade e informalidade e essa talvez seja a explicação mais forte para as nossas taxas históricas de crescimento estarem tão abaixo das taxas históricas de crescimento de outros emergentes.

     Se nosso conceito de desenvolvimento não estiver focado nesses aspectos dificilmente chegaremos a níveis de crescimento mais acelerado e sustentáveis no longo prazo. Naquilo que Rodrik chama de “convergence industries”, ou industrias geradoras de convergência. Referindo-se a convergência da renda per capita entre enmergentes e os países desenvolvidos.




      Enfim, ao invés de flertar com o retorno do populismo, onde todos os nacional-desenvolvimentistas de todos os matizes políticos irão se encontrar, instrumento verdadeiramente útil para ocultar os fatos reais e manter a estrutura de poder, as Centrais talvez devessem estar preocupadas com o emprego sustentável no longo prazo, esse sim promotor das melhorias, o que implica em questionar diretamente o atual modelo de desenvolvimento e tudo o mais que está conexo a ele, inclusive a estrutura do atual consórcio de poder da qual elas são parte integrante.




Demetrio Carneiro

sábado, 27 de agosto de 2011

NACIONAL-DESENVOLVIMENTISMO FLERTA COM O ABISMO

      Há todo um estudo sobre as chamadas Falhas de Governo. Uma das mais badaladas e a falta de controle sobre os resultados das Políticas Públicas. Quer dizer, é fato que o gestor não controla todos os resultados das políticas que implementa.

      No momento em que o governo decide usar o corte dos juros básicos como um instrumento a mais de Política Pública Midiática, vamos assumir que há a política pública para valer e a política pública para "inglês ver" há, é a meu ver, um perigosíssimo flerte com o abismo.

      Estamos vivendo a glória do nacional-desenvolvimentismo. Dilma não faz nem melhor, nem pior do que Serra dizia que faria. fixou um piso de crescimento e relativizou o controle da inflação. No teto da meta ela oficialmente está "controlada". Agora cumpre sua promessa de campanha e, para o bem ou para o mal, reduzirá o juro básico da economia "no muque".

      O nacional-desenvolvimentismo vive uma forte ilusão sobre ser isso que fazem "desenvolvimento" quando na verdade não se trata mais do que uma acomodação à nova distribuição de trabalhor e poder na economia internacional.

      Hoje apenas confirmamos nosso papel periférico, agora com a China. Da mesma forma a ilusão com relação a criar um mercado interno a partir da concessão de crédito, sem criar possibilidades de renda sustentável e crecente. Espero que todos concordem que assistencialismo estatal não é renda sustentável e crescente...

      Agora, satisfeitos em suas ambições estratégicas avançam sobre as escolhas dentro do debate distributivo. Já ajeitaram o gasto. Negado na teoria e executado na prática, a vida segue.
      Ajeitaram o dilema entre controlar a inflação e gastar mais, não controlando a inflação.
Agora vão ajeitar o dilema entre custos da polkítica pública e juros, baixando por decreto os juros. É não tem outro nome. É uma forte crença entre os economistas nacional-desenvolvimentistas que os juros básicos do mercado podem ser controlados desde a vontade do gestor na Presidência e na Fazenda.

      Resta ao Bc "fazer-o-que-seu-dono-mandar". Nosso problema é que não estamos numa brincadeira de crianças.

      Delfim, o guro lulo-petista flertou com a inflação. Lembram que ele, além de aconselhar dividir o bolo depois, aconselhava que uma inflação de 1% ao mês era "saudável"? Bem, todo mundo ou lembra ou já leu aonde isso foi dar...

      É de se imaginar que Dilma precisa muito de "novidades" agora que entregou, em nome da sobrevivência política, os pontos na luta contra a corrupção e o patrimonialismo. Não estamos frente a uma escolkha econômica, mas política.

      Sem dúvida pensam nas políticas heróicas de JK no Plano de Metas ou dos genarais da ditadura do IIº PND, que remaram contra a maré e investiram onde o recomendável era recolher os flaps. Imaginam que a história sempre se repete e, certamente, já sonham com os discursos nas campanhas de 2012 e 2014. Vamos torcer para que estejam certos, pois se estiveram errados quem pagará a conta serão todos, mas principalmente o "povo" que eles dizem defender, pois períodos de alta inflação são especialmente maléficos `s baixas rendas.

       Vamos acompanhar.

Demetrio Carneiro

quinta-feira, 25 de agosto de 2011

DESENVOLVIMENTO E SOBREVIVÊNCIA POLÍTICA

      Por trás dos discursos ufanistas e esperançosos do governo Dilma o que realmente há? Nesse governo, paralelo a um grau mínimo de preocupação com a crise que alcança os países do Centro, fala-se muito em janelas de oportunidade. Bem, basicamente para o governo essas janelas estão no forte ingresso de capitais externos e na alavancagem do mercado interno.

