por Tony Volpon
Nossa expectativa é de que as taxas de juros subam por volta de 150bp, provavelmente com incrementos de 50 pb, mas com algum risco de aceleração na reunião do Copom de março. Devido às expectativas de inflação mais elevada, devido à alta dos preços internacionais nos próximos meses, imaginamos agora a inflação fechando em 5,25% este ano.
O novo governo de Dilma Rousseff, teve um começo difícil. Mesmo antes da posse, o Governo foi confrontado com duas tarefas imediatas: Como reagir à guerra de moedas, que significa que constante apreciação do BRL foi priorizada pelo governo e como ajustar as políticas expansionistas do governo, após o boom de um ano eleitoral, no que se refira aos gastos e empréstimos.
Como já havíamos escrito em agosto passado (ver Os primeiros "100 dias" de Dilma, 25 ago 2010), se o novo governo continuasse as políticas da administração Lula acabaria por, eventualmente, fracassar. Embora as ações governamentais de Lula possam ter sido politicamente populares, elas eram economicamente insustentáveis: A partir de 2008 os gastos do governo central, já ajustados pela inflação, subiram 11,5% anuais; a partir de 2008 o salário mínimo real aumentou 11,9% e osos desembolsos, já corrigidos da inflação, do banco de fomento estatal BNDES aumentaram 72,8%, de janeiro de 2009 à novembro de 2010. E isto aconteceu quando preços de exportação do Brasil em relação aos preços de importação subiram 17%, fornecendo outro forte impulso à demanda agregada.
Todos esses forte estimuladores de demanda geraram resultados previsíveis: O crescimento do PIB deve fechar numa média de 7,5% em 2010, a inflação subiu para 5,91% em 2010 contra 4,31% em 2009, com aumento das importações de 40,9% em 2010. Por diversas métricas, a economia do Brasil fechou 2010 superaquecida.
Ordem errada de prioridades
Apesar de o presidente Lula nunca ter admitido que as políticas implementadas no ano passado fossem de natureza eleitoral, o novo governo colocou o aperto fiscal como uma das suas principais prioridades. No entanto, tem havido uma evidente falta de urgência em anunciar novas medidas fiscais, não houve mudanças no Ministério da Fazenda, que ainda é dirigida por Guido Mantega e o novo governo teve um período de transição de dois meses. Embora o governo tenha corretamente apontado que os cortes fiscais são complicados para planejar e executar, em face da crescente e esperada, inflação corrente, o que denota mais tempo para realizá-los, o pior resultado é o mais provável de acontecer.
Não havia falta de urgência no combate ao que o ministro Mantega apelidou como “guerra cambial”. Um turbilhão de novas iniciativas, incluindo o retorno das operações de swap cambial através da emissão de moeda que claramente tiveram efeito sobre o nível da taxa de câmbio nominal. Com a moeda apreciando mais de 40%, em termos reais, desde de 2008, pensamos que o governo está correto em se preocupar. Com o aumento das importações de mais de 40% em 2010, o Brasil certamente prestou uma forte contribuição para a retomada global.
O governo alega que é “vencedor”. Em nossa opinião é, duplamente, prematuro e incorreto (Ver: Who is losing the currency war., 04 jan 2011). O sucesso do governo em conter a apreciação nominal do real não tem sido acompanhado pela desaceleração da apreciação da moeda, nem, como nós esperaríamos ver esta semana, da contenção das taxas de juro.
Trabalhando um modelo de R$ contra a relação entre preços de importação e exportação (Figura 1), o real poderia ter chegado em torno de R$ 1,57 recentemente, se o governo não houvesse feito pesadas intervenções.
Figura 1. USD/BRL invertida: modelo versus atual
Pensamos que o governo deu uma ênfase incorreta à guerra de moedas, frente à necessidade de detalhar as restrições fiscais, colocando, novamente, o Banco Central numa situação difícil. A falta de uma clara âncora fiscal, juntamente com uma mistura de alta dos preços internacionais das commodities (o CRB, Índice de gêneros alimentícios, é de 16,6% desde o início de dezembro) e uma taxa de câmbio estável (R$ apreciou apenas 1,76% no mesmo período), irão testar severamente o novo presidente do Banco Central, Alexandre Tombini.
