A representação não é o problema da democracia, ela é a solução, com a condição
de incluir verdadeiramente os representados no processo.
Michael Saward
Cheguei nesse livro do
qual falaremos mais à frente buscando referências para o debate sobre a questão
intergeracional posta pelo pensamento político ecológico que coloca como
questão fundamental a equidade entre gerações e não apenas intra-gerações.
Equidade entre gerações implica em um tipo especial de representação voltada
para o futuro, representar os que sequer nasceram ou são novos demais para
constituir seus representantes. É claro que esse tipo de representação envolve
todo um conjunto de questões. Mas, enfim, buscando esse debate cheguei ao livro
de Saward. Sobre essa questão da representação entre gerações falarei outra
hora.
Não me pareceu mais justo,
pelo momento que vivemos e pela forte presença do tema “representação” e sua relação com a questão da democracia nos debates atuais, deixar de apresentar
o livro. Principalmente tendo em mãos a excelente resenha feita por M. Louis.
Somos uma jovem
democracia. Somos uma jovem democracia representativa. Passamos em pouco tempo
por fortes crises, soubemos vencê-las e permanecemos uma democracia
representativa. Nesse momento vivemos uma nova crise gerada pelo comportamento
autoritário e arrogante, tendente a hegemônico, do PT. Com um projeto de poder
fundado numa aliança profunda com o neopatrimonialismo revivemos de alguma
forma parte de nossa história pré-democrática da República Velha(1). Apesar das
rusgas, embates fratricidas, erros estratégicos, a base de poder ainda é tão
ampla que o projeto de poder petista permanece e ainda se revigora na total
desconexão entre a imagem paterna da
presidência, quase que uma reminiscência cultural do império sabiamente
manejada por Getúlio e ressuscitada por Lula, e a prática das políticas
públicas. Que o digam os altos índices acumulados por Dilma.
Do lado da oposição,
acuada em sua pouca significância como voto legislativo, desemponderada enquanto gestão e obrigada ao beija-mão do Poder
Central e, portanto, sem saber bem se está aqui ou ali, sem projetos próprios
pró-ativos e estruturantes, incapaz de lidar com a herança das dezenas de
milhões de votos recebidos em 2010, o questionamento da representação, no
sentido da democracia representativa é permanente.
A todo o momento surgem
novas “promessas” tipo Democracia Direta ou Democracia de Redes, revitalização
do movimento social, propostas com base no accountability. Promessas algumas
substitutivas outras complementares. Mas basicamente a democracia
representativa sofre forte desgaste. Os casos são quase diários, com corrupção
explícita, dentro do legislativo ou dentro do executivo. Com o executivo menos
exposto e menos pictórico, folclórico, é o legislativo quem paga a conta. Não
são raras as propostas de voto nulo ou de simples eliminação das câmaras e
assembleias.
No que se refira ao viés
negativo o debate sobre a democracia representativa é muito semelhante ao
debate sobre o capitalismo. Ninguém gosta, ninguém quer, todo mundo critica,
mas ninguém tem qualquer outra opção viável.
É nesse sentido que uma
discussão aprofundada sobre “representação”, especialmente com relação ao seu
processo de construção, sua legitimidade e novos formatos de representação
passa a ser interessante e viabiliza que saiamos do terreno das constatações
empíricas para algo mais prático no sentido da construção de projetos.
O texto abaixo, em tradução livre, publicado
originalmente no La Vie des Idées, abre
caminho para quem se interessar por esse debate, por meio de uma boa, e muito
bem referenciada, resenha de MariekeLouis do livro de MichaelSaward “The Representative Claim”(2).
Demetrio Carneiro
(1) A “novidade” dessa
aliança é a inclusão dos sindicatos e dos movimentos sociais
estatal-dependentes ou auto-sustentáveis como os movimentos religiosos de
diversos matizes. Particularmente os sindicatos cujos líderes se transformam em
agentes políticos num formato transpartidário, um movimento bem semelhante ao
feito pelas religiões. A oposição ainda não foi capaz de avaliar o peso da
inclusão dessas forças na coalizão vencedora e nem sabe como lidar com isso em
termos de coalizão desafiante.
por Marieke Louis
A representatividade dos
partidos políticos, dos sindicatos, das instituições internacionais é uma
questão recorrente das democracias contemporâneas, notadamente caracterizadas
por uma exigência de transparência ampliada pela cidadania com relação a seus
representantes e a esfera pública em geral. Os critérios “objetivos” (fontes de
financiamento, números de adesões ou militantes, montante das cotizações, etc.)
podem atestar a legitimidade de tal ator ou tal organização se exprimindo em
nome da coletividade. No caso dos sindicatos a lei de 20 de agosto de 2008
terminou, em nome da “renovação da democracia social” com a pressuposição
irrefutável da representatividade outorgada às cinco confederações
sindicais(1), princ´pipio que lhes assegurava, entre outras coisas,
participação sistemática nas mesas de negociação coletiva. E se esta evolução
aparentemente se fundou sobre uma concepção errônea da própria natureza da representação
e por consequência da representatividade?
Segundo Michael Saward,
professor de ciência política da Open University (Reino Unido), a essência da
representação reside na pretensão de um ator ou de um grupo em representar
outras pessoas, sem que elas necessariamente tenham algo a dizer. Todo ato de
representação tem por fundamento uma pressuposição
de representatividade. , baseada numa
correspondência pretendida de interesses, transformando-se pouco à pouco em uma
verdadeira pretensão de representação
no espaço público. A tese que o autor defende na obra intitulada The Representative Clain coloca em causa
a ideia de que a representatividade de um ator possa se “provar”, ou seja se mensurar a algum dos critérios “objetivos” de
natureza processual ou numérica. Nessa obra ele aborda a representação não como
uma instituição, um fato dado, mas como um discurso performático, o que leva a
propor o conceito de “clain” que
traduziremos aqui por “pretensão”.
A representação, que a maioria dos autores tende a tomar
como ponto de partida de sua análise, é o produto de um processo complexo
construído por declarações, iniciativas de mobilização dos cidadãos e, por fim,
da validação ou não por esses últimos. As fronteiras da representação, vistas
as coisas assim, parecem se estender ao infinito: Do cantor Bono, afirmando
falar em nome dos povos oprimidos da África(2) ao eleito de uma municipalidade
falando em nome de seus eleitores, o autor revisita o conceito de representação
a partir das suas “pretensões representativas” deixando aberta a questão de sua
legitimdade democrática. Ele se debruça sobre as problemáticas clássicas
associadas à representação: as mulheres, os partidos políticos e,
primeiramente, das novas formas, aquelas do ambientalismo, da representação das
gerações futuras e, last but not least,
aquelas além do Estado-Nação.
Se de um lado
o autor se inscreve resolutamente num ativismo teórico, com a ambição de propor
um ponto de partida para a análise geral do conceito de representação, de outro
ele recusa uma abordagem normativa desse último, pois entende que tende a
reproduzir, vista a legitimidade, a ordem estabelecida. Se interessar
unicamente pelo representantes, as pessoas, já “instaladas” em sua função representativa
tem, segundo ele, o efeito de excluir todos aqueles que não puderam aceder a
essa função, mas que entretanto pretendem representar um grupo de pessoas ou uma tendência
política, artística ou outra em particular. Partir desses atores e suas
pretenções permite integrar na análise categorias que são seguidamente
excluídas. Se aproxima aqui de Marion Yong que, em Inclusion and Democracy(3), procura igualmente se colocar do ponto
de vista dos excluídos, dos margiais, daqueles que não são representados. “A-normatif”, é uma obra não menos resolutiva
politicamente. Ela se inscreve no debate contemporâneo sobre a crise da
democracia representativa e visa, in
fine, a revalorizar a representação enquanto uma necessidade democrática,
uma tese que está longe de ser consensual num debate essencialmente
dominado para busca de alternativas à
representação(4).
