sábado, 31 de dezembro de 2011

SAUDAÇÃO A 2012

Em todos os cantos do planeta, Líbia, Egito, Irã, Rússia, China, Estados Unidos, Nigéria ou Cuba algo nos fez próximos e solidários neste 2011 que se encerra: 
A luta pela Democracia vista em todas as suas diversas dimensões: Política, Econômica, Cultural, Gênero, inclusive a Étnica dos sem-país como os Ciganos ou a Religiosa dos proibidos como os Baha'i...

A todos essas companheiras e companheiros de luta desconhecidos e conhecidos, brasileiros ou não a minha pessoal homenagem e convicção de que continuaremos juntos, lutando sempre, em 2012.

Demetrio Carneiro

De que Serve a Bondade

De que serve a bondade 
Quando os bondosos são logo abatidos, ou são abatidos 
Aqueles para quem foram bondosos? 

De que serve a liberdade 
Quando os livres têm que viver entre os não-livres? 

De que serve a razão 
Quando só a sem-razão arranja a comida de que cada um precisa? 


Em vez de serdes só bondosos, esforçai-vos 
Por criar uma situação que torne possível a bondade, e melhor;
A faça supérflua! 

Em vez de serdes só livres, esforçai-vos 
Por criar uma situação que a todos liberte 
E também o amor da liberdade 
Faça supérfluo! 

Em vez de serdes só razoáveis, esforçai-vos 
Por criar uma situação que faça da sem-razão dos indivíduos 
Um mau negócio! 

(1)Bertold Brecht, in 'Lendas, Parábolas, Crónicas, Sátiras e outros Poemas' 
Tradução de Paulo Quintela

DESPERTAR É PRECISO: ESPERANDO 2012

                         DESPERTAR É PRECISO

Na primeira noite eles aproximam-se e colhem uma Flor do nosso jardim e não dizemos nada.
Na segunda noite, Já não se escondem; pisam as flores, matam o nosso cão, e não dizemos nada.
Até que um dia o mais frágil deles entra sozinho em nossa casa, rouba-nos a lua e, conhecendo o nosso medo, arranca-nos a voz da garganta. E porque não dissemos nada, Já não podemos dizer nada.

Vladmir Maiakóvski

sexta-feira, 30 de dezembro de 2011

PLANO VIVER SEM LIMITES PARA AS PESSOAS COM DEFICIÊNCIA : UM BOM EXEMPLO DO ESTILO GERENCIAL DE GOVERNO

No post anterior comentávamos sobre o comportamento à-crítico da mídia. Podemos usar o recém lançado Plano Nacional de Defesa da Pessoa com Deficiência - Viver sem limites, como um bom modelo dessa lógica de imprensa, mas também como um ótimo modelo dos métodos gerenciais do governo Dilma. Supostamente muito eficientes...

Um bom exemplo desta cobertura a-crítica, bem diferente das matérias da BBC, foi o showmício de lançamento do decreto com o pomposo "Plano Nacional de Defesa da Pessoa com Deficiência - Viver sem limites".

Um verdadeiro festival de promessas sem qualquer fundamento no decreto que é apenas um instrumento de organização administrativa, mas com direto a choro presidencial. Quem conhece a enorme diferença entre declarações de intenções desse governo e o que realmente é feito sabe do que estamos falando.

Na prática, e sob o silêncio das entidades do movimento, todas estatal-dependentes e com a maioria dos dirigentes empregados no setor público,  é um decreto que retira qualquer diálogo com a comunidade dessas pessoas, recriando uma proposta que já estava superada anos atrás e que dá ao poder executivo central todas as chaves de controle dos recursos para o segmento, mas com participação zero das pessoas com deficiência.

O decreto destina a administração dos recursos, que ainda precisam ser autorizados etc., a um comitê gestor constituído por ministérios. Ministérios que são a moeda de troca com a base aliada. Já dá para imaginar o que vai acontecer...

Notando que o site da "presidente" da Frente Parlamentar do Congresso Nacional, uma cadeirante, que trata da questão da pessoa com deficiência registra na cerimônia todas pessoas do poder, mas passa ao largo do Conade e dos conselhos estaduais, que são estruturas participativas paritárias.

Demetrio Carneiro

LIÇÕES, PARA 2012 E OS ANOS SEGUINTES, SOBRE DEMOCRACIAS PLENAS

Antes de ontem, 28, a BBC veio com uma excelente reportagem, de Sílvia Salek, sobre a relação entre o PIB brasileiro e uma cesta de outros indicadores, mostrando como a riqueza do PIB não refletia a diversidade dos problemas enfrentados. A começar pela extrema concentração de renda, problemas de ordem institucional etc. Com base nas informações contidas nela é que fizemos os posts: 2011: O Brasil em números e Quando o crescimento se dá em bases insustentáveis. Falha minha não ter dado à repórter e à mídia o devido crédito.

Ontem, 29, a BBC trás outra ótima matéria, de Mario Camera, falando da perspectiva dos brasileiros que vivem em países desenvolvidos, basicamente Noruega e Holanda, do norte da Europa. Países tradicionalmente considerados mais equalitários social e economicamente falando. 

Em particular o modelo norueguês pode nos ser interessante por conta do uso da exploração do petróleo para sustentar todo um conceito de atenção e serviços ao cidadão. Está longe de ser um ponto pacífico, mas é uma excelente referência de como as democracias maduras lidam com a questão da exploração de recursos naturais, tanto no sentido das questões ambientais envolvidas, quanto no sentido das distribuição social desse ganho ao lidarem com uma fonte finita de energia fóssil.

O que a matéria relata basicamente é o que acontece em democracias plenas e maduras onde a renda não é violentamente concentrada como no Brasil e onde as rederes patrimonialistas não se apropriam de boa parte do produto social apropriado pelo Estado. Como comenta um dos entrevistados, lá você percebe que o tributos que é apropriado é usado em seu favor.

Enfim democracia não é apenas liberdade de voto e opinião, embora seja evidentemente essencial termos estas e outras liberdades políticas e, ainda, mecanismos de defesa da cidadania frente ao Estado. Como totalidade é preciso que a Democracia também alcance diversas outras dimensões. Entre essas diversas que seja democracia social, com o acesso equitativo e a custos aceitáveis, com base na renda, a serviços e bens públicos de qualidade. 

Para que isto aconteça, do lado do Estado é preciso, por exemplo, eliminar as deseconomias geradas pela corrupção e a apropriação dos recursos públicos, os privilégios injustificados em diversos segmentos do funcionalismo. Precisamos discutir a qualidade e o próprio controle dessa qualidade dos bens e serviços públicos. Do lado da sociedade, pois é a sociedade que precisa exigir, precisamos rever os mecanismos que conduzem a nossa absurda concentração de renda. A começar pelo caráter regressivo e fortemente desigual da tributação, mas sem esquecer o quanto a baixíssima qualificação do sistema de ensino e a dificuldade do acesso às escolas de boa qualidade colaboram na formação de uma sociedade desigual. Precisamos de coragem e vontade política para promover as reformas que se façam necessárias, para construir instituições mais sólidas capazes de gerar estímulos e cooperação, mas também competividade e produtividade.

Há uma fartíssima agenda propositiva e estruturante para 2012 e os próximos anos e é somente assim, por esse caminho que, gostemos ou não, é duro e difícil que chegaremos lá e não pelos atalhos oportunistas do voto fácil e da ampla cobertura midática a-crítica, onde pouquíssimos se dão bem em detrimento da absoluta maioria.