      Nada mais nacional-desenvolvimentista do que alavancar mercado interno. Mas nada mais ligado à sobrevivência política os políticos no poder do que manter a qualquer custo o ritmo de crescimento do mercado. Mesmo que para isso o conceito de piso mínimo de crescimento seja mais relevante que a possibilidade de Estabilidade da economia. O governo tem flertado com o abismo e aposta que os custos de romper com as políticas de Estabilidade serão fartamente compensados em 2012 e 2014. Não há outra explicação plausível para o que vai se descortinando a partir não do discurso errático, mas das ações concretas.

      Definitivamente entre um projeto de desenvolvimento auto-centrado e sustentável e uma política de fomento de mercado interno que garanta votos, a escolha está pelo lado da sobrevivência. Sendo assim que venha o capital para financiar não nossas potencialidades de desenvolvimento, focado na produção de conhecimento, mas nosso papel secundário de exportadores de commodities ou de produtores, por representação, de produtos manufaturados. Geradores de emprego concedido por cadeias produtivas controladas de fora. Criadores de oportunidades de lucro para outros.

       Os atores políticos no poder garantem seu futuro político ao mesmo tempo que nos garantem um próspero futuro como coadjuvantes dos processos que não são nossos. A ilusão nacional-desenvolvimentista é ilusão para quem quiser se iludir.

Demetrio Carneiro

MANTEGA: A METAMORFOSE AMBULANTE

Segundo o Valor Econômico esse era Mantega no Senado Federal:

“É importante que o Brasil se distinga dos outros países, e, para isso, precisamos conter novos gastos de custeio, o que é muito difícil, mas faço um apelo nessa casa para que os senadores nos ajudem a manter essa solidez fiscal”, disse Mantega.

Logo a seguir esse é o Mantega do mundo real:



Conclusão:

Como sempre tenta,  Mantega buscou no Senado um meio de pressão sobre o Banco Central na sua cruzada nacional-desenvolvimentista contra os “altos juros”.
Ao prometer manter um ritmo de ajuste fiscal na realidade pretendia cobrar do BC um compromisso de redução da taxa de juros. O ministro continua convicto de que subir ou baixar juros é um ato de vontade do gestor público.
Contudo as horas de Congresso foram demais e numa crise de abstinência o ministro resolveu se compensar dando ao Tesouro Nacional uma despesa extra de R$ 310 mi.
Claro que a bondade não tem nada a haver com a inflação, afinal o ministro garantiu no Congresso que o governo fará tudo para não deixar que a inflação “sob controle”(sic) se descontrole...

Até que se prove em contrário essa é a verdadeira essência da gestão Dilma: Uma hora é isso e na hora seguinte é aquilo. É o pragmatismo levado ao paroxismo. Se funciona iremos descobrir com o tempo, mas certamente será com o bolso que iremos descobrir. Ou na forma de mais dívida e tributos ou na forma de inflação. Ou de ambas as formas.

Demetrio Carneiro

quarta-feira, 24 de agosto de 2011

A ILUSÃO NACIONAL-DESENVOLVIMENTISTA: SÃO DEMAIS OS PERIGOS DESSA VIDA

      Interessante como a ilusão nacional-desenvolvimentista funciona. O governo brasileiro não trabalhou para chegarmos aonde chegamos. Se estamos aqui foi por condições históricas que se deram completamente fora da capacidade operativa do Estado. O que se fez foi apenas não atrapalhar e dar uma mãozinha em alguns aspectos.

      Não foi o Estado brasileiro que gerou a crise nas economias do Centro. Não foi o Estado brasileiro que gerou os processos de transferência das cadeias produtivas menos lucrativas para a semi-periferia. Não foi o Estado brasileiro que forneceu o mercado interno, ou a Dívida Pública confiável, que o capital excedente precisa para continuar a se reproduzir com lucro. Também não foi o Estado brasileiro que inverteu os fluxos de renda ao apreciar as Commodities e depreciar os produtos industriais. A contrário do que choram nossos nacional-desenvolvimentistas os produtos industriais tiveram depreciação relativa em todo o planeta e não apenas aqui.

       Onde o Estado brasileiro deu uma mãozinha foi em não ter atrapalhado. Ajudou a ampliar o mercado interno quando gerou políticas públicas redistributivistas e forçou a mão no crédito ao consumidor. Claro que não teria conseguido fazer essa ampliação de crédito se as altíssimas taxas de juros, que os agentes públicos dizem odiar, não houvessem facilitado a assunção do risco maior de emprestar a quem não tem renda declarada: O imenso contingente informal agregado ao consumo. Tem uma dialética romântica aqui que é importante repisar, pois o combate contra os altos juros tem um papel na construção da ilusão nacional-desenvolvimentista: Eles odeiam os juros altos, mas não haveria tal expansão de mercado se os juros fossem “regulares” com o padrão internacional, pois não haveria reservas para cobrir o risco.