A
REPRESENTAÇÃO COMO PRETENSÃO
O postulado subentendido na análise de Michael Saward é o seguinte: todo ato de
representação repousa sobre uma pretensão entendida como a afirmação frente à
reivindicação de um direito legítimo de representar outras pessoas e então
falar e agir em seu nome. A essência da representação é então fundamentalmente
de ordem discursiva. Portanto para compreender a representação precisamos
apreendê-la como um processo e não como um fato que se impõe a nós. Esse
processo é dinâmico, relacional e, sobretudo, intencional. Ele emana de um
ator. Eleito ou não, se exprimindo em nome de outros atores, com ou sem seu
consentimento e isso dentro de um espaço geográfico e temporal sem limites
estabelecidos à priori. A questão de
essa pretensão é legítima ou não pode ser posta antes que a essência e o funcionamento
dessa pretensão hajam sido divulgados.
Essa
tese se apoia numa leitura profunda das
principais obras cujo objeto Saward percebe uma aproximação excessivamente
normativa e focalizada nas instituições governamentais por meio de uma atenção
quase-exclusiva posta sobre as eleições no contexto estado-nacional.
A
argumentação começa pela discussão das teses de Hanna Pitkin na sua obra
pioneira lançada em 1967 intitulada The
Concept of Representation(5). Se ele reconhece a grande contribuição de Piktin
que afirma que a representação é um fenômeno construído, um “quebra-cabeças” a
se reconstituir, a distinção que ela propõe entre representação formal,
simbólica e substancial congela, segundo o autor, a representação (e o debate
sobre ela) em categorias que são na prática não somente interrelacionadas, mas
sobretudo complementares. Em outro sentido ele critica Pitkin por se concentrar
essencialmente sobre a figura do representante
em detrimento do representado. Ou, segundo Michael Saward, a capacidade de
representar repousa sobre o tipo de acessibilidade e mesmo conhecimento dos interesses
de representar(em). As teses de Jane Mansbridge, Andrew Rehfeld, Iris Marion
Young e Nadia Urbinati, ocupam igualmente um lugar importante na análise. O
autor se apoia com muita ênfase no conceito de “representante substituto”(subrogate representative)(6) de Jane
Nansbridge para recusar a idéia de que a eleição condiciona a existência de uma
relação de representação, assom como os de “audiência”
e de “circunscrição”(constituency)
desenvolvidos por Andrew Rehfeld(7) que, segudo ele, são cruciais para valorar
o caráter relacional da representação enquanto processo de “clain making” e “claim
receiving”. Ele se reconhece na visão dada por Young(8) da representação
como um processo relacional evoluindo no tempo e necessitado de inclusão de
pessoas susceptíveis de portar novas “perspectivas”
ao debate democrático, perspectivas geradas pelas experiências particulares
partilhadas sobretudo de interesses fixos e distintos. Finalmente o interesse
assumido por Nadia Urbinati(9) com referência à relação entre representantes e
cidadãos e ao caráter deliberativo da representação para além da eleição
constitui igualmente outra fonte de inspiração do autor. Essas análises partilham, entretanto e
segundo ele o mesmo defeito: aquele de se concentrarem sobre as formas de
representação e sobre os representantes e de induzir que certos representantes
seriam mais legítimos que outros. Assim a “boa”
questão a ser posta ao se pensar a representação não seria tanto “o que é a representação”, nem “como representar bem”, mas “do que é feita a representação e como ela
funciona?” (What’s going on in
representation?). Michael Saward coloca assim o ator e o contexto dentro do
qual ele se inscreve no centro da análise.
