O jornalista Cristiano Romero escreve extenso artigo, abaixo, hoje, no Valor Econômico, defendendo que houve uma mudança de política econômica. Estaríamos agora sob a égide de uma nova política econômica, diferente, bem diferente, das outras.
Eu não discordo e vinha em outros posts, até antes das eleições, chamando a atenção para isso. Contudo ouso achra que há muito mais aqui, pois, da forma como percebo, não se trata de uma “nova” política econômica, mas apenas a confirmação de uma linha de pensamento nacional-desenvolvimentista, finalmente consagrada na instalação de uma Economia Política do Desenvolvimento. É assim, Economias Políticas quando no poder, pedem Políticas Econômicas específicas de dêem curso franco às suas propostas.
A importância da aliança com as Elites
De alguma forma a base política que forçou a reestruturação do poder com o fim do autoritarismo civil-militar iniciado em 1964 foi ampla o suficiente para forçar um recuo do pensamento nacional-desenvolvimentista em sua forma de intervencionismo estatal mais básica. Instalou-se no período uma forte aversão aos papéis do Estado na política e na economia enquanto único decisor, único executor e única instituição capaz de produzir um estilo de crescimento voltado para o bem comum e não para grupos. A consciência não apenas do papel da sociedade civil, mas também da iniciativa privada, vulgarmente “o mercado” no processo de desenvolvimento começa a tomar forma e a se transmutar em instituições como o Orçamento Participativo ou as Oscips ou os diversos Conselhos. É o início do ciclo pejorativamente denominado de “neo-liberal”, mas na realidade é o início de uma grande ciclo de negociações entre a Elite e os segmentos emergentes na política, estruturados e testados durante a repressão.
O novo sindicalismo, construídos sobre os escombros do sindicalismo comunista destruído pela repressão e desorientado pela devastação ideológica, deu à luz ao novo partido. Novo mesmo e diametralmente oposto aos partidos tradicionais de esquerda que existiam naquele momento. É o pragmatismo da Elite sindicalista somado aos remanescentes da luta armada, vindos de uma experiência traumática de tentativa de chegar ao poder pela violência, e lastreados por diversos outsiders da política tradicional de esquerda, que consideravam finalmente haver encontrado seu lugar no fazer política institucional, que vai dar uma poderosa liga capaz de pavimentar o caminho para a Presidência. Nossas características históricas jogam na presidência de república o centro do poder no Estado. Entre nós nenhum projeto de poder institucional se consolidada sem o acesso à presidência.
Posteriormente muitos desses outsiders iriam se dar conta do uso manipulatório e refazer as suas avaliações, mas o fato é que o pragmatismo uniu sindicalistas e ex-militantes da luta armada na visão de que era preciso chegar ao poder, mesmo que passasse por pactuações com as antigas Elites que sustentaram a repressão. Com efeito 64 foi o auge do nosso conflito distributivo e a Elite posicionou-se claramente pelo golpe como forma de interromper o processo e evitar a partilha do poder. Os anos de repressão e seu insucesso mostraram para essas Elites que a repressão só iria piorar a disputa pelo poder e colocar em risco seu espaço. Sendo assim, vão-se os anéis e fiquem os dedos.
O casamento da elite sindical com a Elite política foi cimentado pelas práticas neo-patriminialistas, disfarçadas de “ampliação da base de votos”. Processo extremamente facilitado pelo Presidencialismo brasileiro de raízes verticalizantes e hegemonista, traços bastante consolidados em nossa cultura política.
Essa casamento também foi viabilizado pelo forte movimento de baixo para cima, com base em todo um elenco de esperanças de retomada da questão distributiva que culminou no formato da Constituição de 88 e que acabou colocando o PT no poder. Uma vez lá o pragmatismo mostrou os caminhos de negociação e hoje, mesmo em um ambiente instável nos termos dos embates internos da Coalizão, há uma consolidação concreta.
