Uma matéria, boa, publicada ontem no Valor Econômico intitulada "Dilma fortalece a Casa Civil e amplia a atuação da junta orçamentária" comenta toda a movimentação do governo na tentativa de aumentar o fraco desempenho constatado até agora. Estamos falando na realidade em aumentar a eficiência das políticas públicas. Mas será que frente às necessidades políticas é possível aumentar a eficiência? Ou haverá um limite para isso? Se houver qual será ele? É disso que pretendemos tratar:
O executivo montou na PR, ao longo de todos estes anos, na prática começou na ditadura, um verdadeiro ministério paralelo, mas na realidade é uma estrutura mais complexa que os ministérios, pois a PR tem na sua rede imediata todos os serviços de informações sensíveis estratégicas ou não, e os serviços que deveriam fazer o accountability interno.
Neste comentário está implícita a idéia de que Dilma fará seu comando a partir da estrutura da presidência da república, que chamam de casa civil.
Não dá para discordar que a estrutura da PR seja complexa, tenha pessoal qualificado e tenha os dados necessários para a tomada de decisões gerenciais. O problema é que as decisões gerenciais da PR são filtradas pelas decisões políticas dentro dos ministérios e não ao contrário como o modelo quer fazer parecer.
Este tipo de presidencialismo praticado hoje no Brasil não funciona sem o apoio da base aliada, da mesma forma a base aliada não mantém sua fidelidade se não for alimentada. Alimentar a base aliada tem um significado muito claro e implica necessariamente na ineficiência do sistema público. Não é muito difícil perceber que há um mecanismo que transforma políticas públicas em benefícios privados para os membros da base. O processo nem sempre é ostensivo e eventualmente pode ser muito sutil. Para deixar mais claro precisamos partir da hipótese de que o bem público, para ser bem público, tem como um de seus mais importantes atributos a universalidade. Na linha contrária o patrimonialismo permanece poder e mantém as relações de fidelidade pela exclusividade, que na realidade é a característica do bem privado. Na prática a rede patrão-cliente interpreta as políticas públicas como políticas de benefício privado. Externamente, formalmente, as políticas chegam à base nos municípios como públicas, mas internamente, por dentro, são apropriações privadas.
Um exemplo: A manipulação na seleção dos Agentes Comunitários de Saúde. Ora o ACS é política pública estabelecida a partir do conceito de Atenção Básica do SUS. Deveria haver uma forte integração entre os ACSs, os Postos de Saúde e uma outra articulação entre os postos de saúde e os hospitais e centros de atenção de média complexidade que por sua vez estariam ligados aos centros de alta complexidade. Nessa rede o ACS seria uma das portas de entrada, ao mesmo tempo o local de filtro e o local da prevenção em oposição à proposta desde sempre combatida da visão hospitalocêntrica. O SUS ou é tudo isto ou não é o SUS...e o ACS somado ao PSF e os postos de saúde são a base de todo os sistema. Agora, faça-se um levantamento do funcionamento nacional das redes municipais de ACS +PSF+ Postos. No caso dos ACS uma “accountability” séria e sem rabos políticos iria detectar as escolhas políticas destinadas a criar “exércitos” de cabos eleitorais a partir dos ACS.
É possível catalogar dezenas de exemplos semelhantes em programas tipo Primeiro Emprego etc. Isto sem falar nas prática de empregos cruzados, favorecimentos no gastos públicos, na oferta direcionada de recursos públicos e muitas outras.
São essas concessões patrimonialistas que acabam fazendo com que o esquema de accountability não possa funcionar. Ele trava e acaba ficando naqueles casos tão escandalosos que não podem ser evitados. Como existe uma forte correlação entre eficiência e controle interno, o grau de eficiência da estrutura do executivo acaba sendo muito baixo.
Nesse sentido o PT, que deveria servir como instrumento de divulgação, conscientização e aplicação de uma gestão eficiente, já que eficiente aqui tem uma outra forte correlação com equidade, acabou cooptado pela rede patrimonialista.
Sendo assim, a luta de Dilma, se for honesta, é uma luta solitária onde ou ela parte para o autoritarismo no estilo déspota esclarecido - que parece ser uma tese que vai ganhando adeptos - ou se rende as obviedades do processo e passa a funcionar como uma espécie de estratégia de ataque dos pontos mais fracos, como vem fazendo ultimamente. Mas até isso é meio complicado, como dá para ver na questão do PMDB e do PSB.
A teoria microeconômica fala sobre a insaciabilidade do consumidor. Quer dizer, na busca do prazer os indivíduos são insaciáveis até o limite de suas restrições de recursos, pois mesmo quando poupam, poupam da expectativa de um consumo futuro e quando podem buscam incansavelmente aumentar as suas rendas para poderem consumir mais. As redes patrimonialistas seguem a mesma lógica dos indivíduos. A sua mecânica é de sobrevivência política e seu foco é sempre a próxima eleição. Nesse sentido serão sempre insaciáveis na demanda por recursos públicos transformáveis em benefício privado e que aloquem de forma mais eficiente seus recursos em patrimônio e pessoal de formas a garantir a reeleição e renovação dos compromissos.
Enfim, há um choque claro entre a necessidade de eficiência do governo, enquanto gestor de políticas públicas universais e a necessidade de eficiência da rede patrimonialista enquanto gestora de políticas apropriadas.
Ao longo desse choque a máquina pública jamais é capaz de alcançar, como de fato não alcança, altos padrões de eficiência. Para isso seria necessário mudar toda a lógica de alianças e projetos.
Este debate serve ao menos para demonstrar que a simples mudança de pessoas, inclusive da presidente, não é suficiente para mudar os limites que existem na eficiência do próprio regime presidencialista.
É preciso ir além e para isto muito provavelmente teremos que repensar os modelo de governo e rediscutir se o presidencialismo é capaz de sustentar e aprofundar no longo prazo uma República Democrática, desviando da tentação autoritária.
Talvez devessemos recolocar na mesa o debate sobre o parlamentarismo.
Demetrio Carneiro