UMA
LEITURA “PENTAGONAL” DA REPRESENTAÇÃO
Se
o autor critica o recurso sistemático as classificações e as tipologias
correntes nas análises da representação, ele não propõe menos: sob uma fórmula
quase-matemática, um modelo de análise desse “representative claim” e
isso da forma seguinte: “A maker of representation(‘M’)
puts forward a subject(‘S’) which stands for na object(‘O’) that is related to
a referent(‘R’) and is offered to na audience(‘A’). O recurso a esses cinco
elementos que são o autor, o sujeito, o objeto, o referente e a audiência, leva
o autor a uma cartografia da representação feita de seguinte forma:
Pretensão a representar
|
Os interesses
|
De uma pessoa
|
Pretensão a encarnar
|
As necessidades
|
De um grupo
|
Pretensão a defender
|
As preferências
|
De um país ou de uma região
|
Pretensão a simbolizar
|
O caráter autentico
|
De uma natureza não-humana
|
Cada linha da primeira
coluna pode ser relacionada com nõ importa qual linha da segunda e da terceira
colunas(10). A vantagem de tal conceitualização do problema é religar
categorias anteriormente separadas. Esse esquema sintetiza a concepção do autor
faz da representação, a saber: um processo variável (formal e informal,
eleitoral ou não, nacional e transnacional), contingente, dinâmico e parcial.
Ele questiona voluntariamente as fronteiras da representação substantiva,
descritiva ou ainda simbólica, tão cara a Hanna Pitkin. Nessa perspectiva o
autor dessas pretensões, o representante potencial, não saberia se analisar sem
referência a audiência e/ou a eleitor (“constituency”)
ao qual ele se dirige, esses podem ser reais (“actual”) ou visados (“intended”).
A representação aparece assim como um processo co-constitutivo onde o
representante escolhe os representados da mesma forma que é escolhido por eles.
A diferença entre audiência e eleitorado reside na intenção do autor da pretensão
cujo desejo é transformar a audiência em eleitorado real ou visado.
O autor vai mais longe
na análise dessa relação co-constitutiva, anteriormente posta em evidência por
Bourdieu(11) e reprisada por Young, entre o representante e o representado, ao
atribuir a pretensão de representação, no discurso, um caráter performático. Não
somente o representante (ou o autor da pretensão) designa sua audiência, mas
ele contribui para criá-la, a lhe dar consciência de si mesma. “the intended
audience of a representative claim may or may not be conscious of it self as an
audience prior to the making clains” (p.45). De
onde a necessidade de se debruçar sobre as estratégias dos atores na construção
da audiência, a partir de diferentes “regimes
de representação”, esses repertórios do
“representável” e do “não representável”, disponíveis e acessíveis
em um lugar e um momento dados (p.122). Michael Saward pertence a uma corrente
sociológica da ciência política que apreende as instituições como construções
sociais, como produto de uma certa “engenharia
política” que o autor exprime da maneira que se segue: “ [..] in order to be representative clains, these clains need to be
made, acted out, and packaged” (p. 67). Finalmente, o autor da pretensão
não encarna a figura do empreendedor político?
APLICAÇÃO AOS DEBATES
CONTEMPORÂNEOS: O AMBIENTALISMO, AS MULHERES, OS PARTIDOS POLÍTICOS
Segundo Michael Saward,
a corrente da ecologia política contribuiu largamente, senão reabilitou,ao
reatualizar ao menos o aspecto simbólico da representação através de construção
desse objeto que é a natureza ou o meio ambiente. O exemplo verde constitui uma
ilustração entre outras da importância do conceito de audiência. Uma das
grandes etapas da ecologia política reside com efeito no reconhecimento das
necessidades das “gerações futuras”, uma
audiência que não vota, visto que não existe ainda, mas para as quais certos empreendedores
políticos contribuem construindo seus interesses, malgrado a inexistência de
relações eletivas. O recurso a noção de “desenvolvimento
sustentável” sobre a qual se apoiam as pretensões representativas do
movimento ecologista mostra bem a importância do “condicionamento conceitual” ou “packaging”
mencionado antes, para que as pretensões sejam “eficientes” e alcancem a audiência visada.
Apoiando-se sobre essa
ideia de que os interesses a representar são construídos e evoluem no tempo, Michael Saward aborda
o problema da (sub) representação das mulheres nas
instituições políticas e, portanto, contra o falso
pressuposto induzido pela ideia de "representação substantiva" das mulheres,
nomeadamente a existência de interesses específicos de cada
sexo. A
pluralidade e a variabilidade espacial e temporal dos interesses das mulheres
constituem segundo ele um ponto de partida, não um ponto de chegada. Para
Michael Saward, muito pouco espaço foi dedicado aos mecanismos que contribuem
para transmitir, ao longo do
tempo, alguma representação das mulheres como portadoras de
interesses específicos. Ele insiste igualmente na multiplicidade de locais e
contextos nos quais a representação das mulheres se coloca, embopra a maior
parte dos investigadores se concentre
sobre sua representação institucional (especificamente a parlamentar).
Embora o autor não se refira a isso diretamente podemos pensar, em muitas
outras, sobre a proliferação de organizações não-governamentais ( Aliance
Internatinale dês Femmes, Womenaid International etc,) que se reivindicam como
porta-vozes das mulheres na maior patê dos encontros internacionais. A crítica
correntemente endereçada a essas organizações não é relativa à sua “representatividade autoproclamada” em
oposição a uma “representatividade
eletiva” julgada, com ou sem razão, mais legítima? O último exemplo
considerado pelo autor é aquele dos partidos políticos. Lá, ainda, ele sugere
alterar o debate sobre a ascensão ou declínio dos partidos políticos pelo
interesse em sua evolução para outros modos de representação: quais dinâmicas
representativas caracterizam os partidos políticos? À excessão de sua
reticência inicial a aboedagem de tipologias o autor distingue três ideias-tipo
que permitem analisar as pretensões representativas dos partidos: o modo
popular ( “popular mode”), o modo
“estatal” (“statal mode”)(12) e o
modo reflexivo (“reflexive mode”). O
primeiro é caracterizado pelas pretensões dos líderes de se apresentar como
delegados dos interesses de certas classes sociais. Esse modo é característico
da segunda metade do século 20, durante a qual os partidos se encarregaram de
organizar as relações sociais e da definição das prioridades da sociedade. Ele
pressupõe a existência de um clima ideológico com clivagem, postulação de
interesses (de classes, étnicos, regionais) pré-exisitentes. A legitimidade
dessas pretensões reside essencialmente em seu fundamento eleitoral. O modo
estatal é caracterizado por atore originados nos partido políticos, mas se
apresentando como representantes
a-partidários do povo, da coletividade, dos interesses gerais. Pensamos
nas declarações dos representantes governamentais, dos ministros agindo e
falando no nome e no interesse do povo e não de seu partido. Esse modo de
representação poderia se aplicar também aos “experts” que afirmam se exprimir de um ponto de vista não partidário sobre questões específicas,
técnicas, em um viés de desplitização da representação. Pode-se ainda ir além e
ampliar esse modo estatal para a esfera internacional onde os experts exercem
uma influência pouco negligenciável ( pensamos no GIEC[13]). O declínio das categorias
mais amplas do tipo “capital/trabalho”,
“empregador/assalariado”, contribuiu
largamente para o desenvolvimento desse modo de pretensões representativas à
priori apartidárias. O último modo, reflexivo, é caracterizado pelas diferentes
pretensões dos partidos que se posicionam não tanto como representantes, mas
como simpatizantes de uma causa
local, na maioria das vezes, ainda desconectada de um engajamento partidário.
Essas categorias não devem ser vistas de maneira cronológica: elas coincidem ou
se sobrepõe segundo os contextos.
Lamentamos que
a questão da representação pós ou transnacional, das quais observamos as
premissas nas das organizações internacionais,
intergovernamentais e não governamentais seja abordada de maneira elíptica pelo
autor. Lá está a falha principal, quase inevitável, da obra – que é antes de
tudo um ensaio de pensamento político – de haver pouco desenvolvido a parte
empírica, se apoiando essencialmente sobre os estudos realizados por outros
autores.