Surge uma nova Economia Política
Enfim, é agora ou nunca a hora de terminar o ciclo neo-liberal e consolidar a visão nacional-desenvolvimentista. Não são poucos os textos de autores mais à esquerda ligados à Coalizão Vencedora nessa linha de raciocínio. Essa consolidação vai se dar por meio de uma Economia Política completamente diferente da mistura contraditória que formou e conformou a Política Econômica da Estabilidade. Agora, se sentem fortes o suficiente para assumir as conseqüências de aplicar uma cultura presente em nosso pensamento econômico nos últimos 70 anos. E é bom anotar que é esta raiz ancestral e comum que confunde o jogo e é capaz de colocar no mesmo projeto Dilma e Serra, como vimos recentemente na questão da imposição, muito mal disfarçada e com direito à “manifestação popular” e recepção no Palácio, de corte da taxa Selic ao BC.
A economia política do pensamento nacional-desenvolvimentista coloca no centro a questão distributivista. Não é acaso o discurso feito por Dilma na abertura da Assembléia Geral da ONU onde coloca como centro do projeto de desenvolvimento o combate à pobreza e como centro da política de direitos humanos o fim da desigualdade.
O pensamento nacional-desenvolvimentista tem tipicidades bem definidas:
- É um pensamento do século 20, portanto a resolução das questões está na economia e não na política. A política é o espaço para chegar ao poder. Uma vez lá a execução do projeto é econômica. Não é diferente da lógica do socialismo Real;
- A sociedade civil existe para franquear o acesso ao poder. A economia privada para gerar os recursos necessários ao projeto do Estado. É o Estado a única instituição capaz de gerar o desenvolvimento e é o agente público a criatura perfeita para garantir o bem comum dos mais pobres;
- A sociedade é composta apenas pelas Elites e o povo. O povo basicamente é composto pelos mais pobres. A sociedade entre as Elites e os mais pobres tem a mesma dívida moral que as Elites e deve igualmente para essa dívida. Mesmo que isso implique numa carga de tributação desproporcional ao resultado das política públicas.
A relação entre a política econômica e a economia política
Nesse sentido a política econômica que satisfaz a Economia Política do nacional-desenvolvimentismo tem regras bem definidas:
A política monetária existe para atender a política fiscal. Como instituição o Banco Central não pode ser um espaço de diálogo entre o Mercado e o Estado, mas sim um espaço de restrições do Estado sobre o mercado.
A política fiscal é de soma. Jamais de subtrações. Um bom exemplo é a fala de Dilma num evento da ONU sobre saúde ao propor uma “flexibilização” das patentes na área de saúde. Fala logo interpretada como ruptura de acordo de patentes, o que obrigou os nossos diplomatas a inúmeros desmentidos. A se notar que em momento algum falou-se em algo bem mais simples e viável: Reduzir tributos. Nessa economia política o gasto é um poderoso instrumento de garantia de permanência no poder e sobrevivência.
A meta de crescimento
É evidente que as leis econômicas e os princípios de finanças públicas não mudam apenas pela vontade, mesmo que Mantega tenha âncias de controlar a Selic por decreto executivo.
Faz parte do projeto de poder colher louros dos resultados do recente crescimento da economia brasileira, traduzido não apenas em emprego, mas também em maior capacidade de gasto estatal em políticas sociais de redução da pobreza. Todo o problema de engenharia agora é saber como manter essas dezenas de milhares de família que subiram ao longo da estratificação de renda.
É bastante óbvio, e não é necessário muita pesquisa, que há uma fragilidade básica na conjugação de renda pública e facilidades de acesso ao crédito pessoal. Empilhar famílias em estratos mai elevados de renda e consumo não dá a elas a condição de lá permanecer se não houver crescimento. Nada menos leal do que o eleitor que perde acesso ao consumo ou perde renda. Isso quando o FMI reduz a expectativa de crescimento da economia brasileira para algo abaixo de 3,8% esse ano.
Sendo assim tem todo o sentido fixar uma meta de crescimento e transformar os objetivos da política econômica. Nessa leitura um Estado poupador ou um Estado focado na estabilidade dos preços não serve. É isso e por isso que a política econômica precisa mudar.
A inflação
Enfim quem se assusta com a inflação?
Segundo Mantega a variação da banda é justamente para variar. Se encosta no teto da banda ou fica um pouco acima de forma consistente durante um bom período os ares do futuro informam que logo irá baixar. Então, o governo não se assusta e aposta que logo as coisas voltam ao normal, quer dizer lá para 2013 a inflação retorna ao centro da meta. Daqui até lá alguma inflação é tolerável como um resíduo. Já que o governo continuará consistentemente a aplicar suas políticas de combate à pobreza etc. Certo, que Deus escute esse cidadão...
Esses segmentos mais pobres estão amparados pela indexação do salário mínimo. Os sindicatos se sentem fortes o suficiente para arrancar do patronato, inclusive os governos nos três níveis federativos, compensações pela inflação desobediente.
Do ponto de vista das Elites a inflação só assusta quando leva no caminho da crise ou de conflitos sociais mais fortes. Fora isso a inflação acaba sendo benéfica para as Elites, pois historicamente sabemos que há tendência ao aumento da concentração de renda e elevação nos ganhos das Elites.
Na medida em que as empresas ainda tenham “gorduras” para queimar na remuneração dos trabalhadores e o Estado recursos para manter seus gastos, a inflação não é exatamente um problema. Contudo a equação só fecha se houve um crescimento em níveis mais elevados. Daí o Delfin ter saído na frente e, muitos meses atrás, ter falando em 4% ou até 3,5%.
Quem pode não ficar muito confortável é a classe média urbana que não está empregada no governo ou em empresas consorciadas ao governo. Mas ele precisa se contentar em pagar sua dívida histórica com o “povo”.
A grande maldade
Até aqui maravilha, mas a grande maldade dessa defesa estatal dos mais pobres é a carga tributária brasileira violentamente regressiva. De cada real pago pelo governo aos mais pobres cerca de cinqüenta centavos volta na forma de carga tributária. Enfim, o ganho líquido das famílias é de R$ 0, 50 por real recebido. Relativamente são os maiores contribuintes do país.
Falta agora o PT cumprir seu programa e fazer como o Obama: Cobrar que os mais ricos paguem a sua dívida. Ai resta saber o que é que a Elite, confortavelmente instalada na Coalizão Vencedora irá achar.
Demetrio Carneiro
Uma nova política econômica
Por Cristiano Romero
O governo Dilma Rousseff opera, sem fazer alarde, mudanças no tripé de política econômica que vigora no Brasil desde 1999. Dois aspectos do tripé - o regime de metas para inflação e o câmbio flutuante - estão sendo flexibilizados. O terceiro pilar, a política fiscal, não mudou muito, mas o cumprimento da meta de superávit primário em 2012 e nos anos seguintes ainda é uma promessa.
Desde meados do ano passado, o Banco Central (BC) não consegue coordenar as expectativas de inflação dos agentes econômicos. Esses perceberam que a economia estava crescendo acima do potencial e gerando pressão inflacionária, agravada pelo aumento dos preços das commodities no mercado internacional. O BC, por razões político-eleitorais, adotou o discurso monocórdico de que a inflação, em algum momento, cederia. Não cedeu.
Em 2010, o Produto Interno Bruto (PIB) cresceu 7,5% e a inflação foi a 5,9%. Uma olhadela na série histórica recente de PIB e IPCA confirma um fato inegável: toda vez que o primeiro cresce acima de um determinado patamar, o segundo fica acima da meta inflacionária. Os números mostram que, quando a economia avança num ritmo superior a 4% ou 4,5% ao ano, o IPCA supera a meta oficial (de 4,5%).
Metas e câmbio flutuante estão sendo flexibilizados
Há de se considerar ainda que a inflação brasileira exibe uma persistência que desafia os teóricos. Mesmo em ano de recessão, como foi o de 2009 (PIB negativo de 0,64%), o IPCA se revelou saliente - 4,31%.
No regime de metas, quando as expectativas apontam inflação acima do alvo oficial, a autoridade monetária não consegue efetivamente levar o IPCA para o alvo. No início deste ano, as expectativas voltaram a piorar, o Banco Central elevou a taxa de juros, adotou medidas de contenção do crédito, mas optou por não derrubar o crescimento da economia a um nível que lhe permitisse conter a inflação. Ao agir dessa forma, assim como já havia feito em 2010, adiou para o ano seguinte a busca da meta.
No movimento mais recente, o BC inovou. Mesmo com a deterioração das expectativas, reduziu a taxa de juros, baseado na aposta de que a confusão lá fora atingirá o Brasil a ponto de cumprir o papel - de desaquecer a economia -, antes reservado à taxa de juros. As expectativas voltaram a piorar e, agora, apontam para o não cumprimento da meta, não apenas em 2011 e 2012, mas também em 2013, 2014 e 2015.
Dados do BC mostram que, na média, os agentes econômicos esperam inflação de 5,51% em 2012, 5,02% em 2013, 4,85% em 2014 e 4,73% em 2015. Quando se considera a mediana, os resultados melhoram um pouco, mas ainda são preocupantes - respectivamente, 5,50%, 4,80%, 4,50% e 4,50%. Se o cenário externo devastador não se confirmar, não demorará muito e o BC virá a público sinalizar que a perseguição à meta ficou para 2013.
Há uma novidade desagradável no momento atual do regime de metas. Pela primeira vez, desde 1999, o BC não se compromete com uma política efetiva de busca da meta de inflação. Isso pode ser dito de outra forma: pela primeira vez, os agentes não estão acreditando que o BC vá conseguir derrubar o IPCA.
Nos quase 12 anos do regime, o país enfrentou cinco momentos de pressão inflacionária. Em 1999, por causa da maxidesvalorização do real; em 2001, pelo inesperado apagão de energia; em 2002/2003, pela crise de confiança que se abateu sobre o Brasil; em 2008 e 2010/2011, pela aceleração do crescimento.
Em todos esses momentos, com exceção de 2010, o BC adotou política que convenceu os agentes que a inflação cairia nos meses e anos seguintes. Em apenas uma oportunidade, recorreu à prerrogativa de adoção da meta ajustada, mais alta que a original para os anos de 2003 e 2004. Não há mal algum no recurso a esse instrumento. Na prática, ele ajuda a suavizar os movimentos de juros em direção à meta e, o melhor, permite que o BC fique em sintonia com as expectativas.
O regime de câmbio flutuante também foi atenuado. Preocupado com o forte fluxo de capitais que ingressa no país, o governo adotou inúmeras medidas para taxar a entrada de "hot money" (recursos de curto prazo). Por causa dessas intervenções, o câmbio parou de flutuar - agora, sofre desvalorização mais acentuada que a de outras moedas, em grande medida por causa do aumento da aversão dos investidores a risco, mas também motivada pela surpresa da política monetária.
Na área fiscal, o governo ainda não disse como vai cumprir a meta cheia de superávit (3,1% do PIB) no próximo ano. Sinais contraditórios emitidos recentemente, como a decisão de contratar quase 55 mil funcionários públicos em 2012, tornam nebuloso o cenário fiscal, apontado pelo próprio governo como suporte fundamental para que o BC reduza a taxa de juros.
Especula-se nas ruas que Brasília caminha para a adoção de um modelo econômico mais parecido com o da Turquia ou o da Argentina, dois países que apresentam taxas elevadas de crescimento e inflação. Talvez, seja cedo para fazer essa afirmação, mas é certo que a política dos últimos anos mudou.