O texto abaixo é uma tradução livre de um post do Blog americano Naked Capitalism (leia o original em inglês), publicado no último 23 de agosto. Recentemente, em artigo publicado no “O Estado de São Paulo” e que comentei aqui no Alternativa Brasil, Pedro Malan afirma que uma das metas importantes para um novo governo seria uma abertura para o exterior não apenas comercial, mas também em muitas outras dimensões. O texto do Naked Capitalism é, de certa forma, uma demonstração forte deste argumento no que se refira a um debate que não temos: como este mundo está se configurando. Outra meta que ele apontou, mais como um alerta, foi sobre o papel dos países no jogo internacional. Neste caso ele aponta o fato de que o papel das nações no plano internacional está intrinsecamente ligado à sua condição objetiva, suas escolhas e opções e não apenas à sua vontade ou seu destino manifesto.
Houve todo um debate recente sobre este novo mundo e a importância das parcerias entre nações etc...Em diversas ocasiões vínhamos comentando que este jogo só daria certo se os maiores players, China e EUA, realmente estivessem interessados nele. Aqui temos um pedaço da resposta que mostra como esta questão pode ser muito mais complexa que as intenções ou sonhos. Aqui se confirma a velha máxima de geo-estratégia internacional ainda não bem assimilada pela política externa brasileira: Países não têm amigos, têm interesses.
Outra questão fica por conta da entrada da China no mercado de tecnologia verde. A primeira conclusão é que o Estado quando quer realmente faz. A segunda é que tudo são negócios, mesmo que internamente a questão ambiental não seja tão relevante assim. A terceira é que a China vem reorientando seus investimentos na direção da produção de tecnologia nova e vai abrindo uma alternativa à produção dedicada ao manufaturado de baixo preçoxbaixa qualidade. A quarta é que a mesma mão de obra barata pode servir para as duas coisas. A quinta e última fica por conta de uma complexa reorientação estratégica com vistas a substituir a parceria principal com americanos. Como se vê tem muito pano para manga neste debate, que promete ser complicado.
Apenas uma observação quanto ao termo “Euro-bashing”: É um termo utilizado em similaridade ao termo “Japan-bashing” criado pelos americanos quando japoneses pareciam intransigentes nas relações comerciais entre os dois países. Alguma coisa do tipo jogo duro da zona do euro.
Aproveitem.
Demetrio Carneiro
China lidera o mundo na energia verde
A idéia de que a China esteja à frente de qualquer coisa relacionada ao jogo de proteção ao meio ambiente provavelmente parecerá aos leitores uma ironia. Tendo em vista os relatórios da extensa poluição industrial, poluição atmosférica, numa escala que está mudando padrões climáticos, envenenamento por chumbo em larga escala, cádmio no solo. Como a Forbes comentou recentemente, “China: Onde o envenenamento das pessoas é quase gratuito”.
Havíamos comentado, em abril, que a China havia, já a algum tempo, decidido assumir a liderança em carros elétricos. Não só os EUA ficaram para trás na tecnologia de baterias como também acumulou-se know-how para trens elétricos:
Servomotores de alto torque são condição imprescindível para veículos elétricos.
A alta performance do torque é obtida através de ligas que utilizam “terras raras”. Em primeiro lugar ligas de Samário-Cobalto e Neodímio-Ferro-Boro. A GM chegou a ter uma participação majoritária na Magnaquench, empresa da Índia com experiência em materiais específicos e fabricação de imã. Decidiu, entretanto, que motores elétricos não se encaixam em suas competências essenciais.
Ambrose Evans-Pritchard do Telegraph diz que a China está tomando a dianteira em outras frentes da energia “verde”, ou seja, painéis solares e turbinas eólicas:
“A China está correndo atrás dos benefícios da tecnologia verde. Já conquistou um terço do mercado mundial de células solares e está num curso vertiginoso para prover 100 gigawatts de turbinas eólicas, até 2020, em vastas regiões do interior da Mongólia e Xinjiang, dobrando a capacidade mundial desta energia.”
Contudo e potencialmente mais importante, a China está na vanguarda da competitividade em preços:
“A Suntech Power, em Wuxi, acaba de quebrar o recorde mundial na captura de energia solar fotovoltaica, atingindo uma taxa de conversão de 15.6% com um módulo tipo comercial.
A Trina Solar está corpo-a-corpo com a America’s First Solar, a estrela do baixo custo, quebrando já a barreira do custo de um dólar por watt com um fino filme feito de Telureto de Cádmio.
A trinca chinesa Suntech, Trina e Yingling espera ter custos inferiores a 70 centavos de dólar por watt em 2010, alcançando a meta mágica da paridade com a grade do combustível fóssil.
O conceito de “grade de paridade” está sujeito a intenso debate, basicamente entorno de qual combustível – energia nuclear, petróleo, carvão ou energia renovável – conta com maior subsídio implícito e qual será o futuro preço do petróleo cru. A paridade já foi alcançada em lugares quentes. A planta de 10 megawatts da Fisrt Solar em Nevada pode produzir eletricidade, sem subsídios, a 7,5 centavos de dólar por kilowatt/hora, contra 9 centavos da energia fóssil.”
Entretanto estes avanços são verdadeiros ou são, também, resultado da moeda barata? Estes ganhos estão se dando em detrimento dos rivais europeus e, muitas vezes o Euro-bashing ( mais precisamente EU-bashing, mas esta diferença se perde às vezes ) Evans-Pritchard tem alguma simpatia declarar:
“Os pioneiros alemães Solarworld e Conergy alegam jogo sujo e clamaram por sanções da EU, acusando os rivais chineses de praticar um tipo de política de preços quase no limite do dumping. O Ministro das Finanças da China informou que pretende cobrir metade dos custos de investimento em energia solar. É um momento de vida-ou-morte para a indústria alemã voltada para a energia solar, pioneiros que geraram 75 mil empregos. “Um grande número de produtores de células solares e módulos solares não sobreviverá”, disse Patrick Hummed, da UBS.”
“A grosso modo as empresas chinesas podem estar 30% mais baratas que as alemãs. No fundo é um problema monetário. A China abriu uma enorme diferença em relação a Europa nos últimos anos ao conectar um Yuan desvalorizado a um dólar fraco. Enquanto Pequim derrama lágrimas de crocodilo sobre o dólar em queda, a situação é deliberadamente utilizada para proteger sua própria exportação. O qie está ocorrendo com as empresas de energia solar alemãs é um caso eu evidencia o poder corrosivo do desalinhamento de moedas.”
Se a economia global continuar com baixo desempenho as economias mais avançadas serão menos tolerantes à continuidade deste tipo de mercantilismo chinês. Todos conhecem os perigos do protecionismo, mas se a China continuar a agir “no limite” supondo que seus parceiros não farão muito para preservar o sistema, ela poderá apreender, no caso com um prejuízo coletivo, o custo de forçar a mão.