      Enfim, estamos no lugar certo e na hora certa. Nenhuma novidade. Se estivemos em outros contextos na mesma situação e nem por isso soubemos dar conta do recado. Basicamente nossas deficiências e fragilidades são as mesmas daquele passado. A novidade vai ser se soubermos dessa vez usar a janela de oportunidades.

      Certo, agora vem Mantega e viaja numa leitura sobre as economias do Centro, como se dependesse apenas dos Estados-nação e de seus dirigentes escolher e fazer a coisa certa. Como se não houvesse um sistema internacional operando ou populações locais e se considerar, entre outras questões. É que dentro de sua ilusão ele, Mantega, realmente acredita, como dirigente, que ele e seu grupo são os responsáveis por estarmos onde estamos. Não estranha que dê uma de Lula e decida dar aulas sobre como fazer as coisas.

      Perante a tudo isso o silêncio da oposição formal, aquela que está nos partidos políticos, tem ares de concordância e visão comum. Provavelmente focada na sua sobrevivência, acumulando erros sucessivos, a oposição formal se mostra incapaz de formular uma Teoria do Desenvolvimento possível diferente da atual e acaba comprando as mesmas ilusões. Aliás, as de sempre...

Demetrio Carneiro

terça-feira, 23 de agosto de 2011

MOBILIDADE SOCIAL, STATUS POLITICO E PODER: UMA PRELIMINAR

     Segundo R. Stavehagen, em Estratificação social e estrutura de classes”¹:
“Nos sistemas de estratificação que permitem a mobilidade social entre os estratos, esta tem a dupla função de reduzir as oposições mais agudas entre as classes e de reforçar a própria estratificação. A estratificação desempenha, pois, um papel eminentemente conservador na sociedade, ao passo que as oposições e os conflitos de classe constituem um fenômeno de ordem dinâmica, por excelência.”

     Evidentemente Stavehagem aqui está se referindo ao conflito distributivo mais amplo, referente à propriedade, que seria o objeto da luta de classes, da luta entre as classes sociais. Evidentemente aqui classe social são as classes fundamentais do capitalismo: Proprietários e não proprietários dos meios de produção. Não há mobilidade a se considerar e trata-se simplesmente de mudar ou não o regime de propriedade. Num sentido diferenciado está a noção de estratificação, que também pode envolver um conflito distributivo, mas bem mais restrito e mais ligado à renda e capacidade de consumo. Nesse aspecto o Estado tem papel relevante mediante sua capacidade redistributiva. Aqui há mobilidade e indivíduos, por razões diversas, podem ir de uma faixa de consumo para outra, num sentido, para cima, ou noutro sentido, para baixo. Quando Stavehagem fala da caráter conservador desses estamentos em ascensão ele está se referindo ao fato de que enquanto o conflito distributivo da propriedade tem um caráter possivelmente transformador da sociedade, o conflito distributivo da renda pode ter um caráter modificador, isto é, os indivíduos podem querer melhor qualidade de vida, mas não são transformadores. O conservadorismo está ai. De qualquer forma, mesmo aceitando que não vivemos por hipótese uma faixa de escolhas entre propriedade e renda, há uma ampla literatura sobre como a mobilidade de segmentos, principalmente os ligados ao trabalho informal, acaba tendo um papel acomodatório do ponto de vista político, refreando demandas.

     A Constituição de 1988 resultou numa pró-atividade do Estado na questão da redistribuição da renda. A partir dela não compete ao Estado apenas a intervenção genérica na esfera econômica, buscando Estabilidade e Crescimento, mas também a intervenção na esfera social. De lá para cá multiplicaram-se as políticas públicas de garantias mínimas e inclusão social.

     O período mais recente, a partir de 2002 até 2008, trouxe um contínuo processo de crescimento interrompido em 2009, mas retomado em 2010.

     Como parte da estratégia desenvolvimentista de consolidação de um mercado interno estendeu-se ao limite prudencial a capacidade de fornecimento de crédito ao consumidor.

      Vistas em conjunto essas três situações geraram uma mobilidade social ascencional exepcional. Provavelmente uma das maiores, senão a maior, já ocorrida nas últimas décadas tendo em vista o restante dos países.

      A própria força de trabalho formal veio se modificando em números também impressionantes:
Tendo em vista formação, tempo de educação, da População Economicamente Ativa Ocupada³, entre 1992 e 2007, o número de indivíduos com mais de 11 anos de estudo cresceu 57%. Entre 8 e 10 anos 33%. Já, na outra ponta, indivíduos de 1 a 3 anos caiu 28% e indivíduos com menos de um ano ou nenhum caiu 35%. Talvez possa haver aqui uma aumento de diferença, maior desigualdade, entre os indivíduos empregados formalmente e os informais. É um caso a se estudar.

       Importante registrar que se as modificações na qualidade da população economicamente ativa ocupada estão ligadas à dinâmica de crescimento da economia, o ingresso no mercado de consumo dos segmentos informais se deu pelas políticas públicas somadas à extensão do crédito ao consumidor. Com efeito a expansão de nosso mercado interno vem se dando não apenas pelo aumento de renda via crescimento econômico, mas e provavelmente de forma marcante pelo ingresso de setores antes marginalizados ou quase à margem do mercado de consumo.

       Chamar de “classe” média emergente pode ter algum exagero, pois certamente não esses segmentos extremamente heterogêneos não chegam a constituir uma “classe” social, mas certamente são um importante segmento da população em um processo de intensa mobilidade social.
Essa mobilidade social não envolve apenas questões econômicas e sociais. Ela também interfere na política.

     Essa mobilidade tem implicações políticas e, preliminarmente, pois ainda há muito para estudar, o perfil desses segmentos que ascenderam recentemente parece indicar uma formação mais conservadora, mesmo focada nas transformações sociais e mais focada na qualidade de vida.

      Não se trata de algo que se possa ignorar se tivermos em vista alguns dados:
Entre 1988 e 2011 a base de eleitores registrada no TSE² cresceu 78% (75, 810 milhões contra 143,821 milhões). A população brasileira nesse mesmo período cresceu 37% (141,997 milhões contra 194,932 milhões). O crescimento da base de votos foi mais do dobro do crescimento da população.

      Na política o primeiro registro que podemos fazer, e é relavante, é que houve uma forte ampliação da população votante sobre a população total, o que necessariamente implica em maior pressão por políticas públicas, principalmente se tivermos em vista a origem possível desses eleitores.

     Em ordem de crescimento, por regiões, comparando ainda 1988 com 2011²:
O número de votantes na região Norte cresceu 144%. Na região Centro-Oeste 108%. Na região Nordeste 80%. Na região Sudeste 71% e na região Sul 62%.

      A se olhar esses dados, mesmo que essa mobilidade para cima resulte num perfil mais conservador, aparentemente esses segmentos ainda estão fortemente dependentes da ação do Estado. Daí não ser difícil imaginar que venham a se constituir em eleitores conservadores sim, mas propensos a dar à participação do Estado um peso relevante. Para o bem ou para o mal. Ou seja um governo que não seja capaz de manter os mesmos padrões de consumo pode pagar a conta sendo substituído por um eleitorado que provavelmente votará com o bolso. O que talvez explica as novas teorias desenvolvimentistas sobre o piso mínimo e crescimento, mesmo com risco de retomada do processo inflacionário.

      Seja como for, entre 1988 e 2011 mudou o status políticos desses indivíduos, com sua incorporação à democracia representativa e isto certamente mudou e continuará mudando sua relação com o Poder.

     O que há pela frente é um processo de amadurecimento político onde fique mais evidente para esses indivíduos a relação entre o tributo apropriado e o seu resultado em políticas realmente públicas. Ai pode estar um ponto de inflexão a ser considerado pela política.

Demetrio Carneiro

1) em “Estrutura de Classes e Estratificação Social”, Zahar Editores, RJ, 1976
2) Fonte:: Site do TSE
3) Fonte:IBGE, Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios 1992/2007

KHADAFI: O COLAPSO DA DIPLOMACIA BRASILEIRA

     Como em todo o resto o governo brasileiro vem emitindo sinais contraditórios e que não apontam um rumo claro. Depois de um bom tempo “neutro” o Brasil finalmente apoiou hoje, 23, uma resolução anti-Khadafi do Conselho de Direitos Humanas, mas é pouco. Muito pouco.

     Lula e o lulismo tentaram reescrever muita coisa. Uma delas foi o papel da nossa diplomacia. É de Lula, M.A. Garcia e C. Amorim a proposta de inflexão para um estranho estilo de “realpolitik” que buscava sustentação da demanda brasileira pela via de apoio a meia dúzia de regimes autoritários espalhados pelo planeta. Sempre foram indisfarçáveis as simpatias de Lula e lulistas com o estilo autoritário. A democracia é algo que suportam desde que seja manipulável em favor de seu projeto de poder. Daí todos os testes de limite dos últimos anos que nos colocaram muito próximos da fronteira que separa os regimes democráticos dos regimes autoritários.