Demetrio Carneiro

quinta-feira, 29 de dezembro de 2011

QUANDO O CRESCIMENTO SE DÁ EM BASES INSUSTENTÁVEIS

Conforme viemos comentando ao longo dos últimos meses Dilma fez uma clara escolha dentro dos limites do trade off clássico da teoria do ciclo político-partidário: A ter menos inflação e menos crescimento ela preferiu ter mais inflação para gerar mais crescimento. Dai a desconstrução na noção de centro de meta da inflação e a adoção da teoria de Delfim sobre a inflação boa. Não deu tão certo e o crescimento é bem menos espetacular do que estava nos sonhos tanto da equipe econômica como da presidente e a inflação poderá incomodar muito ainda.

No caso importa mencionar que a escolha foi fundada no crescimento a qualquer custo e mais ainda nos atalhos de crescimento. Existe uma lógica de geração de votos nessa escolha e é um mecanismo de sobrevivência política via reeleição. . Nesse caso em específico o que se vê é um grande e correto esforço de ampliação do mercado interno conduzido da forma errada, justamente devido ao atalho.

Alguns ainda caem no conto de fadas de que o crescimento do mercado interno se dá única e exclusivamente pelo aumento da renda dos trabalhadores. É verdade que a massa salarial ao menos entre 2004 e 2010 veio crescendo a um ritmo maior que a inflação e incorporou praticamente todos os ganhos do crescimento do PIB. Mas também é a mais completa verdade que a maioria dos trabalhadores está na faixa abaixo de dois salários e que nossa distribuição de renda é uma das mais injustas do planeta.
Ora o que vem expandido o mercado interno é justamente o segmento de salário mais próximo do salário médio e abaixo dele. Não é preciso sacar muito de economia ou sociologia ou estatística para entender que essas populações têm uma demanda fortemente reprimida. Mas também não é preciso fazer muitas contas para perceber as fortes limitações do poder de compra desses agrupamentos de trabalhadores abaixo de cinco salários, por exemplo. 
Se agregarmos a isso o fato de que mais da metade da população brasileira vive em 300 municípios, que neles está 75% do PIB brasileiro, que um outro corte em 50% do PIB resulta em nenos de 130 municípios, que nesses municípios o custo de vida é significativamente mais alto, que São Paulo é a 10ª cidade do mundo com custo de vida mais alto e que a cidade do Rio de Janeiro é a 12ª podemos ter um outro cenário.

Enfim esses dados todos alinhados indicam que boa parte da renda dessas famílias acaba em gastos de manutenção, não devendo sobrar tanto para consumo de bens duráveis e nada para a poupança.

Apesar desses fatos a estratégia de governo é buscar atalhos para o crescimento. Isto vai resultar numa forte pressão na mídia com apelos para o consumo, o que explica a notícia dada pela Folha e repercutida pelo César Maia: O nível de endividamento das famílias brasileiras é maior do que o nível de endividamento das famílias americanas. Vinte e dois por cento contra dezesseis por cento. Quase 40% maior! Vamos insistir novamente: Em detrimento da poupança.

O problema mais complicado é que essa forte expansão só se viabiliza com base nas absurdas taxas de juros cobradas pelo sistema financeiro. Atenção: O Banco Central pode até ser omisso, mas basicamente existe ai um problema institucional de desregulação econômica em favor dos oligopólios na área financeira. É um problema de governo. 
São taxas extremamente altas que viabilizam qualquer aventura nessa área, pois funcionam como um seguro contra a inadimplência garantindo uma taxa de ganho que talvez seja a maior em termos comparativos mundiais com qualquer outro tipo de negócio diferente do tráfego de armas ou de tóxicos.

Sendo assim a classe trabalhadora comemora seu poder de compra, mas quem faz mesmo a festa são outras e outros. 

Ao contrário do que afirma o governo não dá para dizer que isto é crescimento em bases sustentáveis, embora até dê para dizer que gera muitas riquezas. Para alguns.

Demetrio Carneiro

A BOLHA CRESCE!
    
(Folha de SP, 28) Os consumidores brasileiros comprometem uma fatia maior de sua renda com dívidas do que os americanos.  Os brasileiros gastam hoje 22% do que ganham com o pagamento de empréstimos e outros tipos de financiamento, de acordo com o Banco Central. Os americanos comprometem cerca de 16% de sua renda com dívidas. Em novembro, as taxas de juros cobradas dos consumidores estavam 14% mais elevadas do que há um ano, apesar da redução da taxa básica de juros pelo governo nos últimos meses.(grifo nosso. DC)

TIME DO PATRIMONIALISMO NO SENADO GANHA REFORÇO PARA 2012

Navegando numa falha da justiça ao não aplicar a lei do ficha limpa para as eleições de 2010 a aliança patrimonialista ganha mais um reforço no Senado e o mundo mais um cidadão impune, muito bem remunerado e em perfeitas condições de fazer mais daquilo que ele sabe fazer melhor...

Infelizmente para todo o resto do país e para o bem estar da população a coalizão dominante não consegue escapar desta lógica de aliança...


Demetrio Carneiro

2011: O BRASIL EM NÚMEROS

Esses dias andaram falando que o Brasil será, brevemente, a 5ª economia do mundo. 

Se tivermos em vista que qualidade de vida não é apenas a medida do crescimento de uma economia, feita usualmente pelo PIB, talvez a comemoração precisasse ser mediada por um pouco de humildade e, principalmente, deveria haver uma pergunta sobre  como mudar em profundidade a escrita mais que centenária da concentração  de renda, dos baixos níveis de educação etc.

Com efeito duas questões são relevantes quanto a indicadores que possam apontar para processos mais consistentes de crescimento com qualidade de vida: Competividade e produtividade. 

Ambos os indicadores acabam envolvendo temas como qualidade da educação que interferem diretamente na qualidade de vida pela via da qualificação da mão de obra. Neste caso nossas estatísticas mais recente mostram o crescimento mais forte do emprego está justamente na área menos qualificada. A linha de argumento de que o crescimento do número de trabalhadores ganhando salário mínimo, comparando 2000 com 2010, é um sucesso faz de conta que não está havendo sim uma queda do salário médio na direção do salário mínimo. Não há absolutamente nada para comemorar quando uma economia cresce na direção dos empregos menos qualificados. A não ser que que é melhor do que não dar emprego algum.

Boa parte da economia brasileira é informal, os dados de mão de obra empregada sem carteira assinada são bastante claros apontando que quase metade dos trabalhadores brasileiros está nesta situação, com forte concentração na área de serviços, o que talvez explique a mão de obra desqualificada. 
Nesse caso os indicadores comparativos de competividade assinalam um alto grau de dificuldade na formalização de empresas. A se observar que empresas informais não possuem acesso às fontes de crédito mais barato e, da mesma forma não costumam optar por trabalhar apostando na produtividade. até por que não são capitalizadas o suficiente. Empresas formais resolvem a competividade pela produtividade. Empresas informais resolvem pela sonegação.

Por mais que o governo procure afirmar o contrário estamos muito longe de políticas públicas que nos levem na direção de sermos mais produtivos ou mais competitivos. 

Não se trata apenas de nossa imensa economia informal ou do uso manipulatório do Sebrae como cabide de empregos da base aliada, mas também da própria lógica nacionaldesenvlvimentista do protecionismo anticompetitivo e de um arco de poder no qual um dos componentes mais importantes é a aliança com e a proteção de grupos de monopólio e oligopólio numa variedade de Capitalismo, de Estado, que já vem da década de 50.

Neste sentido não se trata se estamos no quinto ou no sexto lugar, mas sim de como lidamos com os benefícios e a riqueza gerada por esse crescimento.  Há uma tradicional confusão entre desigualdade e modo capitalista, nela navegam o governo e boa parte da esquerda brasileira, mas sim do questionamento de um estilo de desenvolvimento que vem se mantendo basicamente o mesmo ao longo de décadas e é produzido sob medida para satisfazer as demandas de poucos grupos privilegiados. 

O que fica para a maioria da população, os 80% ou 90% restantes, são os ganhos marginais do processo e esses ganhos são apresentados na mídia como vitórias fantásticas quando sua intensidade e qualidade são justamente o demonstrativo do fracasso do modelo, seja como democracia, seja como capitalismo.

segunda-feira, 26 de dezembro de 2011

GASTO PÚBLICO NO BRASIL, O LIVRO E A COALIZÃO DOMINANTE NO BRASIL

O José Roberto Afonso está divulgando o livro "Gasto público no Brasil", de Júlio Francisco Gregory Brunet, Clayton Brito Borges e Ana Maria de Aveline Bertê, do qual ele assina o prefácio.

Na medida em que a estratégia de poder da coalizão dominante tem como uma de suas bases o uso manipulatório do gasto é certo que compreendê-lo em sua qualidade e na forma como é assumido passa a ser fundamental para entender a própria coalizão, sua força e sua fraqueza.

É leitura fundamental para quem se interesse por política e não apenas para economistas e demais especialistas.

Demetrio Carneiro

sexta-feira, 23 de dezembro de 2011

A GUERRA CONTRA O CNJ

O lobby de juízes e servidores públicos do judiciário é extremamente poderoso e tem fortes ramificações no  Congresso Nacional. Não é de duvidar que o CNJ acabe "enquadrado" e reduzido ao silêncio. 

Aqui entre nós, abaixo do Equador, quem tem que ser ético é o vizinho ao lado. 

Rastreando 217 mil contas o CNJ encontrou perto de 3,5 mil com indícios de movimento suspeito. É um número relativamente baixo e são apenas suspeitas.
O interesse de todos deveria ser a apuração desses fatos, mas muito estranhamente a reação de magistrados e funcionários do judiciário é desproporcional. 
Sem dúvida  esta atitude só levanta mais suspeitas e coloca em risco o patrimônio mais importante do Poder Judiciário: A confiança da população na legitimidade do sistema. Justamente por isso os juízes deveriam ser os primeiros a oferecer, espontaneamente, transparência.

Demetrio Carneiro

A ESTATAL DEPENDÊNCIA NO ESTILO DE DESENVOLVIMENTO BRASILEIRO

O presente de Natal de  Mantega para a economia brasileira não é menos inflação ou mais crescimento. É mais um bilhãozinho para o BNDES e a CEF gastarem no "estímulo" à economia.  Generoso o ministro, que insiste nesse caminho. 


É mais um bi num montante que já ultrapassou trezentos bi nos anos recentes. Não mudará tanto as coisas na economia, mas tendo em vista  o ciclo político eleitoral de 2012, sua conexão com o ciclo político partidário(1) e a recente decisão do Senado Federal de flexibilizar a Lei de Responsabilidade Fiscal, ampliando os limites de endividamentos dos municípios, a generosidade acaba sendo a extensão de um consistente projeto de poder. 


Apesar da medida o governo continuará sem poder entregar sua promessa de crescimento irrestrito - o tal ciclo virtuoso dos sonhos ministeriais e do IPEA - pois o dinheiro fácil do governo não substitui todo um corpo de reformas necessárias. Elas sim poderiam mudar o quadro atual, mas falta a Dilma a mesma coragem que faltou aos presidentes anteriores. A política de amplas maiorias exige não se tocar na zona de conforto dos aliados e reformas sempre acabam invadindo essas zonas e contrariando poderosos interesses. Paradoxalmente o executivo central só é extremamente forte se souber reconhecer suas próprias fragilidades.


Dai a solução é ir empurrando para outro dia mais e ir adoçando o bico dos integrantes da coalizão. No fim do dia aliados estatal-dependentes são muito úteis e fora de qualquer dúvida a estatal-dependência é um das bases do atual estilo de desenvolvimento.


Essa não é uma discussão para ocupar a falta de notícias do fim de ano. O uso do ciclo político eleitoral é a favor da coalizão. Os custos: mais dívida pública associada ao baixo crescimento, devido a ineficiência das medidas, como sempre serão do contribuinte. Bom não esquecer.


(1) - Estamos nos referindo ao dilema central do ciclo político partidário: Inflação ou crescimento. No mundo real os dois ciclos, político eleitoral e político partidário se complementam. 

Demetrio Carneiro

AÇÕES ESTRUTURANTES NA QUESTÃO AMBIENTAL E DESENVOLVIMENTO MUNICIPAL

Num post de ontem comentávamos que não há um projeto de desenvolvimento "nacional". Quer dizer, pode haver um "estilo" de desenvolvimento para o país. O nosso estilo atual, o concreto e não o das leituras midiáticas governamentais, envolve o ciclo de commodities, foco na expansão facilitada de crédito, industrialização baseada nas cadeias produtivas globais e nos paradigmas mais tradicionais do alto consumo de carbono. 

Evidentemente a discussão sobre um outro estilo de desenvolvimento para o Brasil é fundamental. Contudo a forte assimetria de desenvolvimentos dos municípios indica há outra grande luta a se travar por projetos de desenvolvimento municipal. 

Nesse sentido algumas ações estruturantes podem ser um ponto de partida e um indicativo sobre os estilos locais de desenvolvimento. 

Não se trata apenas de entender desenvolvimento enquanto uma totalidade que soma diversos  momentos ou de entender que o desenvolvimento local deve estar  fundado sobre sólidas bases de coesão social e prescinde de uma forte interação de toda a sociedade local para "dar certo".  

Algumas ações estruturantes locais podem ser prioritárias. Pelo menos três delas precisam ser consideradas e deveriam ser trazidas para o debate eleitoral de 2012:

a) Zoneamento Econômico Ecológico. Não há como fazer qualquer planejamento municipal de longo e médio prazo sem a conclusão do ZEE, que é um instrumento anterior o próprio PDOT;

b) Inclusão do conceito de Orçamento Verde no Ciclo Orçamentário municipal . É preciso trazer para o orçamento municipal um balanço ambiental capaz de valorar o capital natural local e os serviços ecossistêmicos, podendo estabelecer assim parâmetros para a relação custo-benefício ambiental;

c) Introdução de noções de "ecologia e responsabilidade ambiental" já nos primeiros anos do ensino básico.

Claro que esse tipo de proposta de debate foge completamente do formato mais tradicional de campanha eleitoral municipal, mas se quisermos mudar alguma coisa precisamos começar mudando o próprio conteúdo das campanhas.

Demetrio Carneiro

PATRIMONIALISMO E PODER: ALGUM DIA VAI ACABAR? 2

Benício Tavares é figura conhecida no DF. Parlamentar de diversos mandatos e dezenas de processos, foi eleito mais uma vez em 2010, nas brechas abertas pelo vacilos legais da Lei do Ficha Limpa. 

Uma vez eleito, por conta de algum dos seu muitos processos e depois de muitos anos acabou cassado pelo TRE-DF. Cassado recorreu ao TSE. O TSE reconheceu o argumento do TRE-DF e manteve a cassação. O TRE-DF notificou a mesa da Câmara Legislativa do DF, com um prazo de 48 horas para cumprir as formalidade e dar posse ao suplente.  

A mesa diretora, presidência do mesmo PT que esbravejava pela ética no episódio de Arruda, soberanamente decide que vai esperar o fim do recesso para concluir o processo de cassação. Quem sabe para dar espaço para que os advogados estudem novos meios de protelar a decisão do TSE? Afinal Benício sempre foi aliado de qualquer um que esteja no poder.

Não é de surpreender em se tratando da Câmara legislativa do Distrito Federal. Também não é de surpreender o absoluto silêncio e a complacência dos colegas parlamentares, de todos os partidos.

