sábado, 29 de setembro de 2012

TRIBUTAÇÃO E FELICIDADE




“O resultado do estudo feito pelo IBPT, com a criação do IRBES, evidencia a falha do Estado brasileiro em proporcionar um elevado bem-estar e felicidade social, o que pode ser justificado, por exemplo, com a constante propagação das negligências dos serviços públicos, consideradas por Amartya Sen como fator limitador do desenvolvimento social.”

Há um intenso debate sobre o PIB. Evidentemente ele importa, pois o ritmo de crescimento informa a eficácia ou não das políticas públicas e o potencial de resposta aos eventos que vão se dando no tempo. Duas referências essenciais à produção das ações de governo e essenciais à orientação dos agentes econômicos.

Tudo certo, mas já sabemos que produto é um conceito de riqueza total da sociedade e não como ela se distribui pela sociedade. Recentemente o governo divulgou levantamento do IBGE comparando pesquisas (PNAD) de 2009 e 2011. A conclusão é que nesses dois anos o espaço entre os mais ricos e os mais pobres se reduziu. Era de de esperar tendo em vista que a massa salarial vem crescendo desde 2003 num ritmo real, isto é, acima da inflação.

O problema é que mesmo reduzida a diferença o atual ritmo de incremento da redução será sempre muito lento frente à todos os obstáculos ora existentes. O principal deles é que o ganho acelerado se dá ou pela produtividade, quesito onde não vamos bem,  agregando a qualificação do Capital Humano, quesito em que também não vamos bem e um ritmo de fortes investimentos, onde também não vamos bem. Principalmente investimentos no conhecimento, onde idem...

Enfim, redução de fato da desigualdade da renda não se dá por decreto presidencial, embora muita gente ache que é possível, e depende de profundas transformações, que por sua vez dependem de vontade política. A lógica dos atalhos, de não invadir zonas de conforto, do atual governo e do passado não favorece mudanças mais profundas.

Seja como for algumas questões permanecem relevantes em qualquer contexto. Uma das principais é a relação entre o tributo apropriado da sociedade com a finalidade de manter e financiar o Estado e seu aparelho e o retorno desta renúncia à poupança ou ao consumo das famílias e indivíduos, medido em termos objetivos, capazes de serem quantificáveis.

Entre as maiores arrecadações tributárias do planeta, arrecadação de primeiro mundo, o Estado brasileiro não oferece serviços e equipamentos de primeiro mundo. Uma parte sabemos que vai pelo lado do desperdício da ineficiência, outra parte fica na rede neopatrimonialista, mas alguma coisa sobra e virá resultado. Um dos indicadores deste resultado é o IDH [1]. Então tem todo o sentido comparar IDH com o quanto se tributa e tentar extrair daí uma indicação sobre "felicidade". Claro que é um conceito extremamente relativo e muito abstrato. Mas se imaginarmos a "felicidade" como um dado nível de qualidade de vida que pode ser medido por indicadores como os presentes no IDH talvez tenhamos algum termo de comparação passível de ser utilizado entre nações, pelo menos.

A proposta, abaixo, do IBPT seria válida até mesmo para comparação entre estados brasileiros. O Distrito Federal, por exemplo, tem o maior IDH brasileiro, mas também tem a maior tributação per capita. O problema aqui é que a tributação logo abaixo do DF é do Rio e é a metade, contudo o IDH do Estado Rio não é a metade do IDH do DF...A nós do DF resta a indagação: para onde vai o nosso dinheiro? Pergunta que os demais brasileiros deverão fazer ao ler o estudo do IBPT.

[1] Claro que o IDH não é um indicador apenas da ação do Estado, mas da ação conjunta de toda a nação. Mas como tem componentes das diversas políticas públicas serve como uma "medida" objetiva do resultado da ação efetiva do Estado. 

Demetrio Carneiro

TRIBUTAÇÃO E FELICIDADE

O Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário (IBPT) lançou, em 2012, a segunda versão do seu estudo sobre a Carga Tributária Brasileira versus o IDH, resultando assim na criação do Índice de Retorno de Bem-estar à Sociedade (IRBES). A edição 2012 do estudo da relação da carga tributária versus retorno dos recursos à população em termos de qualidade de vida se deu com a utilização de índices recentes e atualizados sobre a arrecadação tributária nacional e o IDH pátrio.

O estudo teve por objetivo mensurar os 30 (trinta) países de mais elevada carga tributária (arrecadação tributária em relação à riqueza gerada - PIB) e verificar se os valores arrecadados estariam voltando à população, através de serviços públicos de qualidade, que viessem a gerar bem estar à população.

Para tanto, o IBPT utilizou dois parâmetros considerados essenciais para o tipo de comparação pretendida: A Carga Tributária (arrecadação em relação ao PIB), obtida junto à OCDE – Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico, referente ao ano de 2010 (última atualização) e também o IDH – Índice de Desenvolvimento Humano, conforme dados do PNUD - (Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento), com a previsão do índice final para o ano de 2011.

Conforme registrado no estudo, a carga tributária é a relação percentual obtida pela divisão do total geral da arrecadação de tributos do país em todas as suas esferas (federal, estadual e municipal) em um ano, pelo valor do PIB (Produto Interno Bruto), ou seja, a riqueza gerada durante o mesmo período de mensuração do valor dos tributos arrecadados, sendo, como exemplo, no Brasil: (Ano de 2010 / Arrecadação tributária em R$ mil = R$ 1.291.000 / PIB: R$ 3.674.922 / Carga Tributária = 35,13%).

O Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), por sua vez, é uma medida comparativa de riqueza, alfabetização, educação, esperança de vida, natalidade e outros fatores para os diversos países do mundo. É uma maneira padronizada de avaliação e medida do bem-estar de uma população, especialmente bem estar infantil. O índice foi desenvolvido em 1990 pelo economista paquistanês Mahbubul Haq, e vem sendo usado desde 1993 pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento - PNUD, em seu relatório anual.

O IDH é um índice que serve de comparação entre os países, com o objetivo de medir o grau de desenvolvimento econômico e a qualidade de vida oferecida à população. Este índice é calculado com base em dados econômicos e sociais. O IDH vai de 0 (nenhum desenvolvimento humano) a 1 (desenvolvimento humano total). Quanto mais próximo de 1, pode-se afirmar que esse país é o que atingiu maior grau de desenvolvimento.

Para atingir o objetivo do estudo sobre Carga Tributária versus IDH, o IBPT providenciou a criação de um índice que pudesse demonstrar o nível de retorno à população dos valores arrecadados com tributos, em cada país. Tal índice, denominado IRBES – Índice de Retorno De Bem Estar à Sociedade, é resultado da somatória da carga tributária, ponderada percentualmente pela importância deste parâmetro, com o IDH, ponderado da mesma forma.

Dentre alguns dos resultados encontrados, afirma-se que ao se considerar os 30 países com a maior carga tributária, o Brasil continua sendo o que proporciona o pior retorno dos valores arrecadados em prol do bem estar da sociedade (destaque nosso. DC). Ademais, a Austrália, seguida dos Estados Unidos, da Coréia do Sul e do Japão, são os países que melhor fazem aplicação dos tributos arrecadados, em termos de melhoria da qualidade de vida de seus cidadãos. Tem-se ainda que o Brasil, com arrecadação altíssima e péssimo retorno desses valores, fica atrás, inclusive, de países da América do Sul, como Uruguai e Argentina.

O IRBES é decorrente da somatória do valor numérico relativo à carga tributária do país, com uma ponderação de 15%, com o valor do IDH, que recebeu uma ponderação de 85%, por entender o IBPT que o IDH elevado, independentemente da carga tributária do país, é muito mais representativo e significante do que uma carga tributária elevada, independentemente do IDH. Assim sendo, o IDH teve um peso bem maior para a composição do índice.

Um estudo deste tipo pode ser útil de diversas maneiras. Determinados investimentos da arrecadação tributária em políticas sociais, por exemplo, implicam custos para alguns indivíduos e, dessa forma, faz-se necessária uma avaliação dos efeitos líquidos dessas ações realizadas pelos governantes em termos de utilidades individuais (felicidade).

Além do resultado fático apontado pela criação do IRBES, tal índice merece ser tido por nossos governantes, especialmente, como uma importante variável determinante no cálculo da felicidade de nossa sociedade, mantendo-se em linha de raciocínio que as medidas de felicidade consistem numa nova maneira de avaliar os efeitos de mudanças nas atividades de gasto do dinheiro arrecadado pelo governo.

As atividades do Estado brasileiro são realizadas dentro de um modelo de bem-estar social, Estado este que preceitua postulados fundamentais pautados por um conjunto de princípios republicanos, tais como igualdade, liberdade e fraternidade, os quais, quando entabulados para sustentar o direito ao desenvolvimento social, dão margem à caracterização da felicidade social como importante valor de justificação das finalidades do Estado.

O resultado do estudo feito pelo IBPT, com a criação do IRBES, evidencia a falha do Estado brasileiro em proporcionar um elevado bem-estar e felicidade social, o que pode ser justificado, por exemplo, com a constante propagação das negligências dos serviços públicos, consideradas por Amartya Sen como fator limitador do desenvolvimento social.(destaque nosso DC)

Nossos governantes, que atuam no uso do dinheiro fruto da arrecadação tributária, devem interpretar o resultado do estudo do IBPT e o IRBES pensando na felicidade como fim característico do Estado social contemporâneo, sabedores de que uma das proposições fundamentais da filosofia política clássica é a de que o fim dos governos não é somente a maior liberdade possível, mas também a maior felicidade possível num contexto republicano.

Referências bibliográficas:

IBPT: ESTUDO SOBRE CARGA TRIBUTÁRIA/PIB X IDH - CÁLCULO DO IRBES (ÍNDICE DE RETORNO DE BEM ESTAR À SOCIEDADE) - EDIÇÃO 2012 – COM A UTILIZAÇÃO DE ÍNDICES RECENTES, disponível em http://ibpt.com.br/img/_publicacao/14191/196.pdf?PHPSESSID=40dd015595e1e7b9438da2515365513c

GABARDO, Emerson. A felicidade como fundamento do interesse público. In: GABARDO, Emerson. Interesse público e subsidiariedade. Belo Horizonte: Fórum, 2009, p. 325-371.

CORBI, Raphael Bottura; MENEZES FILHO, Naércio Aquino. Os determinantes empíricos da felicidade no Brasil. Revista de Economia Política, v. 26, n. 04 (104), out/dez. 2006, p. 518-536.