quinta-feira, 22 de outubro de 2009

A Redução da Jornada de Trabalho e o Emprego

Muito se tem falado sobre a nova Lei que reduzirá a jornada de trabalho das atuais 44 horas para 40 horas semanais. Segundo o Dieese, tal medida gerará cerca de dois milhões e duzentos mil empregos. Confesso não ter estudado Desenvolvimento Econômico de forma tão profunda como fizeram alguns técnicos do Dieese, mas ter me dedicado ao “nefasto” mundo das Finanças Corporativas, o que talvez me impeça de ver com tanta facilidade e clareza como tal “mágico” aumento de empregos ocorrerá. Afinal, alguns daqueles que fizeram a “conta” dos novos empregos devem acreditar que Finanças de Empresas (coisas como viabilidade de projetos; gestão financeira e de capital de giro; custo de capital; alavancagem etc) servem apenas para tornar mais ágil à exploração capitalista.
Como sempre, vale destacar que será muito fácil enxergar os beneficiados por essa nova Lei, mas bastante difícil, e duvido que políticos e Dieese se esforcem para fazê-lo, observar os prejudicados.
Bem, creio que a conta dos defensores de tal Lei é a seguinte: a firma Exploração da Mais-Valia Ltda (EMV Ltda) possui 10 funcionários em um regime de trabalho de 44 horas semanais. Logo, o total de horas trabalhadas pelos empregados é de 440 horas por semana. Com a nova Lei, a empresa só poderá explorar seus 10 funcionários por 400 horas semanais, como seu volume de trabalho demandado era de 440 horas, ela buscará no sujo mercado de trabalho mais um trabalhador para explorar. Então, como que por mágica, essa Lei, “inteligentíssima”, criou mais um posto de trabalho!
Será que o mundo é tão simples assim?! Não! Essa conta está simplesmente errada. Pessoas que ainda tentam usar a falida Teoria do Valor-Trabalho para explicar o processo de produção são as culpadas por esse erro. Ou seja, a conta errada é culpa de políticos ruins e mal assessorados, assim como de um bando de intelectuais de boteco.
Saiamos da fantasia e vamos ao mundo real. Vejamos os exemplos do impacto da Lei de forma mais realista.
Exemplo 1: A firma EMV Ltda possui 10 funcionários e trabalha em um esquema de linha de montagem. Cada funcionário é responsável por uma etapa do processo de fabricação, divido em 10 etapas (o número de funcionários contratados é função da divisão ótima, não o contrário, salvo, talvez, se os salários caírem).
A EMV Ltda trabalha em um turno diário de 8 horas durante a semana e em um turno de 4 horas no sábado, com isso cada funcionário trabalha 44 horas semanais. A carga horária total de trabalho contratada pela firma é de 440 horas semanais.
Com a nova Lei, mantido o número de funcionários, a firma só poderá utilizar 400 horas. Faltam exatamente 40 horas, ou seja, um funcionário segundo a nova Lei. Mas a firma não irá contratá-lo, ao invés disso reduzirá a produção, e com isso seu resultado e capacidade de investimento, deixando de produzir aos sábados. O 11o funcionário não tem função no atual arranjo produtivo, ele implicará em custos adicionais sem que haja algum retorno esperado por sua contratação. Nesse caso a Lei tem dois impactos: redução da produção presente e da capacidade de investimento futura.
Exemplo 2: A firma EMV Ltda vende 100 parafusos por semana ao preço de 10 Reais cada. Seu faturamento semanal é de 1.000 Reais. Ela paga para cada um de seus funcionários 20 Reais por semana, o que, somados os encargos trabalhistas, resulta em um gasto semanal de 32,4 Reais por funcionário. Como não tem amigos no governo, os investimos da EMV Ltda são basicamente financiados com capital próprio, para isso ela retém 50 Reais por semana. Cerca de 30% do faturamento é gasto com aquisição de outros insumos produtivos (que não trabalho) e outros 10% com outras despesas operacionais e administrativas. O resultado final é um gasto semanal de:
· 324 salários e encargos
· 177,2 impostos e contribuições (pelo menos)
· 300 gastos com insumos
· 50 retenção para re-investimento
· 100 outras despesas operacionais e administrativas
· Total: 951,2 Reais
· Resultado da empresa: 48,8 Reais
Suponhamos que não haja limitação física, como no exemplo 1, para a contratação de mais um funcionário. Porém não há nenhuma razão para acreditarmos que a demanda por parafuso aumentará, ou que haja espaço para aumento de preços. Ou seja, o novo funcionário será contratado, mas o faturamento da empresa continuará o mesmo. Como salários não podem ser reduzidos, teremos:
· 356,4 salários e encargos
· 177,2 impostos e contribuições
· 300 gastos com insumos
· 50 retenção para re-investimento (depreciação e ampliação da capacidade produtiva)
· 100 outras despesas operacionais e administrativas
· Total: 945,2 Reais
· Resultado da empresa: 16,4 Reais
Ou seja, no novo cenário o resultado da empresa ficará em apenas 16,4 Reais semanais. Nesse caso, provavelmente, é mais vantajoso fechar a empresa e comprar Títulos Públicos do que continuar com o investimento.
Caso, ao invés de contratar o novo funcionário, a AMV Ltda reduza sua produção em 40 horas semanais (9,1%; 9% para facilitar o cálculo), teremos 91 parafuso a 10 reais, o que implicará em um faturamento de 910 Reais, divido em:
· 324 salários e encargos
· 161,25 impostos e contribuições
· 273 gastos com insumos
· 45,5 retenção para re-investimento
· 91 outras despesas operacionais e administrativas
· Total: 894,75 Reais
· Resultado da empresa: 15,25 Reais
A estrutura financeira apresentada, apesar de ser simplificada, é razoavelmente real. Apesar de superior em 1,15 Reais, o cenário da contratação não gera um resultado suficientemente alto para, com certeza, compensar as maiores incertezas inerentes a ele (por exemplo: maior risco de problemas trabalhistas, menor flexibilidade na estrutura de custo para enfrentar eventuais choques adversos etc).
De fato, uma empresa real que utilize o regime de 44 horas semanais viverá os exemplos 1 e 2 simultaneamente, isso reduz ainda mais os possíveis incentivos às novas contratações e amplia os incentivos para redução da produção e investimento (a redução na lucratividade deverá ser compensada em algum lugar).
Como conclusão direta, que pode ser obtida pala soma dos possíveis cenários, em um mundo incerto, a Lei não incentiva uma nova contratação, mas sim a redução da produção e do investimento.
A empresa privada não é uma repartição pública. Quando o TCU reduziu a jornada de seus bem pagos funcionários para 35 horas semanais, precisou e contratou mais funcionários. Para pagá-los, o governo cobrou mais impostos e prestou menos serviços básicos (saúde, educação, infra-estrutura, segurança etc) para a população. Em uma empresa privada isso não é alternativa. Empresas não podem aumentar o preço simplesmente por que desejam; empresas não podem reduzir a qualidade dos serviços ou o nível de investimento sem o sério risco de sair do mercado. Aumentos no gasto corrente dentro de uma empresa são resolvidos dentro dela (ou ela sai do mercado), não transferidos para o restante da sociedade, como faz o governo.
Por fim, os exemplos acima têm como objetivo apenas evidenciar que, do ponto de vista da tecnologia de produção e do financeiro de uma empresa, o resultado da Lei não é tão claro como alguns pregam ser. Talvez, se supusermos tecnologias homogenias, uma função de produção agregada, agregarmos funções de utilidade e assumirmos que o juro básico da economia capta toda incerteza, quem sabe, para uma economia fechada e sem custos de transação, possamos encontrar o resultado do Dieese e de alguns políticos.

Abs

José Carneiro