A primeira vítima da guerra de moedas: A inflação
Pensamos que o tamanho do desafio será dimensionado pela atual perspectivas de inflação, especialmente porque a inflação corrente é o principal motor da expectativas de inflação (Ver: Who‘s afraid of inflation expectations? Global Weekly Economic Monitor, 19 nov 2010). No relatório sobre a inflação de dezembro do Banco Central as previsões do mercado (que inclui as expectativas do mercado para as taxas de juros e de câmbio, e assim já têm em consideração as expectativas sobre a Selic) mostra a inflação em 5,7% para o primeiro trimestre. Dado que a inflação fechou em 5,91%, a previsão do BCB seria realizado se a inflação nos três meses de janeiro a março fosse igual a 1,86%, ou 0,61% ao mês, em média. Qual é a probabilidade do que está previsto ser realizado?
Não muito altas, infelizmente. A combinação entre uma taxa de câmbio mais fraca e os preços das commodities pode provocar um forte choque de inflação no curto prazo. Tentamos medir o tamanho desse risco através da previsão do IPCA de janeiro a março, utilizando dois modelos distintos (Figura 2). O primeiro é um modelo puro de séries temporais, usando dados da inflação real e da expectativa de inflação. O segundo modelo aborda especificamente o impacto da recente subida dos preços internacionais das commodities sobre os preços locais dos alimentos (Ver: Food inflation déjà vu., Global Weekly Economic Monitor ,19 nov 2010) , assumindo que a alta de preços, que não seja de alimentos, permanecerá na sua média para 2010, em 4,75%, face ao ano anterior (uma suposição um tanto conservadora dada a sazonalidade da inflação nesta época do ano). Também calculamos o impacto que estes dados podem ter sobre a inflação 12 meses à frente na expectativa de inflação .
Figura 2. As previsões para o IPCA do Brasil, 1Q 2011
mês | Modelo 1- percentuais | Modelo 2 - percentuais |
| anual mensal exp. 12 m. | anual mensal exp. 12 m. |
Janeiro | 5,85 0,67 5,47 | 6,04 0,87 5,47 |
Fevereiro | 5,91 0,84 5,46 | 6,47 1,20 5,57 |
Março | 6,29 0,87 5,56 | 6,86 0,89 5,67 |
Nota: A expectativa de 12 meses de janeiro tem por base a Pesquisa Focus de dezembro. As de fevereiro e março são projetadas.
Como os dados mostram há um risco substancial de ocorrer uma inflação muito acima do esperado nos próximos meses, incluindo o risco de uma substancial aceleração em fevereiro, com o IPCA mensal acima de 1%, bem como o risco de ter inflação anual ultrapassar o topo da atual banda de metas de inflação (6,5%). Notem que não trouxemos para o modelo o impacto das recentes chuvas sazonais que destruíram partes do país e deixaram muitos mortos, o que pode gerar um resultado ainda pior. Diante desses riscos, o que o Banco Central faz?
As conseqüências do Real com flutuação controlada
O Banco Central tem poucas boas escolhas possíveis. Há pouco que possa fazer com relação ao choque de inflação que vai chegando, mas não fazer nada não é uma opção dada a necessidade de responder (se não impedir) o impacto que isso terá sobre as expectativas de inflação.
Figura 3. função de resposta ao impulso : IPCA em relação a mudanças na Selic e R$
Achamos que a resposta certa, infelizmente, é o que o governo parece ter-se retirado da mesa – permitindo o real apreciar.Chegamos à essa conclusão através do cálculo de um modelo VAR (vetor auto-regressivo) para o IPCA e de seus diferentes componentes e calculando a Função de Resposta ao Impulso que informa como a inflação se comportaria em resposta a um choque no desvio-padrão da Selic e do Real.(Figura 3 e 4).
