segunda-feira, 31 de janeiro de 2011

O BRASIL, EUA, CHINA E ÍNDIA: DESIGUALDADE DE RENDA COMPARADA


O gráfico acima veio um post no Marginal Revolution. Foi retirado em uma indicação de outro blog, Economix, do livro de Branko Milanovic: The Haves and Have Nots.Mas também está presente numa apresentação do mesmo autor sobre a Índia e a China.

No eixo horizontal está a participação da população local na renda interna do país em grupos de renda, desde os primeiros 5%, os 5% mais pobre até os 5% do topo, ou 5% mais ricos. Esses intervalos de 5% entre classes denomidado “ventile”. A renda interna é transformada em dólares pelo poder de paridade de compra. Nos dizeres de Caterhine Rampell dessa forma é feito um ajuste que equivale os custos de vida dos diversos países, criando um padrão comum entre os países considerados.

No eixo vertical a distribuição de renda mundial.

O cruzamento dos dados fornece uma posição equivalente entre os países considerados, relacionando o “ventile” e a renda.

As curvas trazem dados bem interessantes:

Os americanos mais pobres, os primeiros 5%, são mais ricos que 50% dos brasileiros, 70% dos chineses e quase 90% dos habitantes da Índia.

Os 5% mais pobre do Brasil estão em companhia dos 5% mais pobres da China e da Índia, mas os 5% mais ricos estão em companhia dos 5% mais ricos nos EUA.

Quer dizer, comparando Brasil, China e Índia, apenas para ficar por ai, nossa distribuição de renda é, de longe, a pior de todas.

Enfim, nada mais sensato do que questionar o atual projeto nacional.

Demetrio Carneiro

PPA E LDO REVELARÃO VERDADEIRO GOVERNO DILMA?

O “esperamos” ai de baixo, já no fechamento, vai por conta de haver total descolamento entre as peças orçamentárias e a gestão concreta.
Lula mesmo nunca deu a menor pelota para o PPA, a não ser no ato demagógico de chamar as instituições da sociedade civil para participarem da elaboração de seu primeiro PPA.
Já Dilma é filha justamente da total alteração do segundo PPA, quando o pai da nação decidiu que era melhor relegar para segundo plano a questão da educação e trazer para o topo o PAC e, automaticamente, sua rainha. Não confundir com o PAC do Battisti, por favor.

Infelizmente até aqui a “nova” Dilma não deu as caras. Continuamos com a antiga gerentona imersa em seu ambiente rotineiro.
Aqui e ali soam sinais de mudanças, política internacional e, aparentemente, seu estilo de produção, que só o tempo dirá se realmente vieram para se efetivar.
O passivo, negativo, dos atos concretos – Belomonte, uso indevido, mais uma vez, do Fundo Garantidor de Crédito, acordos de ocupação da máquina – ainda é maior.

De qualquer forma é bom mesmo acompanhar a elaboração do PPA (2012/2016) e verificar como se configurará lá a (esperança de) estratégia de gestão.
Também será interessante avaliar como o próximo ano, de eleições municipais que pedem recursos, por conta do que estará na LDO 2012, a ser apresentada ao distinto público em breve.

Demetrio Carneiro



Fonte: Congresso em foco

"Somente a partir dos 100 primeiros dias de gestão, que coincide com a elaboração do PPA e da LDO, é que se conhece realmente o DNA do novo Governo. Dilma até poderá manter a equipe, mas certamente modificará as prioridades"
Antônio Augusto de Queiroz*
As promessas de campanha, o programa de Governo, os discursos de posse e os primeiros atos e medidas do Poder Executivo dão dicas importantes sobre a gestão Dilma Rousseff, mas o verdadeiro DNA de seu Governo será conhecido com o envio ao Congresso até 15 de abril de 2011 do Plano Prurianual (PPA), para o quadriênio 2012 a 2015, e a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) para 2012, em fase de elaboração no Ministério do Planejamento e na Casa Civil da Presidência da República.
O PPA, espécie de planejamento de médio prazo, traça o cenário para os próximos quatro anos, com definição, diretrizes e orientações gerais para as macropoliticas governamentais nas áreas social, econômica e administrativa do Governo brasileiro, entre outras. E a LDO, com metas concretas para o ano seguinte, define a política de gasto e orienta o processo de elaboração do Orçamento, priorizando a alocação dos sempre escassos recursos públicos.
Essas duas peças orçamentárias dirão muito sobre o que será o Governo Dilma Rousseff, além de sinalizar as pretensões da presidenta com vistas a 2014. Dilma, por seu perfil, não é dada a promessas vagas, sem reais condições de realização. Logo, o PPA e a sua primeira LDO tendem a ser implementados, daí a importância do acompanhamento da formulação e a necessidade de uma leitura minuciosa desses instrumentos de definição de políticas públicas.
Como é comum nos Governos de continuidade, o primeiro ano de gestão do (a) novo (a) presidente não apenas herda o orçamento apresentado pelo Governo anterior, como é fortemente influenciado por ele na formação de equipes e na tomada de decisões que foram pactuadas entre o (a) candidato (a) e o então presidente, tanto no período eleitoral quanto no momento da transição.