Demetrio Carneiro 

quinta-feira, 22 de dezembro de 2011

NOSSO DESENVOLVIMENTO MUNICIPAL DESIGUAL E EXTREMAMENTE CONCENTRADO: SE PRECISAMOS MUDAR É POR AQUI QUE TEMOS QUE COMEÇAR

Não é apenas a renda familiar que é extremamente concentrada no Brasil. Não é por acaso que ficamos nos últimos lugares em diversos estudos comparativos de competividade a saúde pública, passando por qualidade na educação.

Se desagregarmos os dados para os municípios também ai a concentração se alinha com os dados nacionais de altas taxas:

De 5.564 municípios brasileiros aproximadamente 5,4% , 301, concentram 75% do PIB nacional e cerca de metade da população. Evidentemente a outra metade da população vive em municípios que somam 25% do PIB. Na outra ponta para somar 1% do PIB precisamos juntar 24% dos municípios, ou 1313.

Tem mais: 
Se olharmos para o PIB regional 1,5% dos municípios  do norte retêm 50% do total da renda regional. No nordeste são 1,2%. No sudeste são 0,7%. No Sul são 2,2% e no Centro-Oeste 3,4%, mas o DF sozinho que representa 0,2% dos municípios da região apropria 42% dessa renda.

Em dados de 2008, olhando pelo valor adicionado,  a produção agropecuária tinha apenas 5,9% de participação no PIB. Cerca de 1829 municípios concentravam 75% da renda agropecuária. Já 655 municípios somavam 1% do PIB. Em serviços (66,2% do PB) e industria(27,9% do PIB),  os níveis de concentração são bem maiores, pois pouco mais de 253 e 228 municípios respectivamente apropriam 75% do PIB nacional em cada caso . No caso da industria 2.513 municípios somam apenas 1% do valor adicionado. No caso dos serviços são 1.344.

Mas afinal em que implica essa sopa de números?

1) Ela quer dizer que o desenvolvimento desigual visto a partir da ótica dos municípios mostra que a assimetria entre as regiões é muito menor do que a assimetria dentro das regiões e dos estados. Isto deixa bem claro que não se trata de políticas públicas para favorecer regiões ou estados, mas de políticas para o estímulo de desenvolvimento dos municípios fora das zonas de concentração estejam onde elas estiverem; 

2) Um projeto de desenvolvimento "nacional" que não toque nesta realidade vai estar fadado a aumentar ainda mais a concentração;

3) Os municípios e suas populações locais não podem ficar à reboque dos grandes projetos nacionais de desenvolvimento. Precisam eles próprios buscarem meios para auto-promoção por meio de projetos locais estruturantes. Isto tem implicações diretas com a questão federativa da hegemonia tributária do executivo central, da partição tributária com a atual configuração assimétrica decidida políticamente e com a necessidade de que esses entes federativos disponham de muito mais autonomia do que hoje na geração de receitas próprias. Mas também implica na necessidade de rediscutir a lógica de manter municípios incapazes de qualquer atividade de geração de renda própria, como é o caso de um número significativos dos municípios atuais.

Para concluir é bom lembrar que o fato de metade da população se encontrar nos 301 municípios (2008) que concentram 75% do PIB não que dizer que boa parte desse metade viva muito melhor do que a outra metade que está nos outros 5.264 municípios restantes e que concentram o resto ou seja 25% do PIB. Bom não esquecer os altíssimos níveis de concentração de renda nas famílias. 

O debate sobre o desenvolvimento municipal precisa evoluir.

Demetrio Carneiro

CÉSAR MAIA COMENTA GOVERNO DILMA EM 2011

Abaixo uma avaliação do governo Dilma em 2011 por César Maia.

Não concordo tanto com a leitura sobre Aécio Neves ou que esse fato mais o fato da oposição lançar candidatos próprios torne a base de governo mais fluída ao ponto da oposição poder ampliar a sua base por meio de cooptações na base de governo, o que seria a única forma de "vencer". 

Até outro entendimento ainda acho que o grande campo de embate vai ser dentro da base aliada e não fora dela. A não ser que Dilma, claro, resvale do governo medíocre que vem fazendo para um governo desastrado ou tão desastrado quanto a gerência dela. A estrutura de governo, principalmente a da Presidência da República, é complexa, muito ampla e tem diversas ilhas autônomas de excelência. No final do dia alguma coisa sempre anda em algum lugar. A máquina, mesmo ineficiente, não trava a ponto de ser inoperante.  

O poder executivo central conta com uma fonte enorme de recursos, muito significativos do ponto de vista dos indivíduos ou grupos. Pode lançar mão desses recursos com certa facilidade e no tipo de coalizão que existe importa é poder colocar a mão no bolso quando se torna necessário. Se houver problema ele não virá da base política, mas da reação popular a uma gestão desastrosa que não entregue as promessas de emprego, consumo & renda.

Vale observar com atenção a correlação entre eleições municipais e eleições estaduais e nacionais conforme comenta CM. Há uma certa e errada tradição sobre eleições municipais serem isoladas e não afetadas pelas disputas nacionais. Não é o que veremos este ano e certamente isso irá se refletir em 2014.

Demetrio Carneiro



2011: O GOVERNO FEDERAL!
                
1. O ano de 2011 foi um ano perdido para o governo federal, seja do ponto de vista político ou econômico. Do ponto de vista econômico, apesar de todos os indicadores internos e externos apontarem para um ano recessivo, o governo insistiu em manter um discurso otimista para criar expectativas. Só que ele mesmo se convenceu disso e manteve a simples rolagem da política econômica anterior. No final do ano, quando se deu conta que a situação era grave, é que vieram as medidas, mas de forma pontual e atabalhoada. Os fatos atropelaram o governo federal.
                
2. O crescimento de 7,5% produzido no ano eleitoral de 2010, a golpes de populismo fiscal e cambial, era insustentável. A inflação antecipou os fatos. Em nossas análises antecipamos isso desde o final de 2010 usando a renúncia do presidente do Banco Central como referência. Os fatos confirmaram as projeções. O Brasil, ao responder a crise de 2008 com medidas de keynesianismo juvenil, perdeu a oportunidade de investir em infraestrutura, reduzindo o "custo Brasil". A indústria brasileira perdeu competitividade e sua balança comercial saiu de um superávit de 18 bilhões de dólares em 2006 para um déficit de 80 bilhões de dólares em 2011. Quase 100 bilhões de dólares de "gap" em 5 anos. E a bolha de crédito só não estourou -ainda- pela rolagem da inadimplência.
              
3. O desembolso do BNDES para a Indústria em 2011 foi reduzido a menos da metade de 2010. O déficit em conta corrente subiu para quase 55 bilhões de dólares e as projeções do Banco Central para 2012 são de 65 bilhões de dólares, ou 3,5% do PIB, um dado semelhante a países europeus em crise. O PIB em 2011 não crescerá 3% e nos últimos meses o crescimento foi nulo. Para 2012, logo após a presidente oferecer números otimistas, o próprio Banco Central reduziu para números mais realistas.
              
4. No entanto, o impacto progressivo da crise europeia, com refluxo do crédito e retorno de capitais, leva 2012, na melhor hipótese, para o mesmo crescimento de 2011. O patamar inflacionário com que se trabalhou em 2011, no entorno de 7%, será mitigado pela própria recessão. Mas se o ano eleitoral levar a um novo açodamento keynesiano, nem isso se conseguirá. E uma incerteza adicional vem com a bolha chinesa de crédito e o arrefecimento da taxa de crescimento que, de uma ou outra maneira, afetará o crescimento das exportações brasileiras. A associação dos exportadores projeta, em 2012, um superávit comercial de apenas 3 bilhões de dólares. A crise internacional já se faz presente por aqui.
             