     Contudo faltou a essa turminha uma leitura mais objetiva dos fatos da geo-estratégia internacional. O grande fator de atração entre a ideologia lulista e a ideologia autoritária sempre foi o anti-americanismo. Nesse caso em específico é uma visão terceiromundista típica do maniqueísmo existente antes da queda do sistema soviético. Aquele mundo tinha dois campos bem definidos. No campo do sistema soviético, mesmo que a China e alguns outros não estivessem numa aliança direta com a URSS eles estavam dentro desse campo e estavam no jogo, orbitavam diversos regimes proto-socialistas, num conceito totalmente difuso onde ser socialista era ser não-americanista, estabelecidos em países do, então, terceiro mundo. Conhecidência que fossem todos anti-democráticos e vissem na democracia um dos “males” do capitalismo? Não, na realidade o noção dominante na época sobre a ditadura do proletariado e o quanto seria necessária para mudar o Estado em favor do “povo” era um facilitador dessas relações.

     O lulismo, mesmo sem o sistema soviético ainda vê esse mundo bipolar. Só que agora a contradição se dá entre países desenvolvidos e países não-desenvolvidos. Nessa lógica uma aliança do sul contra o norte passa a ter a prioridade. O problema é que a escolha de parceiros não foi das mais felizes.

     No antigo sistema bipolar, EUAxURSS, as ditaduras tinham dois papeis importantes: Controlar o conflito distributivo em favor das elites locais e sua aliança com os centros dos dois pólos; manter essas nações alinhadas e compromissadas com seu campo. Não foi um processo desprovido de contradições. Aqui mesmo entre nós a ditadura civil-militar de 1964 teve seus momentos de autonomização, embora nem por isso tenham deixado de conter o conflito distributivo e assumir o alinhamento geral. Assim tivemos ditaduras à esquerda e à direita. O atual sistema, na realidade monopolar, dispensa essa condição e as ditaduras perderam a sua funcionalidade. Agora vão caindo.

     Racionalmente não é muito difícil compreender o que está ocorrendo. O grande movimento sistêmico hoje é a busca de novos mercados e o centro está maduro para isso. Os mercados do Centro do sistema estão saturados pelo hiperconsumo e não conseguem mais sustentá-lo. De outro lado a polírica de exportação de cadeias produtivas por conta do aumento da concorrência e redução da mergem de lucro já vai alcançando até os setores mais modernos. Agora mesmo a HP já se mostra interessa em “abrir mão” de todo o segmento de produção de pc’s, justamente alegando perda de margem de ganho. A própria crise viabiliza todo um excedente de capital que precisa buscar novos pontos de aplicação. É ai que os crescentes mercados internos dos países emergentes vai assumindo um papel relevante. Certamente o efeito passa também para os países da periferia.

     Mercado de consumo não combina com autoritarismo. O que combina com autoritarismo é cleptocracia e corrupção. Em boa parte dos países da periferia não haverá como expandir mercado em favor do Centro e, inclusive, em favor dos emergentes e semi-periféricos sem que o autoritarismo seja substituído por formas de democracia que viabilizem algum tipo de distributivismo, seja pela ação do Estado, seja pelo funcionamento da economia, seja por ambos, num formato combinado. Nos países da semi-periferia e periferia é esse o caminho do mercado.

      Talvez estivesse nos sonhos do lulismo, através de acordos com as elites dirigentes desses regimes autoritários, algum tipo de “reserva de mercado” para o Brasil ou algum tipo de acordo de apoiamento nos fóruns multilaterais. Ou ambos. Evidentemente democracias e ditaduras têm o mesmo poder de voto nesses fóruns. Talvez o apoiamento a esses regimes garantissem algum tipo de “fidelidade de voto”. Isso só no futuro, depoimentos, documentos oficiais, se forem abertos, dirão.

      Seja como for a diplomacia de respeito às políticas internas dos regimes autoritários e de aliança com suas elites vai desmoronando. O que deveria ser mais preocupante é que o questionamento interno, entre nós brasileiros, a essa política foi bem fraco. Mas não é apenas isso. Dilma não parece muito interessada na revisão dessa política. Logo após sua posse os sinais eram de revisão. Contudo com o passar do tempo tudo o que vemos é, no máximo, o silêncio autorizativo de nossa diplomacia e um comportamento que pode ser minimamente classificado de ambíguo.

      De momento o que precisaria ficar mais claro é que não haverá revisão alguma se não houver debate e pressão. A diplomacia brasileira precisa abandonar esse beco sem saída, reconhecendo que a atual política faliu. O isolamento internacional ao lado de ditaduras decréptas não faz parte de nossas melhores tradições.

Demetrio Carneiro

domingo, 21 de agosto de 2011

PREVIDÊNCIA: É TUDO PELO SOCIAL?


      Quando se fala no déficit da previdência, geralmente o discurso é de que ele deve ser suportado, pois há mecanismos distributivistas, justiça social, importantes lá.

   Mesmo sendo verdade, esses mecanismos estão minimamente no lugar errado, pois deveriam estar, então, na Assistência Social.