Assim, somente a partir dos 100 primeiros dias de gestão, que coincide com a elaboração do PPA e da LDO, é que se conhece realmente o DNA do novo Governo. Dilma até poderá manter a equipe, mas certamente modificará as prioridades, dando sua marca ao Governo a partir do 2º ano. Esperamos.

domingo, 30 de janeiro de 2011

DILEMAS DA OPOSIÇÃO III: A AVALIAÇÃO DO GOVERNO DILMA

O que vem primeiro? O ovo ou a galinha.

Há duas formas possíveis de fazer um debate de avaliação do governo Dilma. O se parte da conjuntura e se deduz tudo a partir dela ou se parte um olhar fundado na questão programática e, usando, ai sim, a conjuntura, se faz a avaliação.

Na primeira ficamos nas questões conjunturais e com base em nossos princípios (Que seriam quais? A ética?) fazemos projeções para o nosso futuro. O complemento seria “ser cuidadoso” e ir avaliando item por item o que presta e o que não presta. O que apoiamos e o que não apoiamos. Em 100 entre 100 tentativas este estilo de debate termina ou no completo antagonismo do nada presta e tudo fede ou, no lado inverso, na mais simples adesão fisiológica. Corremos o risco de uma oposição situacionista.
Depois de oito anos na seca e com perspectiva de mais quatro ou oito a oposição está mais para achar valores ocultos e inimaginados em Dilma do que para exercer a alegre e rejuvenescedora atividade do bate-bate.
O forte apelo do auto-reajuste, incontestado e resignadamente aceito por todos, dos parlamentares, do belíssimo reajuste do Fundo Partidário mostram bem com o que estamos lidando e como uma análise baseada apenas em conjuntura pode ser adequada.

Uma outra opção pode ser partir de uma proposta programática e avaliar o desempenho do governo Dilma a partir daí, ai sim usando os instrumentos de análise conjuntural.

Os exemplos possíveis são muitos:

Na questão ambiental a Belomonte ou a inexistência de propostas concretas quanto à Nova Economia.
Na questão das reformas o “alto custo” de fazer as reformas mais importantes.
Na questão da Estabilidade a resistência no ajuste fiscal e todas as consequências resultantes.
Na questão da equidade a inexistência de propostas concretas para além do assistencialismo.

E ai por diante. A lista pode ser muito grande, mas o que pode ou não “aproximar” mais ou menos a oposição do governo terão que ser os parâmetros programáticos e não os pragmáticos. Do contrário vamos estar sempre patinando e, no fundo, bem lá no fundo, mesmo que não se admita, contando com um governo desastroso para buscar a alternância de poder.

Claro que esse segundo viés depende da percepção de que haja um programa possível. Aqueles que acham que os episódios do passado eliminam o futuro e qualquer projeto possível de fato ou que nossa capacidade de inovar nas proposta ou na ação política estão eliminados terão enormes dificuldades de entender ou mesmos aceitar que sequer exista uma questão programática. Ai, de fato, só resta a "operação" da política pelo referencial do oportunismo. Aliás, o referencial que "deu certo" e elegeu o PT. Talvez por isto muito já não vejam muita dificuldade em "se aproximar" do viés petista. 

Seja como for, não termina ai. Avaliar o governo Dilma envolverá, também em principalmente, fazer o que a oposição se recusou a fazer durante todos os anos anteriores a campanha de 2010: Discutir um programa e pô-lo à prova no debate público, sendo capaz de apresentar proposições que contraponham o que parecer incorreto ou mal formulado.
Isto exige uma coisa chamada “capacidade-de-resposta-articulada-e-fundamentada”.
A oposição tem essas partes em diversos níveis, mas é incapaz de juntar as peças a produzir ação e jogar o jogo verdadeiro.

Por isto mesmo está perplexa e procurando, já agora, a bóia de salvação em 2014.
Será o Aécio? Será o Alckmin? Mas e se o Lula voltar? E se Dilma fizer um bom governo? Normalmente a teoria da bóia “esquece” prudentemente as duas últimas possibilidades.

No final isso implica em atropelar as eleições de 2012 e, desde já, fornecer todas as desculpas para o mais simples fisiologismo.

Demetrio Carneiro

EXPERIÊNCIA SOCIALISTA LIBERAL NA CHINA?

Nossa relação com a China é de amor, quando importam nossas commodities, e ódio, quando importamos seus industrializados. Nenhuma novidade para nós. É o que fazemos desde que Cabral aportou por aqui. Antigamente eram consideradas relações de troca desfavoráveis e se gastou energia organizando e participando de manifestações contra a nossa acentuada dependência externa. Hoje a complexidade/cumplicidade da situação atual silencia os mais afoitos. Não há mais passeatas.

Dela, a China, o que conhecemos é quase nada. Aliás, quase nada sabemos ou debatemos sobre o resto do mundo e não apenas a China. O “modelo” chinês tem seus defensores e alguns almejam que um dia sejamos a China da vez, como outros já almejaram que fôssemos a URSS da vez ou os EUA da vez. Eu, pessoalmente, sempre mantive a esperança de que, um dia, venhamos a ser apenas o Brasil que soube entender a sua oportunidade e usá-la.

De qualquer forma parece que a China não costuma dormir no berço esplêndido e muitas coisas vão acontecendo por lá. É um país de fortes desafios. Mas qual país neste mundo atual não tem fortes desafios? O principal, e eles o percebem de forma muito clara, é absorver para as vantagens de um processo de desenvolvimento mais equitativo toda a sua imensa população. Para aqueles entre nós que acham que o Bolsa-Família não encerrou o problema o desafio é o mesmo.