5. A combinação de uma base parlamentar de 17 partidos, com o maior deles -o PT- com apenas 16,7% dos deputados e a inexperiência da presidente em matéria parlamentar, já que nunca sequer foi vereadora, levou a uma parálise na tomada de decisões. A heterogeneidade da base aliada -da direita à esquerda- garante a aprovação da rotina, mas inviabiliza qualquer mudança nas direções imaginadas pelo PT e Dilma. Os escândalos com a saída de 6 ministros e com a desintegração da autoridade de um sétimo, exatamente o mais próximo da presidente, acentuou esta crise na capacidade de governar.
            
6. As avaliações das funções de governo são negativas e Dilma -ainda- escapa por passar, junto à imprensa, a imagem de que está longe disso tudo e que é apenas herança de Lula, a quem lealmente não desgasta. A expectativa da volta de Lula em 2014 mantinha a base aliada (expandida por um novo partido). Independente de que supere sua doença, como vem sendo noticiado, a possibilidade de ser candidato em 2014 fica eliminada.
            
7. O ano de eleições municipais de 2012 acirrará os ânimos na medida em que não se pode repetir, em nível municipal, a base em nível federal. E como se sabe (Jairo Nicolau-IUPERJ), a correlação efetiva está entre a eleição de vereadores e -dois anos depois- de deputados federais, o que acentua os conflitos internos na base aliada. No correr do ano de 2012 ficará claro que o senador Aécio Neves é um forte competidor para Dilma e estimulará o DEM e o PPS a lançarem candidatos. Isso tornará a oposição mais aguerrida, mais retórica e a base aliada ainda mais fluida.
            
8. E se o voluntarismo prevalecer em 2012, não será mais um ano perdido, mas um governo perdido.


ELES, AMERICANOS, ESTÃO EM CRISE. NÓS NÃO.

As expectativas de crescimento do PIB americano para 2011 variam de 1,5% à 2,8%. As expetativas do PIB brasileiro para 2011 apontam de 2,8% a 3,2%, muito mais para o limite de baixo. Segundo Dilma e Mantega eles estão em crise. Nós não...

Demetrio Carneiro

UM NOVO CICLO DE AUTO-ALIMENTAÇÃO DA INFLAÇÃO NO BRASIL?

A votação do Orçamento para 2012 no Congresso Nacional e o embate sobre o reajuste em diversas áreas do funcionalismo público refletem apenas as expectativas criadas durante todos os governos petistas de favorecimento salarial das categorias que forem mais capazes de pressionar. 

Ninguém está disposto a brincar em serviço e não é muito difícil dobrar parlamentares que usam recursos públicos, em todos os sentidos, para garantir a sua reeleição quando eles próprios estão interessados em se auto-aumentar indiretamente e, para isso, precisam de legitimação

Ao se agregar a esse contexto uma outra expectativa, essa fornecida pelo próprio governo, de que a inflação nesses níveis atuais é tolerável, está aberta a porta para crescentes pressões por reajuste, que fatalmente iráo se alastrar pelo setor privado da economia. 

O que vamos começando a viver é o início de um ciclo de auto-alimentação da inflação, fenômeno com o qual não convivíamos desde o Plano Real. Este é o resultado da solução do dilema crescimento versus inflação pelo lado da inflação.

Demetrio Carneiro

O QUE UNE OS TRÊS PODERES DA REPÚBLICA?

O que deveria unir a ação dos três poderes republicanos seria o bem estar dos brasileiros, o desenvolvimento ou a democracia etc., mas no mundo real não é.

Estamos vivendo uma espécie de segundo tempo da lei de Gérson, que fez suas auspiciosa estréia na ditadura, e que se referia ao "se dar bem" das pessoas em geral. . No primeiro tempo ainda havia um certo encabulamento no que se referisse ao setor público. Nicolau Lalau foi apenas o precursor e como toda pessoa à frente de sua época pagou o preço da inovação. 
Neste segundo tempo a presidente não se acanha em sustentar seu ministro corrupto, o presidente do Senado não se acanha em trocar cargos para cabos eleitorais por votos na casa e um ministro do Supremo não se acanha em receber um milhão de reais como "indenização". 

O que une a Dilma, que protege seu amigo pessoal, Pimentel, a Sarney, que faz da troca de favores um estilo de política, e a Lewandosky que se auto protege numa investigação justamente sobre seus ganhos talvez até lícitos, mas imorais, é a prática patrimonialista. 

A mesma prática que esta levando juízes de todo o país a uma desconstrução sistemática do Conselho Nacional de Justiça. Alguns juízes não querem ser investigados. Claro, alguns juízes não podem ser investigados sob o risco de expor à sociedade uma relação custo benefício onde o benefício é todo deles, por meio de todo o tipo de maracutaias para aumentar rendimentos e benefícios diretos e indiretos e os custos todos da sociedade, expresso na demora dos processos ou nas omissões dos juízes. 

A República brasileira está podre e reflete isso no seus mais elevados níveis. O Estado brasileiro não existe pelo povo e para o povo. Para o povo são as aparas do banquete. O Estado brasileiro existe para uma elite enquistada no poder. Eles fazem de conta que ISTO é democracia e, pior, os eleitores fazem de conta que acreditam.

A reforma política e outras reformas são essenciais, mas mesmo que elas venham, e o mais certo é que não venham já que não se muda um time que está ganhando, a principal reforma talvez tenha que ser aquela que fale sobre qual seja o verdadeiro papel dos agentes políticos e dos agentes públicos. 

Não será por falta de leis e regulamentos que o patrimonialismo se espalha como uma praga, mas sim por que a reforma sobre o papel dos agentes políticos e agentes públicos só pode ser feita mediante o voto. O eleitor brasileiro precisa decidir. Se quiser...

Demetrio Carneiro

FELIZ 2012: CONGRESSO RELATIVIZA A LEI DE RESPONSABILIDADE FISCAL

Por conta do pacote de bondades, promovido por  Sarney e a base aliada, Dilma recebe entre seus presentes de natal a relativização da LRF. Não, não é pouca coisa.

Ao longo desses anos estamos constatando toda uma série de relativizações. A mais recente, antes dessa da LRF,  foi a da meta de inflação, mas também já tivemos a relativização do superávit primário, por meio da contabilidade criativa. 
Conforme relata Claudia Safatle, no Valor Econômico, Tombini em depoimento à Comissão de Assuntos Econômicos do Senado Federal usou o termo "controlar" a inflação, o que a articulista liga com a evidente escolha de Dilma no dilema crescimento versus inflação, num claríssimo viés de ciclo político partidário.

A bem da verdade o PT não só foi contra a LRF como também sempre foi contra o regime de metas. Aliás não apenas o PT, mas um amplíssimo contingente de nacional-desenvolvimentistas dentro e fora do governo, na situação ou na oposição. 
Para esses cavalheiros Lei de Responsabilidade Fiscal e metas de inflação são antes de tudo formas de atrapalhar o desenvolvimento brasileiro urdidas pelos agentes do neoliberalismo. O importante é crescer e para crescer só o Estado é confiável. É uma simples operação de gastar. Gastar tributos e se não for suficiente, formar dívida pública e gastar ainda e novamente. 
Para quem quer gastar a LRF é um estorvo e gastando sempre se acaba em algum momento gerando inflação. Controlar inflação é outro estorvo. Superavit primário para reduzir o impacto da dívida retira recursos que podem tirar pessoas da miséria etc. A qualidade do gastos, os bilhões que vão pelo ralo da corrupção, as diversas questões estruturais, a insuficiência institucional, não são relevantes.

Agora com a economia começando a patinar e a inflação batendo no teto da meta a culpa não é da relativização. A culpa é do países avançados que não sabem resolver seus problemas. Às vésperas de talvez acusarmos uma recessão técnica vai tudo bem. Vamos continuar em frente. Afinal Mantega e os nacional-desenvolvimentistas já esqueceram as promessas para 2011. Agora o que importa são as promessas para 2012: Inflação baixa, PIB em alta e muitos empregos. O paraíso esta logo ali na esquina, mas por via das dúvidas certamente vão liberar mais alguns bilhõezinhos para garantir as eleições.

quarta-feira, 21 de dezembro de 2011

PATRIMONIALISMO E PODER: ALGUM DIA VAI ACABAR?

Idelí Salvati visita Sarney e nega que tenha tratado com o patriarca sobre nomeações na Agência Nacional de Petróleo. Seria em retribuição ao gentil ato de aprovação da DRU no Senado Federal. Nesta altura livrar a cara do amigo da Rainha, Pimentel, e aprovar a primeira "flexibilização" da Lei de Responsabilidade Fiscal teve ter sido um bônus extra dado de natal pelo nobre senador.

A relação de Sarney com o executivo central deixa transparente a razão pela qual Dilma jamais poderá verdadeiramente eliminar o patrimonialismo: Garantia de uma votação dócil. As práticas patrimonialistas são essenciais como forma de recompensa aos aliados, que só são aliados por serem muito bem recompensados seja em forma de empregos, seja em forma de transferência de recursos, seja em forma de oportunidades de negócio. 

Boas notícias para o circuito da corrupção: Os escândalos continuarão em 2012, 2013 etc.

Demetrio Carneiro


POLUIÇÃO E NACIONALIDADE: OS LIMITES DA LUTA AMBIENTAL

No ramo de transporte os combustíveis mais poluentes são os utilizados em aviões e navios. Se já é difícil tentar resolver essas questões no transporte rodoviário, no transporte marítimo e aéreo é uma missão bem mais complexa.

A Comunidade Européia resolveu taxar as empresas aéreas que tenham como destino ou origem países da comunidade européia. A partir de 1º de janeiro de 2012 as empresas aéreas pagarão uma taxa pela poluição que causem no continente. Alguma coisa entre R$2,50 e R$30,00 por passageiro.

Pelo menos 50 % das receitas geradas com as vendas em leilão das licenças de emissão devem ser utilizadas para os seguintes fins:
redução dos gases com efeito de estufa;
desenvolvimento de energias renováveis, bem como de outras tecnologias que contribuam para a transição para uma economia com baixo teor de carbono;
medidas que evitem a desflorestação e aumentem a florestação e a reflorestação;
sequestro florestal de carbono;
captura e armazenamento geológico;
adopção de meios de transporte com baixos níveis de emissões e de transportes públicos;
investigação em matéria de eficiência energética e de tecnologias limpas;
melhoria da eficiência energética e do isolamento;
cobertura das despesas administrativas de gestão do regime europeu.

O "Regime de comércio de licença de emissão de gases com efeito estufa", criado em 2003, impõe uma taxação às empresas aéreas e foi adotado com a finalidade de punir economicamente segmentos que geram a emissão de gases capazes de aumentar o aquecimento global. Já estavam incluídos no regime os setores de energia, produção e transformação de metais ferrosos, industria mineral e fábricas de papel e papelão em solo europeu.

As licenças serão vendidas em leilões e sua quantidade diminuirá de ano para ano, o que certamente é um forte incentivo para que as grandes fabricantes mundiais de aviões passem a se interessar seriamente nas pesquisas sobre combustíveis alternativos para aviação e tecnologia de motores.

Obviamente não há como agradar todos ao mesmo tempo. Americanos recorreram ao Tribunal de Justiça da União Européia contra a medida, perderam e ameaçam retaliação. Pelo visto Obama não é mais o mesmo Obama de 2008. Mas Obama não está sozinho. Brasil e China também se manifestaram contra o regime de licenças.

Questões nacionais podem ser fortes limitadoras na questão ambiental e os interesses do movimento social de defesa ambiental podem ser diametralmente opostos a outros interesses dentro e fora do governo dos países.

É o que vem acontecendo agora nos EUA com relação a uma extensão do oleoduto do Sistema Keystone que tráz do Canadá para diversos pontos nos EUA um tipo de óleo betuminoso considerado altamente poluente. A extensão, chamada de Keystone XL está prevista para atravessar um dos maiores aquíferos do mundo, em território americano e um zona de alagados. Há intensa movimentação política do Partido Republicano que pressiona Obama para aprovar a extensão ainda nos próximos meses. Há também grande mobilização dos setores ambientalistas. 
A nossa questão do pré-sal parece travada nos debates ambientais dando-se ao governo um tipo de carta branca para concentrar todas as energias na extração do petróleo. Ao mesmo tempo que se discute no Brasil novos paradigmas, processos de baixo carbono nenhum tipo de questionamento é feito quanto ao quase abandono dos projetos de pesquisa de fontes alternativas de combustível. Há uma enorme mobilização sobre a Lei das Florestas que parece ter exaurido o movimento social, pois mesmo a questão dos investimento massivos em carros flex e a inexistência de álcool combustível em quantidades adequadas ao consumo é posta em debate.

Como é mais frequente: Quem tem que resolver os problemas ambientais sempre é o vizinho.

Demetrio Carneiro

terça-feira, 20 de dezembro de 2011

SUPER-MARIO NO BANCO CENTRAL EUROPEU

Quando a crise se anunciou keynesianos de todos os matizes foram unânimes em afirmar que era a consagração das práticas keynesianas e o fim do neoliberalismo. Enfim o negócio era gastar. Agora o própria crise deixa exposta a falha e apresenta toda sua complexidade multidimensional, que descarta soluções simples e atalhos para ganhar tempo e votos.

O uso da dívida pública como instrumento e atalho  para a realização de um bem estar que não poderia ser obtido pela renda - no fim do dia uma estratégia de sobrevivência, leia-se reeleição, dos agentes políticos, num ambiente onde a competividade internacional da economia local não era uma preocupação, gerou o atual cenário de desequilíbrio.

Agora, para alguns países, será preciso fazer o dever de casa e os atalhos mostram abertamente sua ineficiência e as questões institucionais sua relevância. Evidentemente para os oportunistas atrás de resultados imediatos, transformáveis em voto & poder, soluções institucionais são muito demoradas.  

Talvez devesse servir como lição para nós brasileiros, quanto a "atalhos, competividade e soluções institucionais", mas não é muito provável. Pelo menos enquanto houver uma grande oferta de investimentos externos e pudermos gozar das vantagens de estarmos atrelados à locomotiva chinesa. Para os nossos agentes políticos encastelados na coalizão dominante parece que se trata de viver um dia depois do outro.

Demetrio Carneiro

Mario Draghi, o italiano germânico

Por Cristiano Romero, Valor Econômico

Experiência no setor público fez de Draghi  um negociador hábil, um pragmático com talento para lidar com políticos: "Para os italianos, a inflação é um meio de vida, como molho de tomate com espaguete." Foi dessa maneira, com deboche e sátira, que o tabloide alemão "Bild" saudou, em fevereiro, a possível escolha do italiano Mario Draghi para a presidência do poderoso Banco Central Europeu (BCE). "Mamma Mia!", exclamou o tabloide.

O que poderia parecer apenas uma zombaria refletia, na verdade, um sentimento disseminado na Alemanha, um forte preconceito em relação ao italiano Draghi, que, meses depois, se tornou presidente do BCE quase por acaso. O mais cotado para substituir o francês Jean-Claude Trichet era justamente um alemão - Axel Weber, presidente do Bundesbank (o banco central da Alemanha), que renunciou ao cargo em fevereiro e, assim, à disputa pelo comando do BCE.

Italiano de Roma, Draghi, 64 anos, chegou no início do mês passado a Frankfurt, onde fica a sede do BCE, sob forte desconfiança e em meio à crise financeira internacional, considerada a mais grave da história desde 1929. Pior: diante da ameaça de quebra de bancos e países, de desintegração da União Europeia (UE) e do fim do euro, moeda com apenas dez anos de circulação.