UMA
PRESSUPOSIÇÃO DE LEGITIMIDADE
No último capítulo intitulado “Representation, legimaticy and democracy”,
Michael Saward que, já no início da obra, insistia sobre a necessidade de “retardar” o momento da avaliação do
caráter legítimo ou não dessas pretensões representativas, aborda (enfim) essa
questão. Entretanto quando se poderia esperar que o autor apresentaria uma
lista de critério para orientar nosso juízo, como é frequente em ensaios desse
tipo, sua resposta é a seguinte: “Nenhuma
pretenso representativa é intrinsecamente mais democrática que outra”( p.127).
De uma maneira um pouco provocativa podemos tentar concluir: Bono, Davd
Cameron, Bernard Thibault, os Indignados estão no mesmo combate representativo.
Se alguns concluirão que o autor se esquiva da questão
normativa, sua resposta é de fato mais complexa e se apoia sobre uma concepção
radical da democracia, vista do ponto de vista do cidadão (“the ciitzen standpont”). O
autor enuncia a condicação da legitimidade democrática da seguinte
maneira: “a aceitação [dessa pretensão] pelos
constituintes e as audiências interessadas”(p. 144), as manifestações dessa
aceitação podem ser extramente diversas...os sujeitas a controvérsias, ondo da
sustentação manifestada por uma certa parte da população a um grupo ou partido
político e expressa por meio de enquetes ou de sondagens ao seu reconhecimento
via sufrágio universal.
Para o autor cabe ao cidadão, no longo prazo, aceitar ou
recusar assumir uma posição sobre a pretensão de tal ou qual ator que pretenda
lhe representar. Percebem-se bem claramente os limites práticos de uma tal “pretensão” notadamente se
incluímos na análise audiências que ainda não existem como é o caso das
gerações futuras. Certamente o autor está consciente de uma das condições
cruciais para a aplicabilidade de sua teoria, a saber, um certo grau de
abertura das sociedades. Com efeito que tal sociedades não democráticas onde os
cidadãos não têm a oportunidade de se exprimir e tomar partido de tal ou qual
representante? É, sem dúvida, ali que o autor passa de uma postura analítica
para uma postura quase militante. A sociedade deve ser suficientemente aberta e
tolerante para aceitar ter em conta unicamente o ponto de vista do cidadão e
suspender (temporariamente) seu julgamento sobre tal ou qual ato (pag. 159). A
representação não é o problema da democracia[14], ela é a solução com a
condição de incluir verdadeiramente os representados no processo. O essencial da ação política deve então
ser orientado, segundo Saward, para o crescimento das capacidades do cidadão em
exercer seu julgamento, a responder as pretensões feitas em seu nome e sob a
condição de uma verdadeira deliberação. Saward agrega aqui os promotores de um
sistema que presta verdadeiramente conta de suas ações, esse que os
anglo-saxões exprimem por meio da noção de “accountability”
e que certos autores vêm como o conceito de um novo horizonte da
democracia[15].(grifo da tradução.DC).
Se retornamos ao debate atual sobre a representatividade
dos sindicatos sublinhado na introdução, parece por ser devido a demanda inversa
que se coloca. Mais que se interessar pelas capacidades reais do mundo do
trabalho de se organizar e se dotar de representantes, política e mídia se
envolvem em desconstruir (talvez mais para retirar credibilidade do que para
defender) as pretensões representativas de certos sindicatos. O mesmo
raciocínio vale, em graus separados, para os numerosos representantes que tão
rapidamente se instalaram nas suas funções representativas se veem na obrigação
de justificar sua legitimidade representativa. Então a leitura dessa obra se
impõe, numa hora onde os debates contemporâneos são dominados pelo tema da
crise da democracia representativa[16] e a busca de alternativas para a
representação com base no modo participativo[17]. Para Michael Saward, não será
mirando um horizonte “pós-representativo” que nós resolveremos essas questões, mas sim
revalorizando a dimensão representativa,
inclusive em nossa sociedade, naquilo que podemos chamar de “democratizar a democracia”.