O texto que lida com a questão da existência de um socialismo liberal na China se reporta a este desafio. Lida com isso de forma esperançosa. Da mesma forma, em contraponto, o texto do The Economist trata do assunto, mas por uma perspectiva mais crítica e menos esperançosa. Onde está mesmo a realidade e quem força a mão nos tons é da competência de cada qual escolher.

São dois textos longos com uma enorme carga de informações. Muitas, acredito, serão novidade, como esse debate envolvendo o conceito de “socialismo de mercado” ou mesmo o debate entre a Nova Esquerda e os segmentos liberais mais “conservadores” O tema será fortemente polêmico. Principalmente para uma esquerda como a brasileira que jamais aprofundou o debate sobre um socialismo em moldes locais, por favor, sem essa do "socialismo moreno-corrupto" do Brizola, e continua, no século 19, presa aos dogmas gerados num outro contexto de história, pensamento capaz de se satisfazer hoje com as migalhas do reducionismo nacional-desenvolvimentista, não vendo alternativas válidas para o futuro. Lembrando ainda que o termo “liberal” não tem necessariamente a conotação de “obra do satã” ou “aliados dos rentistas” dada por alguns entre nós. Liberal, enfim, não é palavrão.

Com a faca e o queijo nas mãos o “socialismo” petista aparentemente se sente melhor experimentando formas de fisiologismo ao contrário de outras formas de relação de produção. Não por acaso, quando no Congresso em Foco, em uma matéria que anuncia a milésima investigação da “Fundação” Sarney, nos comentários, num verdadeiro ato falho, uma inflamada militante petista gasta diversas linhas elogiando Dilma e o governo partidário. É uma relação tão profunda que chega a ser inconsciente...
Entre nós as experiências participativas são burocrático-cooptativas e nosso experimentalismo é o da hegemonização.

Num texto que escrevi sobre o socialismo como utopia a maioria absoluta das entradas têm origem fora do Brasil, Portugal. É uma pista sobre o quanto o assunto nos preocupa.

De qualquer forma ai está uma proposta disposta a discutir não a partição da renda, mas a possibilidade de haver uma propriedade “social” eficiente, também para o trabalho, e competitiva em termos de mercado. O caminho apontado é o trabalho cooperativado. Não tanto empresas públicas, mas empresas do público? Anualmente investimos uma quantidade razoável de recursos em diversas estruturas de formação e desenvolvimento de trabalho cooperativado. O que nos difere exatamente? Além, claro, do exorbitante custo financeiro brasileiro. Porque lá isso pode ser visto como um importante experimento e aqui é apenas um recurso de mídia e não faz parte do debate?

O texto sobre o socialismo liberal, para aqueles que já não decretaram o fim do debate, como tem sido muito comum, trás outros debates interessantes como:
* O do uso consciente dos recursos gerados pelas empresas públicas para reduzir a carga tributária sobre a sociedade – aqui entre nós quem debate o uso dos recursos da Petrobras, por exemplo, com essa finalidade. Aliás, quanto lucro as empresas públicas geram no Brasil e para onde exatamente ele vai?
* Passa pela questão da descentralização administrativa e experimentação, num modelo de “localização” que hoje é inviável entre nós dada a acachapante dominação do executivo central.
*E ainda defende a tese de que as empresas privadas e públicas são complementares e não substitutivas ou não concorrentes.

Há uma boa agenda ai. Envolvendo questões concretas. Quem se arrisca?

Demetrio Carneiro

Um Modelo de Socialismo Liberal Na China, Emilie Frenkiel, tradução


MIGRAÇÃO NA CHINA: OS GRILHÕES INVISÍVEIS E PESADOS, TRADUÇÃO

sexta-feira, 28 de janeiro de 2011

EFICIÊNCIA ENERGÉTICA

Um estudo mostra que a orientação dos prédios em relação à trajetória do sol pode reduzir o consumo de energia em três quartos.

É um conceito bem elementar denominado de “boas práticas” de eficiência energética, desenvolvido por alunos da Universidade de Cambridge. Especificamente se refere às construções em regiões frias. 

Tendo em vista que essas regiões são as maiores consumidoras de todo tipo de energia e, principalmente, as fósseis...


Demetrio Carneiro

AVALIANDO O GOVERNO DILMA 1

Primeiro mês, diversas avaliações estão em curso.

Vou arriscar a minha:
O grande vencedor do debate econômico foi Serra. Afinal foi ele, durante a campanha, quem de fato ressaltou a importância de coordenar as políticas econômicas a partir da lógica nacional-desenvolvimentista.

Quer dizer, não se trata bem de subordinar a política monetária à política fiscal pura e simplesmente, como gostaria Mantega. É um ponto acima, algo mais sofisticado, onde ambas as políticas devem se adequar convenientemente ao projeto final. O “alargamento”, não da capacidade de variação da banda, mas o de fato, cobrando tolerância maior com a inflação ou o faz-desfaz das promessas de superávit são consequências da necessidade principal de manter o projeto. Assim, a economia é meio que moldada a essas necessidades. Não é outra a lógica que fechou as contas do superávit do ano passado incorporando as latas de óleo enterradas a alguns quilômetros de profundidade no leito do oceano. Haja esperança!

Pior para o Banco Central, nomeado único guardião possível da Política de Estabilidade, que todos detestam, mas, não tendo como dela se livrar, acabam burlando.
Tombini em Davos dá ao banco uma dupla responsabilidade, inflação e câmbio, como se manter apenas a primeira, sem qualquer condição de coordenação real com o lado do gasto pelo gasto, fosse moleza. Tudo bem, a palavra da vez é coordenação mesmo. Caberá ao BC que já paga os pecados da política fiscal, pagar agora os pecados da política cambial. Vamos lá. O santo deles é forte.

Demetrio Carneiro

quinta-feira, 27 de janeiro de 2011

BELOMONTE: “PROGRESSO” A TODO CUSTO...QUALQUER UM?

A ser verdade que o presidente interino do IBAMA colocou nas mãos da turma da Belomonte uma licença ambiental, para desmatamento de 240 hetectares, não prevista em lei, não é só na questão fiscal que o governo Dilma vai se complicando.

Belomonte está sendo imposta mais ou menos goela a baixo. Tem relevância construir a usina? Certamente tem e há, de fato, uma conta que não irá fechar no abastecimento energético muito em breve. Dilma, que lidou com o tema deve saber bem disso.

Agora, um empreendimento desse porte não deve estar deixando de cumprir as demandas do órgão ambiental por falta de recursos, de pessoal ou de interesse. Interessados estão é em forçar a barra de todas as formas.

O que haverá então de tão complicado nesse projeto que se torna necessário o desrespeito fragrante da lei, logo num governo que mal começou?
Como a presidente é a especialista no pedaço só resta que ela mesma venha público dizer exatamente qual a razão para a exceção legal. É o que dá quando a gente beija a bandeira...é à nação que se está servindo.

Demetrio Carneiro

quarta-feira, 26 de janeiro de 2011

UM DEBATE SOBRE A PRÁTICA POLÍTICA NA INTERNET E DEMOCRACIA

O texto abaixo é uma tradução livre retirada do La vie des Idées. De autoria de Dominique Cardon trata com bastante propriedade e profundidade da prática política na internet, no seu sentido mais conceitual, buscando e referenciado fartamente, diversos fundamentos importantes para algum debate mais sério.

Pessoalmente tenho meus receios do quanto um debate superficial, voltado para as questões conjunturais, de uso dos instrumentos, abandonando o debate conceitual, que possa, ele o debate superficial, conduzir não à política enquanto elemento de libertação e de direito à liberdade, mas sim à mais óbvia manupulação da imposição da "nossa verdade", frente à "verdade do outro". Mais uma manipulação, dessa vez em nome das práticas políticas "modernas", em substituição às estruturas partidárias que se apresentam vencidas e, entre nós, essencialmente fisiológicas.

Demetrio Carneiro

VIRTUDES DEMOCRÁTICAS DA INTERNET, POR DOMINIQUE CARDON, TRADUÇÃO

O CRASH DO DÓLAR , AS AÇÕES PONTUAIS DAS NAÇÕES: ECONOMIA VERDE É PARA DEPOIS.

O Tony havia falado lá no início da crise, num texto de 2009, sobre necessidade de mudança dos paradigmas de produção & consumo na economia mundial. O discurso de Obama, de ontem, é a aceitação da necessidade de inversão desses paradigmas. Ou, pelo menos, é uma inversão controlada pelo contexto político e social interno.

O State of the Nation de Obama reconheceu explicitamente a decadência do império americano e soa como um clássico discurso desenvolvimentista, mais comum entre emergentes. O governo americano não tem se furtado a promover ações que vão na direção de defender seus interesses e entre elas está a depreciação do dólar como instrumento de defesa, barateando as exportações e encarecendo as importações. Lá trás o buy America já tinha anunciado para onde as coisas caminhavam.

Seria uma ação muito natural partindo de uma país que quer superar todas as suas dificuldades em meio à problemas, como a questão das hipotecas, quase que insolúveis. Em se tratando de um país cuja moeda é referência do comércio internacional a coisa complica muito, pois quando os americanos depreciam sua moeda complicam de forma apreciável a vida dos países que têm na exportação uma atividade importante. Os que, como nós, exportam commodities ainda podem se beneficiar, por enquanto, da bolha especulativa. Os que, como o Japão ou segmentos internos brasileiros da indústria armada para exportação, dependem da exportação de industrializados têm e terão problemas. O primeiro ministro japonês já fala abertamente em medidas do Banco Central para conter a apreciação da moeda nacional.

É o Trilema de Rodrik em ação. Fica muito difícil alinhar interesses nacionais e comunidade internacional, sob a pressão política interna dos eleitores.

Estamos vivendo um período de reordenação que vai mais além do que a emergência de um mundo multipolar. O mundo multipolar é a consequência do desmonte do modelo bipolar que iniciou com a dissolução do bloco socialista. A competição entre os blocos foi um poderoso motor de crescimento do lado do bloco ocidental. Encerrada a fase competitiva a necessidade de ampliação da reprodução do capital gerou as bolhas especulativas alimentadas pelo consumismo levado ao seu limite. Enquanto a política de competição de blocos tinha um quê de estabilidade econômica no longo prazo, a produção de bolhas especulativas é um modelo instável, muito semelhante às bolhas de sabão: Crescem, se multiplicando rapidamente em ações laterais até o estouro.
Comparando a estabilidade do mundo bipolar com o mundo das bolhas e da transição é fácil entender que um personagem do peso de Eric Hobsbawm tenha considerado como melhor época do capitalismo justamente o período pós-guerra.