Marcados por um passado de hiperinflação, os alemães são, talvez, um dos povos mais apegados à estabilidade de preços. Qualquer ameaça a isso os tira do sério. Como principais patronos do pacto de 27 países que integram a UE, os alemães estão preocupados com o futuro do continente europeu. Ainda assim, ficaram ressabiados com o ativismo do BCE na gestão Trichet.

Draghi foi defensor ferrenho das privatizações italianas e é um apóstolo da austeridade fiscal como condição do crescimento

O BCE, ao contrário, por exemplo, do Federal Reserve (Fed), o banco central dos Estados Unidos, tem apenas um mandato: "Manter o poder de compra do euro e, assim, a estabilidade de preços na área do euro". Mesmo pressionados pelo risco de desintegração da UE, os alemães defendem que, para sair da crise, os países-membros afetados pela desconfiança dos mercados (Grécia, Portugal, Espanha, Itália e mesmo a França) promovam reformas estruturais para fortalecer a situação fiscal, aumentar a competitividade de suas economias e elevar as taxas de crescimento. Exatamente como eles, alemães, fizeram nos últimos anos, pressionados pela emergência da China como potência industrial.

Menos de duas semanas depois da posse de Draghi, o presidente do Bundesbank, Jens Weidmann, deu declarações que, no mercado, foram entendidas como um recado claro ao novo intendente do BCE. Sem meias-palavras, Weidmann disse que o apoio do banco central a governos seria ilegal e que o banco não poderia agir como emprestador de última instância de países. Fazer isso, observou a autoridade alemã, seria uma transgressão aos tratados da UE.

Weidmann também pontificou, em entrevista ao jornal "Financial Times", que dar dinheiro barato para governos europeus os desencorajaria a fazer reformas. "Draghi tem hoje apoio total do sul da Europa, mas falta o norte (leia-se: a Alemanha)", diz o economista Mário Mesquita, ex-diretor do Banco Central brasileiro e profundo conhecedor das principais instituições monetárias.

Francesco Giavazzi, economista mais próximo de Draghi e seu ex-colega de Tesouro: "Até agora, sua gestão é boa. Flexível nas decisões macroeconômicas, duro na cláusula de não fazer socorros (de países).

A ideia de que um italiano à frente do BCE poderia ser a receita para o desastre se baseia nas dificuldades econômicas atuais e passadas da Itália. Enquanto a Alemanha superou o drama da inflação no pós-guerra, a Itália registrou índices elevados (de quase 20% ao ano) até o fim dos anos 80 do século passado. No quesito dívida pública como proporção do produto interno bruto (PIB), é vice-campeã europeia. Perde apenas para a Grécia (142,8% do PIB).

Em 2010, a dívida italiana chegou a 119% do PIB, face a uma média de 100% das economias avançadas, 79,3% do mundo e 39,3% dos países emergentes e em desenvolvimento. O histórico de convivência da Itália com dívida elevada é antigo, mas foi justamente Draghi quem, nos anos 90 do século passado, trabalhou intensamente para tornar a situação fiscal do país solvente e, acima de tudo, crível.

Draghi foi o primeiro italiano a se doutorar pelo Massachusetts Institute of Technology (MIT), uma das mais renomadas escolas de economia do planeta. Orientado por dois Prêmios Nobel - seu compatriota Franco Modigliani e Robert Solow -, Draghi concluiu sua tese, sobre teoria econômica, em 1976. Na mesma escola, também receberam o título de PhD, quase na mesma época, alguns de seus atuais colegas de comunidade financeira internacional - Ben Bernanke, presidente do Fed, e Olivier Blanchard, economista-chefe do Fundo Monetário Internacional (FMI).

Depois de Draghi, passaram pelo MIT Paul Krugman, Prêmio Nobel de economia em 2008 e hoje colunista do "The New York Times", dois formuladores do Plano Real - Pérsio Arida e André Lara Resende - e a economista Eliana Cardoso. Arida e Lara Resende não conviveram com Draghi, mas se lembram dele porque o MIT admite a cada ano grupos reduzidos de estudantes (no máximo, 20). Eliana o conhece um pouco melhor porque ele se aproximou de seu ex-marido, o professor Rudiger Dornbush, que foi também, no MIT, mentor intelectual de Arida.

"A resposta para uma crise deve ser nacional: ação fiscal crível e reformas estruturais que relancem o crescimento", disse Draghi ao 'FT'

"Ele sempre foi diplomata, um estilo tipo Pedro Malan [ministro da Fazenda do Brasil entre 1995 e 2002]. Era muito elegante, em contraste com a maioria dos estudantes, que se vestiam muito à vontade", conta Eliana, ex-funcionária do Banco Mundial e ex-secretária de Assuntos Internacionais do Ministério da Fazenda, hoje colunista do Valor. "Ele é dessas pessoas que não têm inimigo. É diplomata no bom sentido e bem conservador."

Ao contrário da maioria dos que passam pela prestigiosa universidade americana, Draghi não se dedicou à carreira acadêmica, embora tenha produzido, em coautoria, trabalhos relevantes para a literatura econômica - em 1990, organizou, com Dornbush, o livro "Public Debt Management: Theory and History" (Gerenciamento de Dívida Pública: História e Teoria). O tema é uma de suas especialidades.

No início dos anos 90, depois de atuar por seis anos como diretor-executivo da Itália no Banco Mundial, Draghi assumiu a chefia do Tesouro italiano. Ele chegou lá quando o país estava atolado em dívidas e os europeus negociavam o Tratado de Maastricht, a base econômica e política que transformou a então Comunidade Europeia em União Europeia. Em 1992, a situação era tão grave que, para rolar sua dívida, o governo italiano precisava emitir US$ 60 bilhões em títulos todo mês.

Como diretor-geral do Tesouro, Draghi poderia ter levado a Itália ao FMI, mas não o fez. Na ocasião, não havia um mecanismo de socorro na UE. O jeito foi enfrentar o problema sem ajuda externa. Nos dez anos que ficou à frente do Tesouro, Draghi cortou gastos públicos, desvalorizou a lira (a então moeda italiana) e promoveu o mais agressivo programa de privatizações da Europa, arrecadando o equivalente a 10% do PIB (em moeda corrente, seria algo como US$ 200 bilhões).

Em 1995, a diferença (o chamado "spread") entre o custo de financiamento da Itália e o da Alemanha chegou a 600 pontos-base (ou seis pontos percentuais). Para convencer os investidores de que os italianos eram capazes de honrar sua dívida, Draghi elevou o superávit primário (que não considera a despesa com juros da dívida), entre 1996 e 1999, para algo entre 5% e 6% do PIB por ano. A estratégia deu certo e o fez tirar uma lição da turbulência do período.

"A resposta primária para uma crise deve ser uma resposta nacional: uma ação fiscal crível e reformas estruturais que relancem o crescimento", disse ele, em entrevista ao "Financial Times", um ano antes de se tornar presidente do BCE. Draghi tirou da experiência italiana outra convicção: a importância de uma abordagem, em qualquer situação, baseada em regras claras e firmes.

"Observe dois países diferentes. Você tem o Japão, com uma extraordinária relação dívida-PIB [220% em 2010] e absolutamente sem tensões e problemas financeiros, tanto quanto sabemos. E nós tivemos países como a Argentina, que deram calote quando a dívida estava, eu acho, em menos de 50% do PIB [53,7% do PIB]. O que isso me diz é que, além da força da economia real, instituições contam", comparou Draghi.