     Repercutido no Mão Visível, o gráfico do Giambiagi, que está ai acima, mostra o Brasil com um gasto percentual do PIB na mesma altura de países com três ou quatro vezes mais idosos. Apenas por isso o debate sobre a Previdência já mereceria todo destaque, pois indica algo muito errado. Não dá para afirmar que uma Dinamarca, por exemplo, tenha políticas sociais "neoliberais" e gaste muito pouco com seus velhinhos...

     Há profundas distorções na previdência brasileira. Até mesmo por jogos de contabilidade publica. Para beneficiar com aposentadoria pessoas que nunca cooperaram com a Previdência o governo deveria ter lançado o prejuízo na conta da Assistência Social. Não pôde fazer. Não pode pq entraria no Orçamento do Governo Federal e desmontaria a lógica do superávit primário. Jogando no Orçamento da Previdência o prejuízo é considerado dentro do Orçamento Geral da União e é partilhado por todos os contribuintes do INSS. Em liguagem mais simples quer dizer o seguinte: Qume está pagando a aposentadoria daqueles que nunca contribuiram não é o Estado, via tributos de toda a sociedade. Quem está pagando é o cara que trabalha toda a vida, recolhe todos os tributos e depois tem a sua pensão ou benefício achatado para poder acomodar todo o resto da galera. A regra é essa: Você paga por aquele que não paga.
     Como dá para ver são diversas distorções acumuladas. Agora, tente uma Reforma em profundidade. Vc Não vai conseguir, pois as corporações sindicais são as primeiras a não querer mudar nada. E, no final do dia, para os políticos fica mais fácil deixar como está.
     A atual política de reajustes fortes do mínimo só vai piorar o quadro, pois acabará por acomodar a maior parte dos beneficiários. Quem vai se ferrar mesmo é a classe média urbana que ficará esmagada entre o salário mínimo e os supersalários de um pequeno grupo de "experts espertos" que se valem das brechas da legislação e faturam pensões e benefícios que podem chegar a R$ 40 mil mensais. É proibido sim, mas é pago por meio de liminares...
Um perfil com a distribuição dos valores de pensões e benefícios certamente irá mostrar uma extrema concentração de ganhos.  
     Enfim, a "justiça social Previdenciária" no Brasil é financiada pela classe média urbana, obrigada a buscar a Previdência Privada como forma de complementar renda. Ela vai se tornando a grande perdedora de todo o processo recente de mudança de foco da ação do Estado e fica sem representação política clara, já que todos os partidos brasileiros "são-de-esquerda" e defendem essa entidade abstrata chamada de "povo".
     Não se trata questionar a mudança de foco, justa num país tão desigual, mas se trata de perguntar por qual razão a conta deve ser paga apenas pela classe média urbana.

     Voltando ao gráfico do Giambiagi: Se o per capita brasileiro é tão alto comparativamente  e, evidentemente, os salários mínimos são muito abaixo do per capita e a classe média urbana precisa de previdência complementar, onde está a grana?

        

domingo, 14 de agosto de 2011

CORRUPÇÃO E PATRIMINIALISMO


      Na edição de 27 de julho de 2011 da Revista Veja há uma matéria bem interessante: Pobres Homens Ricos. Sinteticamente ela relata numa reportagem o envolvimento de diversos políticos com empresas “laranja” – Jader Barbalho, Joaquim Roriz, Renan Calheiros, Gim Argelo e Romero Jucá, aquele do irmão “perdoado - com finalidades evidentes de fraude. Na mesma matéria cita uma auditoria do TCU em 142 mil contratos de compra do governo Lula, envolvendo gastos superiores da R$ 100 bi. A auditoria constatou 80 mil indícios de irregularidades – disputas simuladas, empresas de fachada, alterações absurdas do valor inicial, participação de empresas inidôneas, participação de funcionários públicos e/ou familiares diretos, fracionamento de empresas em pequenas empresas e, finalmente, empresas com participação direta de parlamentares.

      De início cabe ressaltar a diferença, grande, entre corrupção e patrimonialismo (anotando que o mais correto seria neopatrimonialismo, mas vamos, por enquanto seguir a onda de leitura). Corrupção é algo endêmico, mas que pode ser visto como pontual. Patrimonialismo, diferentemente, é sistêmico e, organizado numa rede de patronagem, é parte do sistema de poder atual. A Coalizão Dominante atual repousa sobre uma extensa rede vertical, federação, e horizontal, república, linkada à rede de patronagem com diferentes graus de profundidade.