A feição real deste mundo ainda não está clara. Por enquanto estamos, ainda, na fase do “cada-um-por-sí-e-deus-por-todos”.
Também não está claro qual será o “novo motor” do crescimento mundial. Tempos atrás parecia que as questões mais diretas de sobrevivência da humanidade e o desafio do aquecimento global iram colocar em evidência a nova economia, a “economia verde” e que nela estariam os elementos de constituição do novo motor. Contudo o modelo atual, naturalmente, resiste e o discurso de Obama mostra isso bem claro. É esta a ficha que ainda não caiu.

Demetrio Carneiro

STATE OF THE UNION: O IMPÉRIO CONTRA-ATACA

Em matéria no Haffington Post – O que Obama não mencionou - comentando o discurso do presidente americano, o State of the Union, os articulistas criticam o presidente americano por falar da mudança do mundo, fala da decadência americana, que envolve fábricas e lojas fechadas, perda de empregos, mas não falar da crise da classe média americana, das casas perdidas por conta da inadimplência – “No ano passado, um milhão de famílias americanas perderam suas casas”. Também é criticado por não falar do aquecimento global.

Já com mais de 31 comentários à matéria que aborda a fala, a maioria são negativos e o primeiro coloca Obama como um agente dos mais ricos. De modo geral, concordando com os articulistas. Tanto questionam a ausência da questão das hipotecas, como a ausência de um posicionamento sobre a questão do aquecimento global. 
Outro tema presente nas preocupações, mas ausente do discurso foi o controle de armas, mostrando que o lobby continua muito forte.

Obama pareceu disposto a entender que o problema das hipotecas só se resolve com a geração de empregos. Em desespero a classe média imagina que perderá suas casas bem antes de ter renda suficiente para resolver seus problemas hipotecários. De fato há permanece um diferencial entre o que as casas valem e o que se deve por conta das hipotécas. Dai a crítica que o acusa de defender os interesses dos mais ricos, ou sejam, os detentores das hipotecas.

De outro lado Obama também parece disposto a adotar uma estratégia claramente desenvolvimentista pensada a partir dos atuais paradigmas. O significado é simples: Os atuais paradigmas é que geraram as questões do aquecimento global. Não dá para falar em desenvolvimentismo clássico – carros & estradas, no exemplo mais radical – e falar em luta contra o aquecimento global.
Bom registrar que, face ao nível de consumo dos páises desenvolvidos, muitos ambientalistas falam em defender o chamado “crescimento zero”. O presidente americano certamente não concorda.

Logo no início da crise a chanceler alemã, Angela Merkel, falava que os problemas da recuperação econômica poderiam colocar as questões ambientais em segundo plano.

O concreto é o fato de nem Obama e nem seus críticos estarem muito dispostos a discutir a questão do conceito de consumo levado ao limite e suas bolhas associadas, que começaram toda esta confusão por lá.

Demetrio Carneiro

Texto completo da matéria do HF, em inglês: What Obama Doesn't Mention

terça-feira, 25 de janeiro de 2011

ACCOUNTABILITY: CHAMADA DE TRABALHOS

Volta e meia falo sobre essa questões de Controle Social / da sociedade & Responsabilização. Falo também de sua quase inexistência aqui entre nós.
Abaixo uma chamada para apresentação de trabalhos na área.

Demetrio Carneiro


In this era of social media, rapidly expanding access to a variety of information outlets, greater activism by civil society groups, and a greater demand for results, public sector accountability has grown beyond the traditional institutions that exercised oversight of public expenditure. While auditors and legislative oversight continue to play a key role, anyone with the ability to create or read a blog can be part of the growing intertwined mechanisms to hold government accountable for how it spends public funds and what outcomes result.

The International Consortium on Governmental Financial Management (ICGFM) has issued a call for speakers, panel members, and presentations to be made at its 25th Annual International Conference which will be held in Miami from May 15-20. The theme of the conference will be: Achieving Real Accountability: A Balancing Act Among Stakeholders.

Examples of themes that might be the subject of proposals include:

How citizens can effectively communicate with government on spending priorities
How governments are employing new mechanisms to create both transparency and feedback
How a responsible media plays a vital role in accountability
How donors are using greater transparency to allow for greater freedom in the use of their resources
An expert panel will review all proposals and select the most pertinent and thought-provoking of them for inclusion in the conference program. A stipend will be provided toward travel expenses of the selected presenters. PFM professionals wishing to submit proposals can seek more information at icgfm.proposals@icgfm.org . The deadline for submission is February 24, 2011.

It is intended that the participants in the conference and those who follow the published proceedings will gain tools and insights that can be used as they consider the adoption of international standards in their PFM regime. The conference organizers are seeking both examples of a successful adoption of standards as well as lessons learned and examples of unintended consequences and challenges encountered in adopting international standards.

The ICGFM is a non-profit group established in the 1960s by the IMF, World Bank, the US General Accounting Office and others to serve as forum for those interested in public financial management around the world, and to serve as an umbrella for government, academia, practitioners, individuals, and other associations interested in public financial management. The organization has a number of activities including a monthly lunch speaker series in Washington, DC, an annual conference in Miami and a somewhat smaller winter conference in Washington, DC. It also publishes the International Journal on Public Financial Management.

segunda-feira, 24 de janeiro de 2011

BRASIL: PARA O BANCO CENTRAL NÃO HÁ MUITAS ALTERNATIVAS QUE SEJAM BOAS

por Tony Volpon

Nossa expectativa é de que as taxas de juros subam por volta de 150bp, provavelmente com incrementos de 50 pb, mas com algum risco de aceleração na reunião do Copom de março. Devido às expectativas de inflação mais elevada, devido à alta dos preços internacionais nos próximos meses, imaginamos agora a inflação fechando em 5,25% este ano.

