Era previsível que a bolha de crédito tivesse um limite. É bem provável que a equipe econômica nunca tenha imaginado que este tipo de crescimento fosse realmente sustentável. Mas certamente imaginavam que ele poderia alavancar um processo de crescimento que depois seguiria seu curso por conta o crescimento do produto.
Quer dizer, normalmente o crescimento é alavancado pelo produto do ano anterior, mas em situações onde o produto é baixo, como numa crise econômica, é possível sim, em faixas limitadas, produzir o crescimento da economia pela via do aumento de crédito. Não deixa de ser o que ocorreu com a economia americana quando usaram os imóveis como colateral para a expansão do crédito pessoal.
O crescimento do produto não veio da forma esperada em boa parte devido aos fortes vínculos entre a economia brasileira e a economia mundial. Nossos vínculos são sui generes:
Enquanto economia sub-desenvolvida somos grandes exportadores de commodities. Fomos favorecidos por um ciclo histórico excepcional de valorização destes produtos, invertendo pela primeira vez num período mais longo o fluxo de renda. O aumento dos preços das commodities somado à redução dos preços industriais criaram um único e original fluxo de riquezas do centro para a periferia. Fato que alguns anos atrás seria considerado impossível. Esta foi uma época de oportunidades. Perdidas. A crise vem trazendo os preços das commodities para patamares menos elevados e o produto industrial mais cedo ou mais tarde vai se aprumar. Não é impossível que o fluxo volte a tomar sua direção histórica tradicional periferia-centro.
Enquanto economia emergente somos parte da cadeia produtiva mundial. Caracteristicamente essas cadeias fixam no centro sue pedaço mais lucrativo, no desenvolvimento e apropriação das patentes e peças de alta tecnologia, e deixam na periferia seu pedaço menos lucrativo, a indústria de peças periféricas e a montagem. Ironicamente outras cadeias não instaladas na periferia passam a se interessar por conta do forte crescimento das classes médias. Essas cadeias podem ter ou mais produtividade ou preços políticos ou ambas as coisas. O passo seguinte passa a ser um embate entre Estados-Nação. Ou entre este Estado-Nação e as cadeias produtivas “estrangeiras”. Neste momento o nacionalismo passa a ser uma peça de manipulação e o Estado-Nação vira defensor das cadeias produtivas que estão instaladas aqui contra as cadeias produtivas que aqui pretendem se instalar. Tudo em nome de uma suposta “garantia de emprego”. É o terreno da ação lobista corporativa das Centrais Sindicais e das instituições Patronais.
Ambas as travas são características de uma inserção incompleta com uma forte base ideológica “anti-globalizante” originada no pensamento arcaico do nacional-desenvolvimentismo brasileiro. A inserção incompleta tem como resultado o nosso câmbio livre “porém controlado”, a defesa da indústria “nacional”, fortes controles protecionistas da importação gerando a ausência de interesse competitivo da indústria, ausência de competividade para exportação. A queda histórica do produtividade forma um capítulo à parte, mas está neste bolo. Se somarmos a isto o uso manipulatório dos recursos públicos, inexistência de investimentos efetivos, e não midiáticos, na infraestrutura, na qualificação da mão de obra, na produção de conhecimento, o caráter cartorial do Estado vamos ter o atual resultado:Crescimento medíocre.
Certamente Dilma e seus assessores imaginavam ser possível navegar, como Lula, na boa maré da economia mundial. Este processo de soluços, tipo stop and go, em alguns momentos dava mesmo a noção de que as coisas iam andar para melhor. Afinal havia uma forte pressão de capitais procurando um pouco mais seguro para confirmar os prognósticos. O que Dilma nunca imaginou provavelmente é que a crise pudesse se estender por muitos anos, talvez por todo o seu mandato. Em certo sentido o investimento na ampliação do crédito pessoal como forma de alavancar a economia aparece como um meio de mitigar os efeitos da crise. Mas, como dissemos, é uma ferramenta de curto alcance. Seria necessário que houvesse mais à frente o crescimento do produto por razões intrínsecas ao processo.
Talvez venhamos a entrar em um novo ciclo onde o crescimento medíocre acabe levando a mais crescimento medíocre. Independentemente do uso manipulatório de dados ou da farta distribuição de delírios sobre os números do PIB. A única coisa certa e ainda não percebida é que esses períodos de crescimento medíocre são fortemente concentradores de renda e existem em favor dos grupos mais privilegiados.
Fica apenas um alerta: Crescimento medíocre não é sinônimo de crise profunda ou desemprego acentuado. Pelo contrário nossa experiência demonstra que é possível viver anos seguidos de crescimento medíocre sem grandes sobressaltos no emprego. Basta que o crescimento fique acima da taxa líquida de crescimento da população.
Contudo fica outro alerta: A permanência deste modelo, ele próprio insustentável, nos afasta cada vez mais de outros modelos mais capazes de responder às demandas do mundo atual e quanto mais longe estivermos mais difícil será alcançarmos novos patamares no futuro.
Demetrio Carneiro
Dívida das famílias pode frear PIB no ano
O aumento da inadimplência e da parcela da renda das famílias comprometida com o pagamento de juros e amortização deve limitar o crescimento do crédito. Para alguns analistas, esse pode ser um freio no PIB em 2012, assim como os problemas na indústria e o aumento das importações. Em fevereiro, o crédito à pessoa física cresceu 0,7%. Já o crédito total, incluindo empresas caiu 0,13% em janeiro
Dívida das famílias deve limitar o crédito e frear o crescimento do PIB
Para alguns analistas, esse pode ser um freio no Produto Interno Bruto (PIB) este ano, assim como os problemas da indústria e o aumento das importações.
Fernando Dantas
RIO - O aumento da inadimplência e da proporção da renda das famílias comprometida com o pagamento de juros e amortizações deve limitar a expansão do crédito em 2012. Para alguns analistas, esse pode ser um freio no Produto Interno Bruto (PIB) este ano, assim como os problemas da indústria e o aumento das importações.
Em fevereiro, o crédito à pessoa física cresceu 0,7%, para R$ 958,9 bilhões - a segunda menor expansão mensal desde o início de 2005. Já o crédito total, incluindo empresas, caiu 0,13% em janeiro, a primeira queda desde pelo menos 2005, e cresceu apenas 0,4% em fevereiro, para R$ 2,034 trilhões.
Em janeiro e fevereiro, o crédito total cresceu num ritmo semelhante ao de 2009, ano de menor expansão recente (15%), em plena crise global. "A desaceleração é geral, e abrange o crédito direcionado e para pessoas jurídicas e físicas", diz Carlos Kawall, economista-chefe do Banco J. Safra.
Em termos de novas concessões de crédito (indicador que exclui a acumulação de juros) para pessoas físicas, o crescimento em fevereiro, de 15,5% ante o mesmo mês do ano anterior, é o mais lento em cinco anos. Em 2008, antes da crise global, esse indicador chegou a crescer 34%.
Um setor em que a freada no crescimento do crédito foi particularmente intensa é o de aquisição de veículos, que foi visado pelo governo nas medidas macroprudenciais do fim de 2010 - quando o objetivo era esfriar o consumo por causa das pressões inflacionárias.
Com um saldo de R$ 176,5 bilhões, o crédito para compra de veículos representa um terço dos empréstimos à pessoa física (excluindo cooperativas e leasing). Para o crescimento do PIB, é um segmento estratégico, dado o impacto do setor automobilístico e de suas cadeias produtivas na economia.
Recorde. Com as medidas macroprudenciais, a média diária de concessões de crédito para a aquisição de veículos despencou de R$ 541 milhões em novembro de 2010 para R$ 382 milhões em janeiro de 2011. A partir daí, a média oscilou, mas em fevereiro de 2012 caiu para R$ 380,8 milhões, abaixo do nível subsequente às medidas macroprudenciais.
"O movimento das concessões casa muito bem com o da venda de veículos, porque 60% é com crédito", comenta Kawall. Ele nota que o BC relaxou um pouco, em meados do segundo semestre de 2011, o aperto introduzido no fim de 2010.
No crédito para a aquisição de veículos, a taxa de inadimplência de 5,4% em fevereiro é recorde dos últimos anos, superando o máximo atingido durante o auge da crise global, de 5,5% em junho de 2009. A inadimplência nessa carteira cresceu em todos os meses desde dezembro de 2010, quando estava em 2,5%.
A inadimplência do conjunto dos empréstimos à pessoa física subiu de 5,7% em dezembro de 2010 para 7,6% em fevereiro.