quarta-feira, 21 de outubro de 2009

A Cama do Corno (Violência)

Por algum motivo misterioso se convencionou, no Brasil, que o criminoso é um pobre coitado. Preso nas castas inferiores da sociedade capitalista consumista opressora, esse coitadinho não tem alternativa se não roubar, matar, estuprar, traficar etc.
Existem alguns problemas com essa idéia.
1o) diferente da Índia, nosso país não é uma nação de castas. Contrariando a idéia, nada fundamentada, de alguns “entendidos”, a mobilidade social é algo factível e constante em nossa história e vários crimes tratados com benesse por nossas leis, defendidas por hipócritas, não tem relação alguma com classe social ou desenvolvimento econômico, alguns exemplos banais são: estupro, latrocínio, torturar o seqüestrado etc (se alguém duvidar, há vasta literatura empírica sobre o assunto)
2o) vários outros países do mundo são tão pobres quanto o Brasil, mas não apresentam o nível de caos violento presente em nossa sociedade. De fato, apenas países em guerra alcançam uma relação mortes violentas/100.000 habitantes igual a nossa.
3o) sociedade capitalista consumista opressora é a mãe! Oprimido é quem está a mercê de traficantes e das milícias. Isso não tem nenhuma relação com livre iniciativa, livre comércio e liberdade individual, de fato isso ataca frontalmente TODOS os principais valores defendidos por TODA filosofia liberal. Num país com tributação regressiva, onde se demora três meses para se abrir e 12 para se fechar uma empresa, com o governo abocanhando 37% do PIB em impostos e contribuições que, junto com a regulação, leis, decretos e segmentações, permite ao Estado determinar a alocação de ao menos 50% do PIB, falar em culpa do capitalismo é coisa de ANALFABETO.
Vejamos alguns fatos estilizados:
O Brasil é o 101o país mais “rico” do mundo, o brasileiro médio é 300 dólares mais pobre que o habitante mundial médio. A África do Sul é o 102o país mais “rico” do planeta. Sérvia, Cazaquistão, Turquia, Irã, Botzwana, Líbia, Argentina e Uruguai são mais ricos que o Brasil. Dominica, Monte Negro, Cuba, Coréia do Norte, China, Índia e Azerbajão são exemplos de países mais pobres.
É nessa hora que alguém argumenta: “não, somos um dos 10 países mais ricos do mundo e a China é o verdadeiro motor do planeta... seu difamador capitalista comedor de criancinhas gripento”. Bem, por essa lógica a Rocinha é mais rica que a Urca, ou a Ceilândia é mais rica que o Lago Sul (creio não serem necessários mais argumentos).
Voltando ao assunto, o Brasil é o 10o país mais desigual do planeta. Piores que nós só: Namíbia, África do Sul, Lesoto, Botswana, Serra Leoa, República Centro Africana, Bolívia, Haiti e Paraguai. Logo a baixo de nós estão: Bósnia Herzegovina, Panamá, Guatemala, Chile, Colômbia, Honduras e Hong Kong.
Agora alguns falarão: “-tá vendo, olha a desigualdade aí... é isso que provoca a violência!”
Será?! O Chile é apenas 3,28% menos desigual que o Brasil e não é tão mais rico assim. Enquanto a renda per capita do Brasil é de 21,48% da renda per capita americana, a do Chile é 31,7%. No entanto, o Chile é muito menos violento que o Brasil. A África do Sul não só é mais pobre como é mais desigual (cerca de 14,63% pior que o Brasil).
Uma observação interessante, os números não suportam a idéia de que o Capitalismo concentra mais renda que o Comunismo, como exemplo peguemos os dois principais representantes de ambos os regimes: Estados Unidos e China. Enquanto a renda per capita do chinês é apenas 12,77% da americana, a China é 4,5% mais desigual.
Segundo o Índice Global da Paz, Vison of Humanity, o Brasil é o 85o país “menos” violento do mundo, numa lista de 144 países. O Uruguai é o 25 o, Paraguai 73o, China 74 o, EUA 83 o, Jamaica 102 o, México 108 o, Venezuela 120 o, Rússia 136o. Como o índice contabiliza gastos militares, provavelmente subestima as posições da China e dos EUA.
De qualquer forma, contrapor esse índice aos indicadores sociais dos países mostra que o argumento comum de “ladrão pela opressão da sociedade injusta” não resiste aos fatos.
É óbvio que a violência é um fenômeno social, mas dessa conclusão à “tadinho, é bandido por ser oprimido pelo consumo” há uma distância maior do que a da Terra à Vulcano (o planeta do Spok). A violência que vivemos hoje é fruto de nossas relapsas e corruptas instituições que ensinam ser melhor roubar do que trabalhar. Reduzir a desigualdade não reduzirá a violência no Brasil, infelizmente o tipo de relação que muitos tentam construir não sobrevive à realidade dos dados, mas apenas em contos de fada que servem para justificar gastos públicos ineficientes.
Mas qual será a saída, endurecer a legislação? Em alguns casos talvez. Porém, no Brasil, muito cuidado deve ser tomado ao se optar por essa linha. A autoridade, que já detém recursos, deve primeiro fazer seu trabalho.
Esse ponto me leva a um exemplo recente, a Lei Seca. Essa lei é um exemplo de como endurecer a legislação pode levar pessoas de bem a interpretações erradas e, conseqüentemente, reduzir a capacidade de responsabilização dos eleitores. Antes da nova Lei, simplesmente não havia fiscalização, em 10 anos de habilitação nunca havia sido parado em blitz equipada com bafômetro. Isso nos leva ao seguinte ponto, será que as punições originalmente previstas no Código de Trânsito não eram suficientes?
Ao endurecer a legislação e só então iniciar a fiscalização, a autoridade manipulou os fatos. É possível que não fosse a falta de instrumentos legais, mas a má vontade do poder público, casada à deturpadas doutrinas de responsabilidade para com o outro, a responsável pela elevada taxa de acidentes. Ao casar o endurecimento da pena com ao início da fiscalização, a autoridade escondeu sua própria incompetência.
O que nos leva ao judiciário. Segundo pesquisa da FGV, encomendada pelo governo, o judiciário brasileiro tem o maior orçamento, em termos relativos ao PIB, do mundo e o segundo maior em termos absolutos, perde apenas para a Itália. O Juiz Federal de 1a instância brasileiro, controladas as diferenças, só não é melhor remunerado que seu par canadense (lembrem, o Brasil é o 1010 país mais “rico” do mundo, o Canadá, que é rico mesmo, é o 14o).
Bem, as causas da violência e da impunidade são um longo e penoso debate. Tentarei postar, em breve, minha idéia sobre o que motiva a impunidade no Brasil. Já deixo claro que, pelos dados que postei, não acredito que a violência que vivemos hoje tenha alguma relação, efetivamente considerável (ou seja, cai se as coisas mudarem), com: desigualdade, pobreza, capitalismo, falta de verba para justiça e coisas do tipo.
Para quem não entendeu o título, é uma homenagem aos que criticaram o jornalista americano que não disse nada além da verdade sobre o Rio de Janeiro. Rejeitar a verdade dita por ele pelo simples fato dele ser americano é prova de racismo e burrice, típica do cara que, ao flagrar a mulher com outro na cama, queima a cama, verdadeira culpada pela traição.

Abs

José Carneiro