O novo governo de Dilma Rousseff, teve um começo difícil. Mesmo antes da posse, o Governo foi confrontado com duas tarefas imediatas: Como reagir à guerra de moedas, que significa que constante apreciação do BRL foi priorizada pelo governo e como ajustar as políticas expansionistas do governo, após o boom de um ano eleitoral, no que se refira aos gastos e empréstimos.

Como já havíamos escrito em agosto passado (ver Os primeiros "100 dias" de Dilma, 25  ago  2010), se o novo governo continuasse as políticas da administração Lula acabaria por, eventualmente, fracassar. Embora as ações governamentais de Lula possam ter sido politicamente populares, elas eram economicamente insustentáveis: A partir de 2008 os gastos do governo central, já ajustados pela inflação, subiram 11,5% anuais; a partir de 2008 o salário mínimo real aumentou 11,9% e osos desembolsos, já corrigidos da inflação, do banco de fomento estatal BNDES aumentaram 72,8%, de janeiro de 2009 à novembro de 2010. E isto aconteceu quando preços de exportação do Brasil em relação aos preços de importação subiram 17%, fornecendo outro forte impulso à demanda agregada.

Todos esses forte estimuladores de demanda geraram resultados previsíveis: O crescimento do PIB deve fechar numa média de 7,5% em 2010, a inflação subiu para 5,91% em 2010 contra 4,31% em 2009, com aumento das importações de 40,9% em 2010. Por diversas métricas, a economia do Brasil fechou 2010 superaquecida.

Ordem errada de prioridades

Apesar de o presidente Lula nunca ter admitido que as políticas implementadas no ano passado fossem de natureza eleitoral, o novo governo colocou o aperto fiscal como uma das suas principais prioridades. No entanto, tem havido uma evidente falta de urgência em anunciar novas medidas fiscais, não houve mudanças no Ministério da Fazenda, que ainda é dirigida por Guido Mantega e o novo governo teve um período de transição de dois meses. Embora o governo tenha corretamente apontado que os cortes fiscais são complicados para planejar e executar, em face da crescente e esperada, inflação corrente, o que denota mais tempo para realizá-los, o pior resultado é o mais provável de acontecer.

Não havia falta de urgência no combate ao que o ministro Mantega apelidou como “guerra cambial”. Um turbilhão de novas iniciativas, incluindo o retorno das operações de swap cambial através da emissão de moeda que claramente tiveram efeito sobre o nível da taxa de câmbio nominal. Com a moeda apreciando mais de 40%, em termos reais, desde de 2008, pensamos que o governo está correto em se preocupar. Com o aumento das importações de mais de 40% em 2010, o Brasil certamente prestou uma forte contribuição para a retomada global.

O governo alega que é “vencedor”. Em nossa opinião é, duplamente, prematuro e incorreto (Ver: Who is losing the currency war., 04 jan 2011). O sucesso do governo em conter a apreciação nominal do real não tem sido acompanhado pela desaceleração da apreciação da moeda, nem, como nós esperaríamos ver esta semana, da contenção das taxas de juro.

Trabalhando um modelo de R$ contra a relação entre preços de importação e exportação (Figura 1), o real poderia ter chegado em torno de R$ 1,57 recentemente, se o governo não houvesse feito pesadas intervenções.

Figura 1. USD/BRL invertida: modelo versus atual




Pensamos que o governo deu uma ênfase incorreta à guerra de moedas, frente à necessidade de detalhar as restrições fiscais, colocando, novamente, o Banco Central numa situação difícil. A falta de uma clara âncora fiscal, juntamente com uma mistura de alta dos preços internacionais das commodities (o CRB, Índice de gêneros alimentícios, é de 16,6% desde o início de dezembro) e uma taxa de câmbio estável (R$ apreciou apenas 1,76% no mesmo período), irão testar severamente o novo presidente do Banco Central, Alexandre Tombini.

A primeira vítima da guerra de moedas: A inflação

Pensamos que o tamanho do desafio será dimensionado pela atual perspectivas de inflação, especialmente porque a inflação corrente é o principal motor da expectativas de inflação (Ver: Who‘s afraid of inflation expectations? Global Weekly Economic Monitor, 19 nov 2010). No relatório sobre a inflação de dezembro do Banco Central as previsões do mercado (que inclui as expectativas do mercado para as taxas de juros e de câmbio, e assim já têm em consideração as expectativas sobre a Selic) mostra a inflação em 5,7% para o primeiro trimestre. Dado que a inflação fechou em 5,91%, a previsão do BCB seria realizado se a inflação nos três meses de janeiro a março fosse igual a 1,86%, ou 0,61% ao mês, em média. Qual é a probabilidade do que está previsto ser realizado?

