Não são muitos entre nós os
debates sobre a Economia de Transição, mas algum dia eles haverão de ser, caso
ousemos apontar para um projeto estratégico de desenvolvimento sustentável de
longo prazo. Há questões como que mais cedo ou mais tarde haveremos de
enfrentar.
Abaixo uma tradução livre de
texto publicado originalmente no portal Green
Economy Coalition. Escrito na intenção de relevar o papel da Coalização Pela Economia Verde o texto
remete a um importante debate sobre a financeirização desse processo de
transição entre uma economia ‘marrom’, em alguns casos partindo do ‘cinza’, e
uma economia ‘verde’, usando a escala de cores sutilmente criticada pelo autor.
Embora a Coalisão defenda que ‘o pequeno é bom’ e pratique ativamente
a filosofia de implementação das pequenas e médias empresas na economia verde,
especialmente na questão da inovação*, certamente o uso de economia em escala
pode ser inevitável por questões de economia e produtividade. O que o autor, Adrian
Ely, coloca como tema de debate é o quanto a economia de escala pode se
constituir em elemento crítico na transição para a Economia Verde, se olharmos
para a questão da equidade, dado que a equidade geracional e intergeracional
fazem parte deste olhar.
Ely coloca, com razão, que estamos
frente a um problema de governança. Complemento: um problema de governança que
não deve automaticamente chamar +Estado, mas sim ser resolvido nos moldes do
debate democrático.
DC
O Poder e a economia de
escala são daltônicos**
por Adrian Ely
Como poderia a economia “verde” não reproduzir os erros da economia
“marrom”?
Dr. Adrian Ely, coordenador no Centro STEPS ¹, argumenta que, como as
relações de poder e as economias de escala são "daltônicas", uma
economia verdadeiramente verde (e justa) precisa fazer mais do que apenas
colocar um preço na natureza.
Na preparação para a conferência
Rio +20, a agenda emergente "economia verde" foi criticada por
minimizar a redução da pobreza e da justiça social no desenvolvimento
sustentável.
Um ano antes da conferência, Jim Thomas,
do ETC Group escreveu: "O que é uma
economia verde global? Isso, é claro, é a questão não de um milhão de dólares,
mas de bilhões. Todos nós podemos falar sobre os problemas com o poluente atual
ou sobre a economia injusta (impensadamente apelidada de "economia
marrom" por comentaristas menos sensíveis à raça). No entanto, a suspeita
que está se evidenciando é que as prescrições propostas para uma "economia
verde" são mais propensas a oferecer uma economia verde “repaginada” ou a
mesma e velha economia da “ganância”. A
teoria das cores é a seguinte: Podemos passar de uma economia marrom para uma
economia verde, investindo mais dólares no branco calor da tecnologia e PINC
(Investimento Proativo em Capital Natural), incluindo mecanismos inovadores de
mercado, como “REDD +”² (Redução Emissões de Emissões Provenientes de
Desmatamento e Degradação). Só para terminar a paleta de cores: as cores do oceano são levadas em conta com o
argumento de que a economia verde também precisa ser uma economia azul "³.
Em sua proposta Iniciativa Economia Verde⁴, o PNUMA
definiu a economia verde como ” aquela que resulta na melhoria do bem-estar
humano e da equidade social, reduzindo significativamente os riscos ambientais
e a escassez ecológica “.
Como um dos componentes da
economia verde tenta-se colocar um preço adequado em externalidades, como as
emissões de carbono, a perda da biodiversidade, o uso de água doce etc. Ao
passo que um preço global de carbono é, pelo menos teoricamente, possível, a
biodiversidade, a água e outros parâmetros
planetários têm dimensões locais, regionais e globais, tornando-se muito
mais difícil atribuir-lhes preços. Além disso, ao usar as forças do mercado
como um motor para um crescimento mais verde, cumprindo determinados objetivos
ambientais (e, sem dúvida, melhorando a equidade entre gerações), por si só,
este aspecto da "economia verde" não faz nada para reequilibrar as
concentrações irregulares de riqueza e poder que são o núcleo principal de
muitas das críticas.