      A questão que parece mais relevante está em definir como “patrimonialismo” se relaciona com “democracia” e “desigualdade”. De forma que me parece muito evidente o patrimonialismo é forte elemento de desvio da democracia. Aqui vamos assumir que é mais democrático o Governo capaz de transformar tributos apropriados na sociedade em políticas públicas que produzam bens públicos – bens de caráter não-excludente. Quando os tributos apropriados são transformados em benefícios privados dentro da rede de patronagem há um evidente desvio de finalidade, pois bens privados são excludentes por natureza. Governos que, de alguma forma, admitam o patrimonialismo como orgânico são menos democráticos. Evidentemente o patrimonialismo pode estar lá instaurado, mas toda a diferença estará no Líder e seu Grupo de Poder admitirem ou não a organicidade. A lógica é mais ou menos óbvia: O eleitor, em tese, vota na hipótese de quem tributo seja igual a bem público. Evidentemente haverá sempre o eleitor, aquele engajado na Rede de Patronagem, que votará na hipótese de que tributo é igual a bem privado, mas vamos admitir, para efeitos de atualidade, que a grande maioria estaria fora da rede e que a rede tem papel, no compto geral de votos, subsidiário. Enfim, Patrimonialismo e Democracia se relacionam de forma indireta.

       Do ponto de vista da desigualdade acredito que haja certa sutileza. Na media em que o eleitor fora da Elite percebe a possibilidade de disputar benefícios no formato de políticas públicas, e a Constituição Federal de 1988 é o melhor exemplo que ele é pode, ele o fará. A Rede de Patronagem é perfeitamente capaz de perceber esses sinais, da mesma forma que a Elite – aqui estamos dizendo que a Elite, mesmo no Brasil, necessariamente não precisa ser parte integrante da Rede de Patronagem, embora essa lhe seja extremamente útil. Há ai um balanço a ser ainda testado entre mais e menos desigualdade, mas parece que Elite e Rede de Patronagem, com razões que podem ser diferentes (Para a Elite certamente mais “mercado consumidor” e para a RP provavelmente protelação de um conflito mais forte) “cedem”, de forma limitada e controlada, algum grau de igualdade. Contudo, não é do Patrimonialismo e nem mesmo da Elite ceder tudo. Mas é muito menos do Patrimonialismo, pois ceder igualdade implica necessariamente em ceder , pela via do Estado, bens públicos e a Rede só permanece se for capaz de reter bens públicos enquanto bens privados. Enfim, a relação entre Patrimonialismo e Desigualdade também é indireta.

       Pessoalmente acho que ainda estamos no caminho, talvez um pouco longe demais, de um debate mais substancial sobre os arranjos de Poder e o papel que o Patrimonialismo joga neles, os arranjos. Por enquanto os debatedores se satisfazem em citações talvez genéricas demais e essa generalização talvez até ajude um discurso político que gosta de nivelar por baixo acreditando que a simplicidade dos termos chega melhor ao eleitor. Os adeptos dessa lógica apenas não percebem o que vai ficando pelo meio do caminho: A realidade. Quando Collor foi transformado em Collor o ganho, pelas mãos de Itamar Franco, foi o Plano Real e a Estabilidade. Há uma sensação de bem estar na deposição de Collor, mas depô-lo não nos trouxe o fim do Patrimonialismo. Não era ele o alvo real. Muito ao contrário o que veio depois foi o fortalecimento do Patrimonialismo via Presidencialismo de Coalizão, inaugurado com todas as pompas e honras por FHC. Do lado político a mensagem da deposição de Collor aos presidentes que vieram a seguir foi bem simples: Formem maiorias absolutas no Congresso Nacional para se garantirem. Nessa nossa jovem democracia de instituições ainda em formação e fortíssimo déficit de cidadania a lógica patrimonialista caiu como uma luva. Transformar Dilma em Collor não é necessariamente uma solução se não for para eliminar a Rede.

      O artigo abaixo, publicado originalmente no Estadão hoje, 14, trás uma reflexão sobre essas questões e aponta o que já vínhamos comentando: Dilma poderá entrar para a história de duas formas ou como a presidente que caiu devido ao seu comprometimento com a corrupção e o patrimonialismo ou a presidente que cresceu combatendo ambos. Talvez a oposição devesse refletir melhor sua atitude de colocar Dilma na parede, como responsável. É verdade que ela fez parte do núcleo duro de Lula, que concretizou os arranjos de Poder atuais. Mas também pode ser verdade, e a história tem muitos exemplos, que ela busque se autonomizar, já que sua origem, sua raiz, não está na Rede. É uma aposta. Há apostas bem piores...


O revolucionário Maximilien Robespierre dizia que seu negócio era combater o crime, não governá-lo

Carlos Guilherme Mota - O Estado de S.Paulo*

Na história, situações há em que personagens do Estado, da política ou da cultura se veem obrigados a assumir papéis que os levam a adotar medidas radicais, daquelas que mudam o curso dos acontecimentos. Analisados em perspectiva histórica, crescem ou diminuem conforme as respostas que deram aos desafios de seu tempo, desde antes dos gregos e romanos até os modernos, como Galileu, Napoleão, Roosevelt, De Gaulle, Mandela, todos aliás grandes leitores de livros de história.