Não muito altas, infelizmente. A combinação entre uma taxa de câmbio mais fraca e os preços das commodities pode provocar um forte choque de inflação no curto prazo. Tentamos medir o tamanho desse risco através da previsão do IPCA de janeiro a março, utilizando dois modelos distintos (Figura 2). O primeiro é um modelo puro de séries temporais, usando dados da inflação real e da expectativa de inflação. O segundo modelo aborda especificamente o impacto da recente subida dos preços internacionais das commodities sobre os preços locais dos alimentos (Ver:  Food inflation déjà vu., Global Weekly Economic Monitor ,19 nov 2010) , assumindo que a alta de preços, que não seja de alimentos, permanecerá na sua média para 2010, em 4,75%, face ao ano anterior (uma suposição um tanto conservadora dada a sazonalidade da inflação nesta época do ano). Também calculamos o impacto que estes dados podem ter sobre a inflação 12 meses à frente na expectativa de inflação .

Figura 2. As previsões para o IPCA do Brasil, 1Q 2011



mês
Modelo 1- percentuais
Modelo 2 - percentuais

anual            mensal     exp. 12 m.                            
anual            mensal      exp. 12 m.       
Janeiro
5,85        0,67         5,47
6,04        0,87          5,47
Fevereiro
5,91        0,84         5,46
6,47        1,20          5,57
Março
6,29        0,87         5,56        
6,86        0,89          5,67
                 
Nota: A expectativa de 12 meses de janeiro tem por base a Pesquisa Focus de dezembro. As de fevereiro e março são projetadas. 

Como os dados mostram há um risco substancial de ocorrer uma inflação muito acima do esperado nos próximos meses, incluindo o risco de uma substancial aceleração em fevereiro, com o IPCA mensal acima de 1%, bem como o risco de ter inflação anual ultrapassar o topo da atual banda de metas de inflação (6,5%). Notem que não trouxemos para o modelo o impacto das recentes chuvas sazonais que destruíram partes do país e deixaram muitos mortos, o que pode gerar um resultado ainda pior. Diante desses riscos, o que o Banco Central faz?

As conseqüências do Real com flutuação controlada

O Banco Central tem poucas boas escolhas possíveis. Há pouco que possa fazer com relação ao choque de inflação que vai chegando, mas não fazer nada não é uma opção dada a necessidade de responder (se não impedir) o impacto que isso terá sobre as expectativas de inflação.

Figura 3. função de resposta ao impulso : IPCA em relação a mudanças na Selic e R$


Achamos que a resposta certa, infelizmente, é o que o governo parece ter-se retirado da mesa – permitindo o real apreciar.Chegamos à essa conclusão através do cálculo de um modelo VAR (vetor auto-regressivo) para o IPCA e de seus diferentes componentes e calculando a Função de Resposta ao Impulso que informa como a inflação se comportaria em resposta a um choque no desvio-padrão da Selic e do Real.(Figura 3 e 4).

Figura 4. Função de resposta ao impulso: IPCA em relação a mudanças na Selic e R$




                     Selic
                      Real
Itens
Peso
 %
Mudança ocorrida %
Mês
Mudança Ocorrida
%
Mês
IPCA
100
0,39
7
0,26
8
Preços livres
71
0,28
6
0,19
6
Preços administr.
29
0,75
7
0,44
8
Comercializáveis
38
0,15
6
-0,06
11
Não Comercial.
33
0,37
7
0,37
6
Não Duráveis
29
0,66
9
0,35
5
Semi Duráveis
9
0,11
5
0,06
3
Duráveis
9
0,25
4
0,10
6
Serviços
23
0,11
11
-0,09
12
Alimentos
23
0,79
9
0,34
5





















Nota: A tabela mostra a variação máxima, anual, da taxa de inflação provocada por uma mudança no desvio-padrão dos resíduos da variável média. As respostas aos impulsos são calculadas usando a transformação de Cholesky . Para o modelo apenas com apenas IPCA, impulso para a Selic = 61bp, impulso para o R$ = 3,72%.

Fonte: Bloomberg, Nomura Research.

Notamos que a resposta positiva da inflação a níveis mais altos de Selic é uma versão do “quebra-cabeça de preços”- price puzzle - observado pela primeira vez em dados dos EUA pelo economista Christopher Sims(1). Pensamos que a explicação mais provável é que frente a uma previsão de aumento da inflação, o Banco Central elevou Selic, mas não o suficiente para compensar o completo choque ex-post da inflação, gerando empiricamente uma correlação positiva entre a Selic e a inflação.

Quebra cabeça de preços à parte, o real recebeu um forte impacto da inflação global (com uma queda do desvio-padrão na taxa de câmbio que teve seu máximo impacto oito meses após a redução do IPCA em 0,26%).Mas, mais importante, achamos que o real teve um rápido e relativamente grande impacto na inflação dos comercializáveis (0,37%) e na inflação dos preços dos alimentos (0,34%), os choques atuais.


O regime do novo governo em matéria de política, no contexto da guerra moeda, parece ter substituído os mecanismos de ajuste da taxa de câmbio, agora certamente “gerenciada” e não uma flutuação “suja”, acrescentando instrumentos macro prudenciais e coordenação entre as diferentes políticas. Considerando esta política, nós pensamos que o governo de Dilma está sendo influenciado pela abordagem chinesa da política econômica (Ver: What will Dilma do? Look to China, 23 nov 2010). Embora nós não vejamos esta mudança de política como necessariamente pior que a “pura”, do regime de metas de inflação, adotada durante a Presidência do Sr. Lula, nós pensamos que este um não é um bom momento para executar essa mudança. Em nossa opinião, a melhor resposta para o presente choque teria sido uma taxa de câmbio mais apreciada.

Várias escolhas ruins

O choque de inflação futura é provavelmente pouco afetado por qualquer resposta de política macroeconômica, mas não fazer nada não é uma opção devido ao dano provável para a credibilidade do Banco Central. Como esta é a primeira reunião do Copom com um novo presidente e chefe do Banco Central, também é importante fazer algo, tendo em vista a necessidade constante dos novos presidentes do Banco Central, “provarem” que eles podem subir taxas (Lembrando que Armínio Fraga e Henrique Meirelles subiram as taxas em seus primeiros encontros).

Embora a necessidade de reafirmar a credibilidade e ancorar as expectativas sejam importantes, nós pensamos que a melhor resposta política ao atual desequilíbrio estrutural entre oferta e demanda na economia brasileira não são taxas altas, mas a inversão do jogo nas políticas fiscal, de crédito e salarial, que são as políticas que criara esta situação, em primeiro lugar.

No atual regime, o Banco Central enfrenta dois riscos. O primeiro, menos provável, mas ainda assim relevante, é que a combinação de política monetária mais apertada, políticas fiscal, de crédito e salarial também apertadas e ainda políticas macro-prudenciais, poderiam causar uma queda prejudicial no crescimento deste ano. Isto é especialmente verdade dada a incerteza considerável do impacto final dessas políticas, em comparação com o uso dos “clássicos” instrumentos de política monetária. Quando “somadas” o provável impacto dessas diferentes políticas não pode ser muito preciso tendo em vista como medidas diferentes podem interagir. As estimativas de mercado coletadas pelo Banco Central mostram que as recentes medidas macro prudenciais são iguais a um aumento de 75 bp na Selic, enquanto o aumento de 1% no superávit do PIB (que se acredita factível) é igual a algo como um aumento de 100bp na Selic. Se a isto for adicionado um aumento de 240bp na Selic, atualmente previsto pelo mercado de futuros, calculamos que se teria uma Selic “efetiva” de quase 15%, nível capaz de gerar uma grave lesão no crescimento.

O outro risco é que uma resposta insuficiente de políticas por parte do governo levará Brasil a mais um ano de fechamento de inflação acima da meta por uma larga margem, como é atualmente esperado pelo mercado ( A pesquisa Focus da última semana aponta inflação de 5,42% no final de 2011). Isto poderia levar a uma “mexicanização” do regime monetário, com a inflação e a expectativa de inflação quase sempre acima do centro da meta.

Em um regime onde uma coordenação efetiva entre as diferentes políticas é o novo paradigma, acreditamos que os relevantes riscos econômicos e as restrições políticas irão gerar a seguinte resposta:

1. O Banco Central deverá aumentar as taxas em incrementos de 50 pb, acrescentando à mistura mais medidas macro prudenciais. Um maior aumento, além do previsto, na reunião de março é uma “resposta” à muito provável alta do IPCA de fevereiro, não podendo ser descartada;

2. Lateralmente, com relação ao ritmo de subida das taxas, acreditamos que há muito pouco risco em que o aumento total das taxas de juro vá superar em muito os já indicados 150bp (conforme a previsão do mercado no Relatório de Inflação dezembro), justamente porque o Banco Central, e o governo, vão querer evitar uma “adição” aos riscos do aperto no uso das políticas monetária, creditícia e fiscal (Especialmente esta última começando a ter mais restrições ao longo do ano). Dadas as relevantes defasagens e incertezas, nós pensamos que a melhor resposta do BCB é “ir devagar” e avaliar a reação da economia e a condição de outras políticas governamentais contribuírem para diminuir a demanda agregada.

Apesar de acreditarmos que esta resposta é duplamente provável e ótima num novo regime de políticas coordenadas, a reação inicial do mercado pode ser bastante negativa. Primeiro, porque nem o governo nem o Banco Central encontraram uma clara e articulada maneira de comunicar o novo regime. Isso leva a uma resposta do mercado com relação a aparente contradição de que, por de lado, o Banco Central tenha de fato vontade “fazer o que for preciso” para cumprir as suas metas de inflação e, portanto, seu mandato, com os preços de mercado em um forte ritmo de crescimento das taxas (e por isso, neste caso, que o Banco Central é visto como “interessado” no aumento das taxas de juros com relação à inflação) e, do outro lado, o mercado não prevê a convergência para a meta (e por isso aqui o Banco Central é tratado como sendo muito dócil).

Para solucionar este persistente problema, o Banco Central deveria, esperamos, fazer duas das seguintes coisas em termos de capacidade de comunicação: Primeiro, achamos que deve discutir claramente qual será sua reação ao próximo e possível choque de inflação; Em segundo lugar, esperamos que ele forneça uma descrição mais detalhada da discussão de como estima a contribuição das diferentes respostas políticas à sua previsão de inflação, ajudando o mercado a compreender os riscos associados com a extensão dos problemas “adicionados”.

Em resumo, esperamos que as taxas de juros venham a subir por volta de150bp durante este ciclo, provavelmente com incrementos de 50bp, mas com algum risco de aceleração na reunião do Copom de março. Dadas as expectativas de um aumento acentuado inflação ao longo dos próximos meses, imaginamos agora a inflação fechando em 5,25% este ano, apesar de esperar uma forte tendência de queda em junho, altura em que, esperamos, que o choque atual de inflação tenha passado.

(1): Para uma síntese desta questão ver Nathan Balke, Kenneth Emery, "Understanding the Price Puzzle", Federal Reserve Bank of Dallas, Q4 1994