Figura 4. Função de resposta ao impulso: IPCA em relação a mudanças na Selic e R$
| Selic | Real |
Itens | Peso % | Mudança ocorrida % | Mês | Mudança Ocorrida % | Mês |
IPCA | 100 | 0,39 | 7 | 0,26 | 8 |
Preços livres | 71 | 0,28 | 6 | 0,19 | 6 |
Preços administr. | 29 | 0,75 | 7 | 0,44 | 8 |
Comercializáveis | 38 | 0,15 | 6 | -0,06 | 11 |
Não Comercial. | 33 | 0,37 | 7 | 0,37 | 6 |
Não Duráveis | 29 | 0,66 | 9 | 0,35 | 5 |
Semi Duráveis | 9 | 0,11 | 5 | 0,06 | 3 |
Duráveis | 9 | 0,25 | 4 | 0,10 | 6 |
Serviços | 23 | 0,11 | 11 | -0,09 | 12 |
Alimentos | 23 | 0,79 | 9 | 0,34 | 5 |
Nota: A tabela mostra a variação máxima, anual, da taxa de inflação provocada por uma mudança no desvio-padrão dos resíduos da variável média. As respostas aos impulsos são calculadas usando a transformação de Cholesky . Para o modelo apenas com apenas IPCA, impulso para a Selic = 61bp, impulso para o R$ = 3,72%.
Fonte: Bloomberg, Nomura Research.
Notamos que a resposta positiva da inflação a níveis mais altos de Selic é uma versão do “quebra-cabeça de preços”- price puzzle - observado pela primeira vez em dados dos EUA pelo economista Christopher Sims(1). Pensamos que a explicação mais provável é que frente a uma previsão de aumento da inflação, o Banco Central elevou Selic, mas não o suficiente para compensar o completo choque ex-post da inflação, gerando empiricamente uma correlação positiva entre a Selic e a inflação.
Quebra cabeça de preços à parte, o real recebeu um forte impacto da inflação global (com uma queda do desvio-padrão na taxa de câmbio que teve seu máximo impacto oito meses após a redução do IPCA em 0,26%).Mas, mais importante, achamos que o real teve um rápido e relativamente grande impacto na inflação dos comercializáveis (0,37%) e na inflação dos preços dos alimentos (0,34%), os choques atuais.
O regime do novo governo em matéria de política, no contexto da guerra moeda, parece ter substituído os mecanismos de ajuste da taxa de câmbio, agora certamente “gerenciada” e não uma flutuação “suja”, acrescentando instrumentos macro prudenciais e coordenação entre as diferentes políticas. Considerando esta política, nós pensamos que o governo de Dilma está sendo influenciado pela abordagem chinesa da política econômica (Ver: What will Dilma do? Look to China, 23 nov 2010). Embora nós não vejamos esta mudança de política como necessariamente pior que a “pura”, do regime de metas de inflação, adotada durante a Presidência do Sr. Lula, nós pensamos que este um não é um bom momento para executar essa mudança. Em nossa opinião, a melhor resposta para o presente choque teria sido uma taxa de câmbio mais apreciada.
Várias escolhas ruins
O choque de inflação futura é provavelmente pouco afetado por qualquer resposta de política macroeconômica, mas não fazer nada não é uma opção devido ao dano provável para a credibilidade do Banco Central. Como esta é a primeira reunião do Copom com um novo presidente e chefe do Banco Central, também é importante fazer algo, tendo em vista a necessidade constante dos novos presidentes do Banco Central, “provarem” que eles podem subir taxas (Lembrando que Armínio Fraga e Henrique Meirelles subiram as taxas em seus primeiros encontros).
Embora a necessidade de reafirmar a credibilidade e ancorar as expectativas sejam importantes, nós pensamos que a melhor resposta política ao atual desequilíbrio estrutural entre oferta e demanda na economia brasileira não são taxas altas, mas a inversão do jogo nas políticas fiscal, de crédito e salarial, que são as políticas que criara esta situação, em primeiro lugar.
No atual regime, o Banco Central enfrenta dois riscos. O primeiro, menos provável, mas ainda assim relevante, é que a combinação de política monetária mais apertada, políticas fiscal, de crédito e salarial também apertadas e ainda políticas macro-prudenciais, poderiam causar uma queda prejudicial no crescimento deste ano. Isto é especialmente verdade dada a incerteza considerável do impacto final dessas políticas, em comparação com o uso dos “clássicos” instrumentos de política monetária. Quando “somadas” o provável impacto dessas diferentes políticas não pode ser muito preciso tendo em vista como medidas diferentes podem interagir. As estimativas de mercado coletadas pelo Banco Central mostram que as recentes medidas macro prudenciais são iguais a um aumento de 75 bp na Selic, enquanto o aumento de 1% no superávit do PIB (que se acredita factível) é igual a algo como um aumento de 100bp na Selic. Se a isto for adicionado um aumento de 240bp na Selic, atualmente previsto pelo mercado de futuros, calculamos que se teria uma Selic “efetiva” de quase 15%, nível capaz de gerar uma grave lesão no crescimento.
O outro risco é que uma resposta insuficiente de políticas por parte do governo levará Brasil a mais um ano de fechamento de inflação acima da meta por uma larga margem, como é atualmente esperado pelo mercado ( A pesquisa Focus da última semana aponta inflação de 5,42% no final de 2011). Isto poderia levar a uma “mexicanização” do regime monetário, com a inflação e a expectativa de inflação quase sempre acima do centro da meta.
Em um regime onde uma coordenação efetiva entre as diferentes políticas é o novo paradigma, acreditamos que os relevantes riscos econômicos e as restrições políticas irão gerar a seguinte resposta:
1. O Banco Central deverá aumentar as taxas em incrementos de 50 pb, acrescentando à mistura mais medidas macro prudenciais. Um maior aumento, além do previsto, na reunião de março é uma “resposta” à muito provável alta do IPCA de fevereiro, não podendo ser descartada;
2. Lateralmente, com relação ao ritmo de subida das taxas, acreditamos que há muito pouco risco em que o aumento total das taxas de juro vá superar em muito os já indicados 150bp (conforme a previsão do mercado no Relatório de Inflação dezembro), justamente porque o Banco Central, e o governo, vão querer evitar uma “adição” aos riscos do aperto no uso das políticas monetária, creditícia e fiscal (Especialmente esta última começando a ter mais restrições ao longo do ano). Dadas as relevantes defasagens e incertezas, nós pensamos que a melhor resposta do BCB é “ir devagar” e avaliar a reação da economia e a condição de outras políticas governamentais contribuírem para diminuir a demanda agregada.
Apesar de acreditarmos que esta resposta é duplamente provável e ótima num novo regime de políticas coordenadas, a reação inicial do mercado pode ser bastante negativa. Primeiro, porque nem o governo nem o Banco Central encontraram uma clara e articulada maneira de comunicar o novo regime. Isso leva a uma resposta do mercado com relação a aparente contradição de que, por de lado, o Banco Central tenha de fato vontade “fazer o que for preciso” para cumprir as suas metas de inflação e, portanto, seu mandato, com os preços de mercado em um forte ritmo de crescimento das taxas (e por isso, neste caso, que o Banco Central é visto como “interessado” no aumento das taxas de juros com relação à inflação) e, do outro lado, o mercado não prevê a convergência para a meta (e por isso aqui o Banco Central é tratado como sendo muito dócil).
Para solucionar este persistente problema, o Banco Central deveria, esperamos, fazer duas das seguintes coisas em termos de capacidade de comunicação: Primeiro, achamos que deve discutir claramente qual será sua reação ao próximo e possível choque de inflação; Em segundo lugar, esperamos que ele forneça uma descrição mais detalhada da discussão de como estima a contribuição das diferentes respostas políticas à sua previsão de inflação, ajudando o mercado a compreender os riscos associados com a extensão dos problemas “adicionados”.
Em resumo, esperamos que as taxas de juros venham a subir por volta de150bp durante este ciclo, provavelmente com incrementos de 50bp, mas com algum risco de aceleração na reunião do Copom de março. Dadas as expectativas de um aumento acentuado inflação ao longo dos próximos meses, imaginamos agora a inflação fechando em 5,25% este ano, apesar de esperar uma forte tendência de queda em junho, altura em que, esperamos, que o choque atual de inflação tenha passado.
(1): Para uma síntese desta questão ver Nathan Balke, Kenneth Emery, "Understanding the Price Puzzle", Federal Reserve Bank of Dallas, Q4 1994