Hoje, é a ex-revolucionária Dilma Rousseff que se acha sob a luz dos holofotes. Nas pesquisas da mídia e nas torcidas desorganizadas desta "sociedade civil" com lideranças precárias, vem se tornando mais difícil a posição da herdeira de um modus político neopopulista e desse ethos nacional insuportável, em que a noção de República é manipulada e banalizada por agentes desqualificados. A presidente com sua caneta vai assumindo papel inesperado de agente moralizador para repor nos trilhos a máquina desgovernada de um imenso Estado patrimonialista, familista, clientelista. Difícil a faxina, pois ainda chafurdamos na transição de uma ditadura explícita para essa ordem constitucional confusa e pseudodemocrática em que personagens, dejetos e, sobretudo, mentalidades herdadas dos vários tempos históricos, da Colônia e do Império às Repúblicas de 1889 a 1988, permitem qualificar o modelo atual de democracia de meia-confecção.

Como jamais ocorreu nestas plagas a consolidação de uma sociedade capitalista de contrato democrática, muito menos uma revolução popular, tem-se (temos?) que conviver com o tal "presidencialismo de coalizão". Ou seja, com essa invenção pervertida que jogou o País no patamar mais baixo do brejo da Conciliação, ideologia arquitetada pelas elites imperiais escravocratas do século 19 e imperante até hoje.
O resultado é o aprimoramento desse centralismo obtuso com imposição de normas jurídicas e de formas de comportamento que revelam o atraso de nossas instituições jurídico-políticas e, como decorrência, preocupante conformismo coletivo nacional. É nesse quadro que soam como radicais a atuação da promotoria com nova visão social e política, as ações rigorosas da Polícia Federal, de jornalistas e de lideranças iracundas da sociedade civil que tentam romper com um passado nefasto para a implantação de uma nova democracia.

Ora, impõem-se de fato maior transparência na gestão da coisa pública, efetiva representatividade dos políticos e rigor no combate à impunidade, com a prisão dos corruptos de variada ordem. Paralelamente, urge requalificar os quadros administrativos, políticos, educacionais, científicos, diplomáticos e militares. Nesse processo, como dizia Martin Luther King, "não me preocupa o grito dos violentos, os corruptos e os desonestos, mas o silêncio dos bons".

A presidente Dilma crescerá - ou não - nessa encruzilhada desafiadora. Na construção de uma nova sociedade civil, reunida em torno de liderança não populista e não coalescente, poderá ela ter papel histórico se não se acomodar docilmente à tal "coalizão", nociva por reaquecer hábitos que suporíamos ultrapassados pelo governo anterior, que se propunha "popular".

O governo de Dilma parece firme. Pois "nunca antes na história deste país" três ministros de Estado caíram em tão pouco tempo - por razões distintas - e outros passaram a ser fiscalizados de perto. Dado que a Polícia Federal está submetida ao Ministério da Justiça e o ministro é subordinado à Presidência, torna-se claro que a presidente terá papel decisivo com sua pouca disposição para conciliar a qualquer preço com partidos da base, sobretudo com os recheados por agentes do fisiologismo tacanho, no caldo de oportunismo boçal.

Poderá ela, se quiser, passar à história como aquela que pôs fim à "transação cordial" pouco séria que nos denigre interna e externamente. E o vice-presidente, Michel Temer, se escolher o lado correto e controlar com mão forte seu partido, poderá jogar papel importante na reconfiguração nacional em curso. Ou ficar fora da história.

Agora é torcer, pois com a corrupção à solta e em conjuntura mundial de crise, não há Estado que aguente. A violência urbana (arrastões em restaurantes e praias, latrocínios e sequestros) e a violência rural (agravada nos últimos anos), mais o retorno da inflação, exigem medidas fortes. Pois os simpáticos "capitães da areia" de Jorge Amado, malformados e famintos, migraram para as cidades e uma multidão deles engrossa as estatísticas de assaltantes e de jovens motoboys mortos em nossas travadas anticidades.

A história ensina que, desde antes da Revolução Francesa, o pânico coletivo pode sempre ocorrer e ser "contagioso", como se verifica na Inglaterra, no Chile, na Síria e outros países. Quanto a nós, somos filhos da Revolução Francesa ou do quê? A expectativa é que a presidente Dilma não passe por cima da lição do revolucionário francês Maximilien Robespierre, o Incorruptível, em seu célebre discurso de 1794: "Sou talhado para combater o crime, não para governá-lo".

*CARLOS GUILHERME MOTA, HISTORIADOR, PROFESSOR EMÉRITO DA FFLCH DA USP E PROFESSOR TITULAR DA UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE, É AUTOR DE HISTÓRIA E CONTRA-HISTÓRIA (EDITORA GLOBO)