domingo, 29 de junho de 2014

O ADEUS DE SARNEY: A REDE NEOPATRIMONIALISTA E O PT NO PODER





Nesse tempo mais crítico Sarney, vaiado em seu território de caça de votos, se retira da política institucional. Indignado nos informa que se o Amapá existe é por ele ter colocado o estado no mundo graças ao poder de sua literatura. Tudo normal, tudo dentro do discurso autoritário de um patriarca alquebrado pelo tempo e já acostumado a ser servido e não a servir.

Sarney falou da justiça que o futuro lhe fará. É verdade, sem a participação dele a transição para a Democracia teria sido bem mais difícil. Mas, deve estar bem tranquílo no quesito, pois recebeu seus direitos com juros e correção monetária no exercício do poder. 

Importante registrar que a participação de Sarney na transição não serviu apenas para a democratização, também teve seu custo negro na manutenção da mesma estrutura patrimonialista "moderna" que se consolidou durante a ditadura civil-militar.

Outra história que ainda terá que ser escrita é a história da Rede Neopatrimoniasta revivida e revigorada primeiro pelos presidentes militares e depois por Lula. Em ambas as situações o que se buscava era o poder de votos de uma Rede extremamente capilarizada em todo interior do país. 

Com FHC Sarney viveu o ostracismo, que lhe valeu ódio ao ex-presidente. Coube a Lula recolocá-lo no centro do Poder, buscando em sua forte influência política apoio necessário para a formação das amplas maiorias necessárias ao presidencialismo centralizador que veio a caracterizar seus dois mandatos e o mandato de Dilma. 

Nosso peculiar Estilo de Capitalismo envolve a formação de uma Coalizão que soma a Rede Neopatrimonista instalada na fronteira entre o mundo da política e a sociedade civil, o sindicalismo de resultados das Centrais brasileiras, empresários estatal-dependentes, agentes políticos instalados no Poder e a tecno-burocracia estatal.



Oura questão a ainda caberá ao futuro ser esclarecida é o quanto a proximidade íntima entre os agentes políticos petistas e a Rede Neopatrimonialista acabou colaborando para o descaminho desses agentes, transformando o PT no que é hoje, quando foi criado justamente para ser o oposto disso. 


sábado, 28 de junho de 2014

FINANCEIRIZAÇÃO E TRANSIÇÃO DA ECONOMIA MARROM PARA A ECONOMIA VERDE





Não são muitos entre nós os debates sobre a Economia de Transição, mas algum dia eles haverão de ser, caso ousemos apontar para um projeto estratégico de desenvolvimento sustentável de longo prazo. Há questões como que mais cedo ou mais tarde haveremos de enfrentar.

Abaixo uma tradução livre de texto publicado originalmente no portal Green Economy Coalition. Escrito na intenção de relevar o papel da Coalização Pela Economia Verde o texto remete a um importante debate sobre a financeirização desse processo de transição entre uma economia ‘marrom’, em alguns casos partindo do ‘cinza’, e uma economia ‘verde’, usando a escala de cores sutilmente criticada pelo autor.

Embora a Coalisão defenda que ‘o pequeno é bom’ e pratique ativamente a filosofia de implementação das pequenas e médias empresas na economia verde, especialmente na questão da inovação*, certamente o uso de economia em escala pode ser inevitável por questões de economia e produtividade. O que o autor, Adrian Ely, coloca como tema de debate é o quanto a economia de escala pode se constituir em elemento crítico na transição para a Economia Verde, se olharmos para a questão da equidade, dado que a equidade geracional e intergeracional fazem parte deste olhar.

Ely coloca, com razão, que estamos frente a um problema de governança. Complemento: um problema de governança que não deve automaticamente chamar +Estado, mas sim ser resolvido nos moldes do debate democrático.

DC

O Poder e a economia de escala são daltônicos**

por Adrian Ely

Como poderia a economia “verde” não reproduzir os erros da economia “marrom”?
Dr. Adrian Ely, coordenador no Centro STEPS ¹, argumenta que, como as relações de poder e as economias de escala são "daltônicas", uma economia verdadeiramente verde (e justa) precisa fazer mais do que apenas colocar um preço na natureza.

Na preparação para a conferência Rio +20, a agenda emergente "economia verde" foi criticada por minimizar a redução da pobreza e da justiça social no desenvolvimento sustentável.

Um ano antes da conferência, Jim Thomas, do ETC Group escreveu:  "O que é uma economia verde global? Isso, é claro, é a questão não de um milhão de dólares, mas de bilhões. Todos nós podemos falar sobre os problemas com o poluente atual ou sobre a economia injusta (impensadamente apelidada de "economia marrom" por comentaristas menos sensíveis à raça). No entanto, a suspeita que está se evidenciando é que as prescrições propostas para uma "economia verde" são mais propensas a oferecer uma economia verde “repaginada” ou a mesma e velha economia da “ganância”.  A teoria das cores é a seguinte: Podemos passar de uma economia marrom para uma economia verde, investindo mais dólares no branco calor da tecnologia e PINC (Investimento Proativo em Capital Natural), incluindo mecanismos inovadores de mercado, como “REDD +”² (Redução Emissões de Emissões Provenientes de Desmatamento e Degradação). Só para terminar a paleta de cores:  as cores do oceano são levadas em conta com o argumento de que a economia verde também precisa ser uma economia azul "³.



Em sua proposta Iniciativa Economia Verde⁴, o PNUMA definiu a economia verde como ” aquela que resulta na melhoria do bem-estar humano e da equidade social, reduzindo significativamente os riscos ambientais e a escassez ecológica “.

Como um dos componentes da economia verde tenta-se colocar um preço adequado em externalidades, como as emissões de carbono, a perda da biodiversidade, o uso de água doce etc. Ao passo que um preço global de carbono é, pelo menos teoricamente, possível, a biodiversidade, a água e outros parâmetros planetários têm dimensões locais, regionais e globais, tornando-se muito mais difícil atribuir-lhes preços. Além disso, ao usar as forças do mercado como um motor para um crescimento mais verde, cumprindo determinados objetivos ambientais (e, sem dúvida, melhorando a equidade entre gerações), por si só, este aspecto da "economia verde" não faz nada para reequilibrar as concentrações irregulares de riqueza e poder que são o núcleo principal de muitas das críticas.

Aqueles que propõem este tipo de abordagens muitas vezes argumentam que colocar um preço sobre recursos escassos ou no ‘espaço de desenvolvimento’ associado com os limites ambientais (transformando-os em commodities) fornece os sinais que os formuladores de políticas precisam, a fim de levar em conta a natureza em suas decisões. A sinalização é realmente importante, mas a avaliação de 'espaço de desenvolvimento’ ou da biodiversidade e serviços do ecossistema tornam-se problemáticas quando são vistos como substituíveis por outros tipos de capital. Colocar um preço na ‘natureza’ em seus vários formatos (por exemplo, através do financiamento da biodiversidade ou a compensação de carbono) pode criar uma economia de escala que vai (no lado positivo) incentivar o investimento, mas ao mesmo tempo motivar interesses poderosos a se apropriarem dessas commodities (ou rendas que lhes estão associados) em detrimento de atores menos poderosos que necessitam deles para sua subsistência.

Assim, quando a natureza se torna uma mercadoria, desincorporada de seu contexto social, pode-se criar graves injustiças. Meus colegas James Fairhead, Melissa Leach e Ian Scoones mostraram como os chamados ‘green grabs’⁵ - como exemplo os esquemas de sequestro de carbono na África - muitas vezes adotaram abordagens de monitoramento burocráticos que colocar um valor em créditos de carbono, mas acabam ameaçando a terra e meios de subsistência das pessoas. Essa proposta leva a histórias bem conhecidas de alienação de recurso colonial e neocolonial em nome do meio ambiente - seja para parques, reservas florestais ou para impedir práticas destrutivas assumidas pelos locais. Este é "o lado negro da economia verde", no qual financeirização desses recursos leva a mais perda de poder dos pobres, devido às enormes escalas de investimento em jogo.

A tecnologia também é central para a nova economia verde, obter mais verde e forjar a inovação tecnológica também dependem de investimentos, muitas vezes em alta escala. A OCDE (nota: Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento) e os BRICS estão dedicando recursos significativos para a eco inovação, especialmente no setor de energia. O financiamento necessário para criar uma dinâmica em trajetórias tecnológicas estilo "baixo carbono" também é apoiado por poderosos interesses que irão se beneficiar (através de rendas) do incremento desses novos rumos da inovação. A concentração na energia fotovoltaica (caracterizada por extensa propriedade intelectual, isto é patentes) ultrapassa em muito os interesses em energia solar ou biomassa. A energia de alta qualidade (eletricidade), como a gerada a partir de energia fotovoltaica é de vital importância para as trajetórias de desenvolvimento tipo "ocidental" e envolve interesses poderosos (tanto de países como de empresas) que focam seus esforços em dominar essa área estratégica emergente, por exemplo, através de um agressivo processo de patentes. Ao mesmo tempo, essas tecnologias muitas vezes permanecem indisponíveis ou inapropriadas para as necessidades de energia de muitas comunidades mais pobres, menos poderosas. Além disso, seguindo essas trajetórias, as nações tecnologicamente menos avançados serão obrigados a pagar rendas aos detentores da propriedade intelectual associada, perpetuando e agravando as assimetrias de poder e dependências.

Na versão financializada da economia verde, assim como na economia marrom, economias de escala e Poder se combinam para conduzir investimentos (e às vezes tecnologias) que são claramente um anátema para o pilar social do desenvolvimento sustentável. O simples cerne da questão é - o Poder e as economias de escala são daltônicos. Se a governança for sem solução, eles podem perpetuar assimetrias atuais em termos de riqueza e injustiça, apesar das formas "mais verdes" de crescimento.

Será que isso significa desistir dessa versão (financializada) da economia verde? Até certo ponto, sim, mas, pessoalmente, acredito que há um papel para os tipos de sinalização econômica descrita acima. No entanto o desencaixe das diferentes formas de capital natural de seus contextos sociais traz desvantagens óbvias. Para superar isso ou se resguardar contra eles, a governança e a justiça social precisam manter-se no centro dos debates sobre economia verde, como têm sido ao longo da história de "desenvolvimento sustentável". Reconhecendo a importância destas questões, a Coalizão de Economia Verde tenta trazer as diversas partes interessadas para, em conjunto, tratar das complexidades - técnicas e políticas - da economia verde, com vista criar um futuro socialmente mais justo, mas também ambientalmente sustentável.

* Veja mais em:

**http://www.greeneconomycoalition.org/know-how/power-and-economies-scale-are-colour-blind

1 – Nota informativa: http://steps-centre.org/
3 – Nota informativa:
5- Nota informativa: Disputa pelo verde. É a descrição de um processo de apropriação de terras e recursos com finalidade ambiental em detrimento das populações locais. Ver mais em: