sábado, 29 de setembro de 2012

A PRODUÇÃO DE ENERGIA EÓLICA EM ALTAS ALTITUDES: UMA NOVA E ESPETACULAR FONTE DE ENERGIA RENOVÁVEL?


 Progresso, consumo humano, preservação de recursos não renováveis e tecnologia: quem vence a corrida entre a depleção e a tecnologia?

O termo “depleção dos recursos naturais” cada vez mais aparece na mídia. Basicamente estamos falando que o processo de consumo e produção na escala que se dá fatalmente pode levar ao fim o estoque de recursos naturais como minérios, combustíveis fósseis etc. Aliás, este é o ponto central do embate entre pensadores ligados à economia neo-clássica e pensadores ligados à economia ecológica.

Os pensadores ligados à economia neo-clássica partem da hipótese de que nunca chegaremos ao esgotamento total dos recursos naturais dado ao rápido crescimento das tecnologias substitutivas ou de reaproveitamento. Combustíveis fósseis podem ser substituídos por combustíveis derivados de biomassa, a reciclagem cada vez mais viabiliza o reaproveitamento de materiais e assim por diante. Os pensadores ligados à economia ecológica defendem que a tecnologia não só não dá soluções tão rápidas quanto aumenta o consumo de recursos naturais, como a próprio reaproveitamento não se dá ao infinito. Claro que é um debate envolvendo a questão das futuras gerações, sua sobrevivência e qualidade de vida.

Nesse contexto é natural que a existência e viabilidade em algum momento das próximas décadas de meios de produção de energia em quantidades espetaculares e totalmente renovável tenha relevância, mesmo que isso passe desapercebido da grande mídia. Daí a importância do detalhado artigo, um verdadeiro balanço do setor, publicado no blog Yale Environment 360 intitulado High-Altitude Wind Energy: Huge Potential — And Hurdles”, de autoria do jornalista free lancer americano David Levitan, que publicamos abaixo em tradução livre.

Demetrio Carneiro





Sistema terra/ar da Makani Power

Engenho da Makani


                                                                Engenho da Magenn

                                                                 Engenho da Ampyx


                                                                Engenho da EnerKit

PRODUÇÃO DE ENERGIA EÓLICA EM ALTA ALTITUDE: MUITO POTENCIAL E MUITAS BARREIRAS

Turbinas eólicas são cada vez mais comuns na paisagem, a cerca de 90 metros do chão, com suas enormes pás girando rápido. Contudo não é a 90 metros que os ventos são mais rápidos. Os ventos são rápidos e consistentes em altitudes bem superiores, chegando ao máximo nas correntes de jato a 8 quilômetros de altura ou mais.

Com a energia eólica convencional enfrentando todo tipo de obstáculos – a intermitência dos ventos, o amplo espaço necessário para as instalações, o “que-não-fiquem-perto-de-mim” etc. – a geração de energia  eólica na atmosfera envolve muitas incertezas e problemas regulatórios.  A despeito dos diversos desafios técnicos e regulatórios um crescente número de pequenas empresas trabalha pesado para solucioná-los nos próximos anos, com numerosos desenhos e ideias visando colher energia eólica bem alto nos céus.

“O potencial é incrivelmente grande” disse Cristina Archer, professora associada de ciência dos oceanos e engenharia  de Universidade de Delawere. Archer e colega publicaram uma das duas detalhadas análises sobre o total de energia que pode ser retirado dos céus do planeta com o objetivo de gerar energia elétrica. A outra pesquisa foi desenvolvida pelo bem conhecido cientista do clima Ken Caldeira, do Instituto Carnegie e da Universidade de Stanford. Ambos estudos apontam para uma oferta muito mais ampla na energia eólica aproveitada nas altitudes do que na convencional ao nível do solo.

Mas Caldeira e outros também dizem que embora haja todo um potencial de longo prazo a engenharia e as questões regulatórias são formidáveis, particularmente para empresas interessadas em utilizar as correntes de jato.

“Eu estaria relutante em re-hipotecar a minha casa com a finalidade de oferecer recursos de investimento  para essas empresas, pois imagino que a chance de serem competitivas nos próximos anos são muito remotas”. Entretanto ele acredita que, apesar de todos os obstáculos, a indústria eólica das altas altitudes é a candidata ideal para a pesquisa pública e apoio financeiro.

As questões são complexas: Como sustentar com segurança turbinas aéreas a centenas de metros do solo; como mantê-las lá sem incorrer em altos custos de manutenção; como lidar com o tráfego aéreo?

Contudo os interessados argumentam que algumas de suas alternativas são mais baratas e mais fáceis de serem implementadas do que suas congêneres no solo. Custos de construção ao dispensar as torres de aço e concreto podem ser bem menores e os mecanismos de acompanhamento da mudança de direção do vento são desnecessários.

A premissa básica da geração eólica nas altas altitudes é ligar um dispositivo aéreo ao chão e deixá-lo voar nos ventos fortes gerando energia e enviando-a pelo cabo de ligação para o solo. Em terra as turbinas eólicas são padronizadas, mas no ar os desenhos variam muito e parece que tudo é possível. Há desde asas rígidas em carbono com diversos mini-geradores até papagaios que usam a tensão do fio de ligação para gerar energia.  Algumas técnicas parecem mais adaptadas para uso em alta escala em fazendas de vento, outras parecem mais adequadas para projetos menores.

Uma empresa que parece estar mais próxima de uma solução é a Makani Power, de Alameda, na Califórnia. Já foram sete os protótipos de asa rígida desenvolvidos pela empresa em numerosos testes de voo nos últimos seis anos. O último protótipo foi capaz de gerar 30 KW de energia. Com um fundo patrocinado pelo Googles e pela ARPA-E (agência americana de financiamento de pesquisas e projeto em energia) no montante de U$ 20 milhões a Makani pretender partir para a construção de um novo protótipo com 28 metros de envergadura e capaz de geral 600 kw, o suficiente para manter a energia elétrica de 150 casas. Corwin Hadham, fundador e CEO da Makani diz que a empresa se interessa em desenvolver e deverá partir para a produção de turbinas espaciais para serem utilizadas em Fazendas de Vento[1] offshore(1). Pensando no futuro Hardham esperar que sua empresa possa produzir uma versão gigante capaz de produzir 5 MGW, com 64 metros de envergadura para essas fazendas de vento.

“É onde realmente focamos, o mar”. Hardham pensa poder produzir lá energia a 6 cents de dólar o kw/hora. Mais barato que a energia convencional eólica de offshore da Europa e competitivo com a energia gerada pelo carvão e pelo gás.   

Outra empresa que busca desenvolver projetos de Fazendas de Vento é a Ampyx Power da Holanda, que tem uma empresa independente de pesquisas baseada na Universidade de Delf. O engenho aéreo da Ampyx é um planador que gera energia movimentando sua linha de ligação conectada a um gerador no solo. O engenho desliza no ar a uma altura que varia de 300 a 600 metros. “A próxima geração poderá ter capacidade entre 250 e 500  KW contínuos”, disse o fundador da empresa Richard Ruiterkamp.

“Voamos de forma autônoma por cerca de um ano”, disse Ruiterkamp. “Antes  do fim do ano teremos completado o ciclo e acumulado um bom número de horas”. “O próximo passo será funcionar diversos  dias sem intervenção humana”. A empresa espera poder iniciar a construção de Fazendas de Vento nos próximos anos.

Duas outras empresas desenvolvem ideias drasticamente diferentes. São a Magenn Power, da Califórnia e a Altaeros, de Boston. O dirigível de hélio da Magnenn flutua a 300 metros de altura e o balão gira, movido pelo vento, entorno de um eixo horizontal. Essa tecnologia é o desenho mais próximo de um pássaro que se possa imaginar, não tem lâminas rotatórias e tem desenvolvido seus testes com muito sucesso.

A Altaeros também usa um balão de gás, mas com outra lógica. O balão envolve as lâminas e o corpo da turbina fica no centro. Basicamente funcionará como uma turbina eólica convencional, mas a 300 metros de altura. A empresa testou recentemente um protótipo, com sucesso, e relatou que a 100 metros o dispositivo gera duas vezes mais energia do que a 30 metros.

Esses projetos com balões infláveis , assim como o ultra-leve construído pela Windlifit, da Carolina do Norte, parecem ser mais adequados a consumidores fora da rota convencional de distribuição de energia, em regiões remotas, dados seu fácil transporte e rápida montagem, disse um executivo da indústria de energia eólica em altas altitudes.

“Trabalhamos por resultados em pequenos esquemas de produção, ao contrário de outras empresas maiores”, disse Andy Stough, vice-presidente de engenharia da Windlift. A empresa recebe um substancial financiamento do U.S. Marine Corps que espera poder fornecer energia para suas bases mais remotas com o kit ultraleve, evitando o caro e perigoso transporte de diesel para seus geradores locais.

O modelo da Windlift é uma asa voadora de 12 metros de envergadura que para, atualmente, a 150 metros de altura, com o controle e o gerador no solo. Além da demanda dos marines Stough diz que qualquer situação onde for necessário fornecimento remoto de energia em lugares de difícil acesso – comunicação móvel, desastres e tudo o mais – pode demandar um sistema desse tipo. Uma empresa alemã chamada Enerkite utiliza um sistem com desenho similar e está bem perto de obter resultados. Ambas as empresas têm realizado testes satisfatórios.

P.J. Shepard, co-fundador  de um grupo industrial chamado Airbone Wind Energy Consortium, diz que o progresso dos protótipos de geração de energia eólica nas altas altitudes foi impressionante nos últimos anos. “Algumas empresas se motraram capazes de prover a geração de energia elétrica em volume significativo, outras mostraram algum nível de controle autônomo, muitas estão planejando... Fazendas de Vento”, disse.
Entretanto ir além da escala de protótipo pode ser difícil. Especialistas da indústria pensam que sem um forte suporte governamental, instalando cerca de 1 gigawatt de energia eólica gerada nas altas altitudes (no solo estão instalados 50 GW)[3], poderá levar 20 anos ou mais para as coisas acontecerem. Quem sabe uma eternidade a depender da redução das emissões, se isso for a meta. “Com um relativamente modesto investimento de U$ 100 milhões anuais talvez se possa obter 1 GW em 10 anos”, disse o executivo.

Algumas grandes empresas como a Honeywell e a 3M mostraram algum interesse, mas os maiores desenvolvedores da energia eólica de solo— Siemens, GE, Vestas e outros — não foram além dos primeiros passos 

Sem maiores investimentos alguns dos desafios específicos da engenharia pode ser difíceis de superar. De acordo com uma pesquisa industrial, feita pelo grupo não-lucrativo Near Zero o problema principal, que persiste, é a confiabilidade: No sentido de ser viável os engenhos aéreos precisam poder voar por muito tempo com pouca manutenção.

Quando falamos das vantagens dos ventos de alta altitude, Caldeira comenta que tão alto quanto as correntes de jato é o preço real. O poder da densidade das correntes de jato é cerca de 100 vezes maior do que a luz solar carregando uma célula fotovoltaica estandarde. “O fato de não haver nenhuma outra fonte de energia renovável com tal abundância e tal densidade informa que precisamos tentar explorar isso”, diz Caldeira. Mas a diferença em necessidades de engenharia ente um dispositivo que voa a 300 metros e outro que voa entre 6 e nove quilômetros de altura é enorme.

Além das questões de pesquisa e desenvolvimento outro grande desafio é a regulação. O quê exatamente é um dispositivo com a envergadura de 24 metros, ligado por cabo ao chão, voando em círculos a 300 metros de altura? É um avião? Uma “construção” ou um “obstáculo”? Não existe uma norma regulatória clara para a indústria, embora em 2011 a US Federal Aviation Administration tenha iniciado um processo sistemas de inclusão dos dispositivos eólicos aéreos na estrutura de governança. Atualmente os testes estão limitados a 152 metros de altitude, embora as correntes de jato estejam bem longe disso.

“Não há como operar sem alguma aprovação formal das autoridades”, diz Ruiterkamp da Ampyx. Mas ele adverte sobre as dificuldades de começar uma estrutura regulatória a partir do zero, seja na Holanda onde está sua empresa, seja nos EUA. “Se você precisar definir tudo por si mesmo, como uma indústria, pode levar cerca de 15 anos e não saberá a quais resultados chegará” dizRuiterkamp. Ele pensa que convencer as autoridades a trabalhar dentro do ambienta regulatório que já existe para aviões tripulados, partindo então para os não tripulados é o melhor caminho.

Segurança e regulações correlatas não são questões triviais. E o dispositivo 5-MW da Makani que está em construção? É um engenho com a envergadura de 64 metros. Aproximadamente a mesma de um Boeing 747. Se algo desse tamanho perde o cabo de suporte e vai ao chão há óbvios riscos. Também o M600 é basicamente do mesmo tamanho de um Boeing 747. Evidentemente se chegarmos à escala das Fazendas de Ventos esses mamutes voando a 300 metros de altura e amarrados a cabos não poderão acontecer sem um estrito controle regulatório.

Apesar dos obstáculos os defensores da proposta dizem que a magnitude da energia do vento nas altas altitudes fazem todo o trabalho valer. “Se o recurso total é de 100 Terawatts, 1000 ou 2000, não sei exatamente”, diz Archer. Mas independentemente do número real a energia do vento de alta altitude é “muito maior do que provavelmente precisaremos”, conclui.

Notas
[1] Fazendas de Vento -Wind Farms em inglês - ou Parques Eólicos, é nome dado a uma área onde se dispõe um conjunto de turbinas eólicas destinadas à geração de energia.

[2] São Fazendas de Vento instaladas no mar, afastadas do litoral, normalmente na linha do horizonte.

[3] A Associação Brasileira de Energia Eólica e o governo definiram uma meta de alcançar 10 gigawatts de capacidade de energia eólica até 2020, dos atuais 605 megawatts, com outros 450 megawatts em construção.