Marieke Louis
Notas
[1] Confédération générale du travail, Confédération
générale du travail-Force ouvrière, Confédération française des travailleurs
chrétiens, Confédération générale des cadres e a Confédération française du
travail. Para uma análise detalhada desas lei e da questão da representação
sindical consultar especialmente BÉROUD, Sophie, YON, Karel (coord.), La loi
du 20 août 2008 et ses implications sur les pratiques syndicales em entreprise
: sociologie des appropriations pratiques d’un nouveau dispositif juridique,
Rapport de recherche, Convention DARES « Impact des nouvelles règles de
représentativité sur les pratiques et stratégies syndicales », février 2011,
336 p.
[2] Num discurso pronunciado em 2004 o cantor
dizia : « I represent a lot of people
[in Africa] who have no voice at all […]. They haven’t asked me to
represent them. It’s cheeky but I hope they’re glad I do », repris par Michael Saward, op. cit., p. 82.
[3] Young, Iris Marion,
Inclusion and Democracy, Oxford, Oxford University Press, 2000, 304 p.
[4] Nesse caso ver a entrevista de Bernard Manin et
Nadia Urbinati por Hélène Landemore,publicada no laviedesidées.fr le 27 mars 2008
[5] Pitkin, Hanna, The
Concept of Representation, Berkeley, Los Angeles, California
University Press, 323 p.
[6] Mansbridge, Jane, «
Should Blacks Represent Blacks and Women Represent Women ? A Contingent ‘Yes’
», The Journal of Politics, vol. 61, n°3, 1999, p. 628-657 et «
Rethinking Representation », American Political Science Review, vol. 97,
n°4, 2003, p. 515-528.
[7] Rehfeld, Andrew, The
Concept of Constituency : Political Representation, Democratic Legitimacy and
Institutional Design, Cambridge, Cambridge University Press, 2005, 259 p.
[8] Young, Iris Marion,
op. cit.
[9] Urbinati, Nadia, Representative
Democracy : Principles and Genealogy, Chicago,
University of Chicago Press, 2006, 328 p.
[10] Dentro de certos limites a noção de
preferência é dificilmente aplicável à natureza não humana.
[11] Bourdieu, Pierre, Ce que parler veut
dire, Paris, Fayard, 1982, 243 p.
[12] O ator assume que se trata de uma adjetivo
pouco familiar que que ele prefere àquele de nacional no qual ele encontra a
desvantagem da noção weberiana de Estado como uma reunião de organizações assumindo
o monopólio da violência legítima sobre
um território dado. Ele utiliza “statal” sob a forma de adjetivo mais que
“state”com fins de equivalência gramatical com “popular’ e “repflexivo”
[13] Grupo de especialistas intergovernamentais
sobre e evolução do clima.
[14] cotrariamente a Olle Törnquist que em Rethinking
Popular Representation comença afirmando que « The Problem Is
Representation » (Törnquist, Olle, Webster Neil, Stokke, Kristian (eds.), op.cit.,
p. 1.)
[15] Ver a entrevista de Bernard Manin e Nadia
Urbinati por Hélène Landemore, publicada em
laviedesidées.fr le 27 mars 2008. Ver também Andeweg, Rudi, “Beyond Representativeness ? Trends in Political
Representation”, European Review, vol. 11, n°2, 2003, p.147-161.
[16] Para uma síntese dessa questão ver
especialmente o dossier feito por Emilie
Frenkiel : « Democracy : Bridging the
Representation Gap », publicado em laviedesidées.fr le 28 décembre 2011. Ver também
Mineur, Didier, Archéologie de la représentation politique. Structure et fondement d’une crise, Paris, Presses de Sciences Politique, 2010, 292 p.
[17] Ver Törnquist,
Olle, Webster Neil, Stokke, Kristian (eds.), Rethinking Popular
Representation, New York, Palgrave Macmillan, 2009, 288 p.
[18] Ver a entrevista de Loïc Blondiaux por Ivan Jablonka, publicada em
laviedesidées.fr le 6 janeiro 2011