Aqueles que propõem este tipo de
abordagens muitas vezes argumentam que colocar um preço sobre recursos escassos
ou no ‘espaço de desenvolvimento’ associado com os limites ambientais
(transformando-os em commodities) fornece os sinais que os formuladores de
políticas precisam, a fim de levar em conta a natureza em suas decisões. A sinalização
é realmente importante, mas a avaliação de 'espaço de desenvolvimento’ ou da
biodiversidade e serviços do ecossistema tornam-se problemáticas quando são
vistos como substituíveis por outros tipos de capital. Colocar um preço na ‘natureza’
em seus vários formatos (por exemplo, através do financiamento da biodiversidade
ou a compensação de carbono) pode criar uma economia de escala que vai (no lado
positivo) incentivar o investimento, mas ao mesmo tempo motivar interesses
poderosos a se apropriarem dessas commodities (ou rendas que lhes estão
associados) em detrimento de atores menos poderosos que necessitam deles para
sua subsistência.
Assim, quando a natureza se torna
uma mercadoria, desincorporada de seu contexto social, pode-se criar graves
injustiças. Meus colegas James Fairhead, Melissa Leach e Ian Scoones mostraram
como os chamados ‘green grabs’⁵ - como exemplo os esquemas de sequestro de
carbono na África - muitas vezes adotaram abordagens de monitoramento
burocráticos que colocar um valor em créditos de carbono, mas acabam ameaçando
a terra e meios de subsistência das pessoas. Essa proposta leva a histórias bem
conhecidas de alienação de recurso colonial e neocolonial em nome do meio
ambiente - seja para parques, reservas florestais ou para impedir práticas
destrutivas assumidas pelos locais. Este é "o lado negro da economia
verde", no qual financeirização desses recursos leva a mais perda de poder
dos pobres, devido às enormes escalas de investimento em jogo.
A tecnologia também é central
para a nova economia verde, obter mais verde e forjar a inovação tecnológica
também dependem de investimentos, muitas vezes em alta escala. A OCDE (nota:
Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento) e os BRICS estão dedicando
recursos significativos para a eco inovação, especialmente no setor de energia.
O financiamento necessário para criar uma dinâmica em trajetórias tecnológicas
estilo "baixo carbono" também é apoiado por poderosos interesses que
irão se beneficiar (através de rendas) do incremento desses novos rumos da
inovação. A concentração na energia fotovoltaica (caracterizada por extensa
propriedade intelectual, isto é patentes) ultrapassa em muito os interesses em
energia solar ou biomassa. A energia de alta qualidade (eletricidade), como a
gerada a partir de energia fotovoltaica é de vital importância para as
trajetórias de desenvolvimento tipo "ocidental" e envolve interesses
poderosos (tanto de países como de empresas) que focam seus esforços em dominar
essa área estratégica emergente, por exemplo, através de um agressivo processo de
patentes. Ao mesmo tempo, essas tecnologias muitas vezes permanecem
indisponíveis ou inapropriadas para as necessidades de energia de muitas
comunidades mais pobres, menos poderosas. Além disso, seguindo essas
trajetórias, as nações tecnologicamente menos avançados serão obrigados a pagar
rendas aos detentores da propriedade intelectual associada, perpetuando e
agravando as assimetrias de poder e dependências.
Na versão financializada da
economia verde, assim como na economia marrom, economias de escala e Poder se
combinam para conduzir investimentos (e às vezes tecnologias) que são
claramente um anátema para o pilar social do desenvolvimento sustentável. O simples
cerne da questão é - o Poder e as economias de escala são daltônicos. Se a
governança for sem solução, eles podem perpetuar assimetrias atuais em termos
de riqueza e injustiça, apesar das formas "mais verdes" de
crescimento.
Será que isso significa desistir
dessa versão (financializada) da economia verde? Até certo ponto, sim, mas,
pessoalmente, acredito que há um papel para os tipos de sinalização econômica
descrita acima. No entanto o desencaixe das diferentes formas de capital
natural de seus contextos sociais traz desvantagens óbvias. Para superar isso
ou se resguardar contra eles, a governança e a justiça social precisam manter-se
no centro dos debates sobre economia verde, como têm sido ao longo da história
de "desenvolvimento sustentável". Reconhecendo a importância destas
questões, a Coalizão de Economia Verde tenta
trazer as diversas partes interessadas para, em conjunto, tratar das
complexidades - técnicas e políticas - da economia verde, com vista criar um
futuro socialmente mais justo, mas também ambientalmente sustentável.
* Veja mais em:
**http://www.greeneconomycoalition.org/know-how/power-and-economies-scale-are-colour-blind
3 – Nota informativa:
5- Nota informativa: Disputa pelo verde. É a descrição de um
processo de apropriação de terras e recursos com finalidade ambiental em
detrimento das populações locais. Ver mais em: