A matéria abaixo é interessante, mas acho que ela só captou o mais aparente.
Desde o início desse debate eleitoral ficou evidente que Serra fez a escolha de ser o “pós-Lula”. A fundamentação dos argumentos é largamente conhecida. Deu certo? Deu errado? Depende do copo de água estar meio cheio ou meio vazio.
De qualquer forma, claramente, o debate programático foi posto de lado e substituído por intervenções pontuais. O que eu venho chamando de “debate de partes”.
O debate de partes não é programático pela simples razão de que para sê-lo deveria partir da visão estratégica do programa para buscar a relação entre suas partes constituintes. Obviamente a visão estratégica é um segredo que pelo visto só Serra tem e não abre para ninguém.
Ai certamente está o cerne das dificuldades na economia. Campanha eleitoral é por natureza “econômica”, sem trocadilho. Se você dá o eixo central, a estratégia de construção do programa, não fica difícil esclarecer as amarrações e intenções. Se você sonega a informação, ai qualquer especulação é válida.
Em se tratando de um governo que já executa, bem ou mal, uma dada política, qualquer fala será referência à política já executada. Se for uma fala “crítica” irá denotar mudanças. Sem o eixo estratégico só quem saberá da mudança é quem fez a fala e o silêncio sempre será uma aceitação tácita das interpretações que circulam pelo ambiente.
Esse é o clima do momento. Se Serra tivesse referenciado sua fala econômica numa proposta estratégica provavelmente não estaria na saia justa que se encontra. Saia justa que só piorou quando Marina também foi fazer o circuito feito por Dilma e esteve papeando com investidores internacionais, mandando um claro sinal para o mercado.
Para não ficar embromando vamos colocar da seguinte forma: Estabeleço uma proposta estratégica – Outro projeto de desenvolvimento, já que o atual só nos conduzirá a outros ciclo de desenvolvimento medíocre, mantendo os atuais níveis de concentração de renda e a mesma dependência externa como exportadores de commodities etc.
Esse outro modelo “só funcionará bem” com um outro tipo de Estado fundado na coesão social – setor público, privado e sociedade civil. Para haver essa coesão é necessária uma profunda reforma “democrática/democratizante no sentido republicano” do Estado.
Da mesma forma só funcionará bem com “outra” macroeconomia que resolva de forma eficiente e estrutural, os “preços” fundamentais da economia : Taxa de juros. Que resolva a questão estruturalmente a questão cambial. Estando claro que há um problema de “competição” entre as políticas monetárias e fiscais fica evidente que é necessária a coordenação dessas políticas. Talvez eu possa “melhorar” o modelo e introduzir um sistema cruzado de Metas de Crescimento contra Metas de Inflação, usando o superávit Estrutural como “regulador” de ciclos, mudando institucionalmente a gestão dessas metas.
Também devo esclarecer que a Estabilidade Econômica continua sendo a base do modelo e que a proposta de alterações no Estado e na macroeconomia destina-se a fortalecer a sustentação de médio e longo prazo da proposta de Estabilidade.
Muito, bem, estabelecido isso, tudo que eu disser, por mais sintético que seja, estará encaixado no molde central.
É indolor. Não deveria incomodar. O problema são as escolhas e a escolha feita foi privilegiar um olhar voltado para a indústria. Muito lógico já que há uma forte base de indústria na região de maior densidade de Serra. Muito lógico que Serra fale, olhando para a indústria, contra as altas taxas de juros que dificultam os investimentos ou contra a apreciação cambial que afeta a exportação. O problema é que falando de forma telegráfica, sem contextualização, facilita a interpretação de uma expectativa que vai se criando.
Talvez Serra ache mais importante manter esse rumo. Talvez não dê a mínima para o Mercado, já que ele não tem tantos votos. Quem sabe? Se a gente sequer sabe o que ele realmente pensa sobre as questões mais amplas, o núcleo aglutinador do programa, como a gente vai poder querer saber sobre os detalhes?
Vai dar certo?
Vamos aguardar outubro. Já está na esquina.
De qualquer forma não é um debate pequeno. A matéria abaixo, da Reuters, repercutiu nos principais órgãos da mída brasileira. Convenhamos que não é exatamente uma mídia positiva nessa altura do campeonato.
Demetrio Carneiro
Fonte: Estadão
O tucano José Serra iniciou sua campanha pela Presidência do país como o preferido dos mercados financeiros, mas suas últimas declarações contundentes sobre política econômica estão gerando dúvidas em muitos investidores.
Alguns investidores e especialistas políticos disseram que estão mais cautelosos sobre Serra do que sobre sua principal rival, Dilma Rousseff (PT). Serra, 68 anos, político veterano do PSDB, tem preocupado sobre Banco Central, juros e um maior papel do Estado na economia.
A aparente mudança na confiança causa uma reviravolta no senso comum relacionado à corrida presidencial, e pode mexer nos mercados de câmbio e de títulos se Serra permanecer forte nas pesquisas à medida que a eleição se aproximar, disseram investidores.
"O sistema financeiro secretamente prefere a Dilma", disse Tony Volpon, chefe de pesquisa de mercados emergentes da Nomura Securities em Nova York.
Em muitos quesitos, Serra deveria ser o preferido do investidor. Ele ostenta um doutorado em economia pela Cornell University, uma vasta experiência no Executivo e um partido que realizou privatizações e reformas pró-mercado no governo de Fernando Henrique Cardoso (1995-2002).
Dilma, por outro lado, funcionária pública de carreira, já foi guerrilheira e nunca foi eleita a um cargo público.
Ela, porém, abriu seu caminho para conseguir o apoio de investidores ao se distanciar de algumas propostas mais esquerdistas do PT. Dilma também prometeu continuar com políticas do presidente Luiz Inácio Lula da Silva que agradam os mercados e que ajudaram a impulsionar a economia nos últimos anos.
"Nenhum dos candidatos é o sonho de Wall Street, mas Serra é o maior risco. Ele traz mais incerteza e possibilidade de mudança", disse Alexandre Barros, analista político que acompanha Serra desde que os dois eram ativistas estudantis em São Paulo, em 1962.
Xico Graziano, assessor de Serra, tentou amenizar as preocupações dos investidores: "Os investidores conhecem as qualidades do Serra e o modo dele entender a economia, não é segredo para ninguém."
NERVOSISMO NO MERCADO?
Até agora, poucos investidores se preocuparam com as eleições de 3 de outubro, descartando qualquer um dos principais candidatos como populistas que ameacem a estabilidade econômica.
Mas esse sentimento de calma está em risco com a proximidade da eleição e a articulação mais clara dos candidatos sobre suas propostas e programas.
Serra disse nesta semana que as taxas de juros precisam ser reduzidas e que o real está "megavalorizado".
"Com o Serra há preocupação com as taxas de juros e câmbio, embora eu pense que ele seria mais rígido na disciplina fiscal do que a Dilma", disse Reginaldo Alexandre, diretor da Abamec (Associação Brasileira dos Analistas do Mercado de Capitais) em São Paulo.
Dilma tem conseguido avanços nas pesquisas de intenção de voto, apoiada pelo crescimento da economia e pela alta taxa de aprovação de Lula, embora não tenha chegado a uma liderança clara.
"O mercado não precificou o risco de Serra porque ele acha que a Dilma vai vencer", disse Rafael Cortez, analista político da consultoria Tendências.
Se a petista não estabelecer uma vantagem sólida sobre Serra em agosto, Volpon disse que "pode haver movimentos violentos (do mercado), especialmente na taxa de câmbio".
PAPEL DO ESTADO
Serra também deu sinais mistos sobre o papel do Estado na economia. Ele criticou a criação de uma nova companhia estatal e o uso de recursos do Estado para o trem-bala, e prometeu restaurar os poderes das agências reguladoras.
Mas também elogiou as medidas de estímulo econômico de Lula e propôs mais desenvolvimento liderado pelo Estado.
"Defendo um projeto de desenvolvimento nacional para o Brasil, o ativismo governamental", disse Serra.
Apesar de querer cortar os excessos do governo, Serra também quer dobrar o Bolsa Família de Lula, criticado durante anos por muitos de seus partidários.
Alguns analistas dizem que as posições variadas refletem sua estratégia de campanha. Ele pretende ser visto como uma mudança, mas não quer abandonar as políticas que tornaram Lula popular.
"A Dilma diz ao mercado o que ele quer ouvir. A mensagem de Serra é mais política, porque ele precisa ganhar votos", disse Dany Rappaport, sócio da consultoria financeira InvestPort.
Mas Serra tem um histórico de intervenção governamental e é ligado à escola de pensamento que defende planejamento econômico, Estado forte, controles de capital e substituição de importações.
Como ministro do Planejamento, ele peitou a ala pró-mercado do governo Fernando Henrique e foi transferido ao Ministério da Saúde. Lá, ele fez a gigante farmacêutica suíça Roche diminuir os preços sob ameaça de quebrar a patente da empresa.
"Suas propostas refletem suas crenças --não é propaganda. Mas, de qualquer forma, isso gera incerteza", disse Barros.