Draghi acredita na economia de mercado, é avesso a heterodoxias e é muito apegado à estabilidade de regras

A austeridade com que Draghi conduziu as finanças da Itália por uma década rendeu-lhe mais do que um apelido - Super Mario, o herói do popular videogame japonês. Desde então, o economista passou a ter boa reputação na comunidade financeira internacional. Em 2002, foi contratado pelo banco de investimento americano Goldman Sachs para o cargo de diretor-gerente da área internacional e vice-presidente.

Durante os três anos seguintes, Draghi exerceu o único cargo privado de sua longa carreira. Foi uma passagem discreta, mas que acabou lhe causando dor de cabeça anos mais tarde, quando já tinha sido escolhido para suceder Jean-Claude Trichet no BCE. Ao eclodir a crise da Grécia, foi revelado o suposto envolvimento do Goldman Sachs nas operações para maquiar os níveis de endividamento do país.

Simon Johnson, professor do MIT e ex-economista-chefe do FMI, questionou o papel do banco americano e, segundo o "Financial Times", se mostrou cético quanto à insistência de Draghi em dizer que não teria participado da operação, que teria começado um ano antes de ele assumir o cargo, mas permanecera nos balanços do Goldman depois que ele passou a trabalhar lá. A imprensa alemã explorou o caso.

"Draghi tem hoje apoio total do sul da Europa, mas falta o norte (leia-se: a Alemanha)", diz o ex-diretor do Banco Central Mário Mesquita.

O episódio foi superado rapidamente por Draghi, que ganhou a disputa pela presidência do BCE e assumiu o posto no início de novembro. Depois de deixar o Goldman, convidado pelo então primeiro-ministro da Itália Romano Prodi para ser ministro da Fazenda, ele voltou a ter cargo importante no governo italiano. Por obra do acaso - um escândalo envolvendo conflito de interesses derrubou Antonio Fazio -, acabou assumindo a presidência do Banco da Itália, o banco central local, cargo que o catapultou à condição de presidente do Banco Central Europeu cinco anos depois.

Tanta experiência no setor público fez de Draghi um negociador hábil, um construtor de consensos, um pragmático com talento para lidar com políticos. Nascido numa família de classe média, perdeu seus pais ainda na adolescência - o pai foi funcionário do Banco da Itália e a mãe era química. Estudou em escola jesuíta e teve como tutor, na universidade La Sapienza, em Roma, Frederico Caffè, um famoso economista keynesiano.

É bastante provável que, na temporada americana, Draghi tenha se tornado mais ortodoxo. Defensor ferrenho e executor das privatizações italianas, além de apóstolo da austeridade fiscal como condição basilar do crescimento da economia, no Brasil seria tachado facilmente de "neoliberal". Draghi, de fato, acredita na economia de mercado, não considera o mercado financeiro necessariamente hostil, é avesso a experimentos heterodoxos e é muito apegado à estabilidade de regras.

"Por ter uma formação mais americana, mais próxima da que teve o Ben Bernanke, ele deve dar um peso maior, no BCE, à análise econômica tradicional. Deve trazer o banco para práticas mais próximas do Fed", prevê Mário Mesquita.

Há apenas 45 dias no cargo, Draghi reduziu a taxa básica de juros duas vezes, trazendo-a de 1,5% para 1% ao ano. Esta, porém, não foi sua decisão mais importante. Antes mesmo de assumir o posto, havia uma forte pressão do mercado para o BCE acelerar a compra de títulos emitidos pelos governos europeus para dar liquidez ao mercado. Ele tem atuado no mercado, mas de forma bastante limitada. Tem sempre em mente a vigilância alemã, mas, mais do que isso, suas convicções: o banco central não deve financiar Estados nacionais.

Na semana passada, os líderes europeus fecharam acordo para fornecer € 200 bilhões ao FMI. O objetivo foi fortalecer o caixa do Fundo, para que ele tenha condições de socorrer países da zona do euro em caso de debacle. O acordo gerou a expectativa de que o BCE entraria pesadamente no mercado, e de forma irrestrita, comprando papéis de economias da UE altamente endividadas, como a Itália. Sem perder tempo, Draghi tratou de desfazer essa ideia.

"O encontro confirmou que a solução para a crise é de responsabilidade dos governos. O financiamento de dívida pública via emissão de dinheiro pelo banco central é e continua banida dos tratados", fez coro Jens Weidmann, o indefectível presidente do Bundesbank.

"O Draghi tem explicado corretamente o risco moral envolvido nas compras de títulos de governo. O Silvio Berlusconi [ex-primeiro-ministro da Itália] caiu na farra e parou de falar em austeridade quando viu o BCE entrando em mercado em agosto último. Isso lhe custou o cargo, como sabemos", observa o economista José Júlio Senna, economista e sócio da MCM Consultores, que lançou no ano passado livro sobre a história da política monetária.

Em compensação, preocupado com o problema de liquidez de bancos europeus, que estão sob forte escrutínio por deter títulos soberanos da região, Draghi anunciou um programa de alívio, de três anos de duração. A medida foi bem recebida pelo mercado.

Deputados da Liga Norte (aliados do ex-primeiro-ministro Silvio Berlusconi) protestam no Parlamento italiano contra o plano de austeridade apresentado pelo primeiro-ministro Mario Monti.

"A expansão do apoio financeiro dado aos bancos é uma maneira indireta de apoiar os mercados de bônus da zona do euro e evitar o pior da alavancagem. Foi uma forma inteligente de fazer QE [sigla em inglês de afrouxamento quantitativo de moeda] pelo lado do passivo do sistema bancário: possibilita aos bancos se financiar a 1% ao ano e comprar dívida da Itália de dois anos, por exemplo, a 5,8%", elogia o economista Tony Volpon, da Nomura Securities em Nova York. "Dentro das restrições institucionais do BCE, que não são pequenas, ele está fazendo o possível."

"Ao estabelecer um LTRO (sigla em inglês de operações de refinanciamento de longo prazo) de três anos, ele também se mostra ciente do problema de liquidez dos bancos e sinaliza para o mercado que não deixará nenhum banco quebrar", diz o operador de um grande fundo de hedge americano que pediu para não ser identificado. "Até agora ele tem se mostrado um operador extremamente hábil, rápido e de competência ímpar. Seu discurso é direto e transparente, essencial também em um momento durante o qual o mercado busca direção e liderança. Resta saber se os políticos europeus farão a sua parte para que, então, o mercado o consagre como o banqueiro central da década."

O mercado, evidentemente, quer muito mais do que já foi dado. John Paulson, presidente da Paulson & Co., uma gestora de recursos, estima que serão necessários € 590 bilhões em 2012 apenas para financiar dois países: Espanha e Itália. Ele defende que o BCE adote um programa de garantia das dívidas soberanas como uma solução para a crise de dívida europeia.

Os mercados seguem punindo as nações mais endividadas. Os spreads dos títulos de países centrais da Europa, como Itália e França, sem falar da Espanha, estão aumentando e se distanciando dos da Alemanha. Isso mostra que é crescente a preocupação dos investidores com a capacidade de pagamento desses países (ver gráfico na página ao lado).

Apesar das pressões, Draghi resiste. Ele não acredita em solução rápida para a crise. Crê que esta é uma crise de longa duração, cuja solução será construída aos poucos, a partir do esforço de cada país envolvido. O Draghi, italiano de quem os alemães tanto desconfiam, vai se mostrando cada vez mais germânico.

"Até agora, sua gestão é boa. Flexível nas decisões macroeconômicas, duro na cláusula de não fazer socorros [de países]", disse ao Valor Francesco Giavazzi, economista mais próximo de Draghi, seu ex-colega de Tesouro. "É exatamente assim que o BCE deve se comportar."

"No fundo, o Draghi é meio alemão, em matéria de linha de pensamento. Acredito que ele resistirá às pressões, a meu ver, corretamente. Nada garante que compras irrestritas pelo BCE de papéis soberanos resolveriam a crise", diz José Júlio Senna.