O termo “depleção dos recursos
naturais” cada vez mais aparece na mídia. Basicamente estamos falando que o
processo de consumo e produção na escala que se dá fatalmente pode levar ao fim
o estoque de recursos naturais como minérios, combustíveis fósseis etc. Aliás,
este é o ponto central do embate entre pensadores ligados à economia
neo-clássica e pensadores ligados à economia ecológica.
Os pensadores ligados à economia
neo-clássica partem da hipótese de que nunca chegaremos ao esgotamento total
dos recursos naturais dado ao rápido crescimento das tecnologias substitutivas
ou de reaproveitamento. Combustíveis fósseis podem ser substituídos por
combustíveis derivados de biomassa, a reciclagem cada vez mais viabiliza o
reaproveitamento de materiais e assim por diante. Os pensadores ligados à
economia ecológica defendem que a tecnologia não só não dá soluções tão rápidas
quanto aumenta o consumo de recursos naturais, como a próprio reaproveitamento
não se dá ao infinito. Claro que é um debate envolvendo a questão das futuras
gerações, sua sobrevivência e qualidade de vida.
Nesse contexto é natural que a
existência e viabilidade em algum momento das próximas décadas de meios de
produção de energia em quantidades espetaculares e totalmente renovável tenha
relevância, mesmo que isso passe desapercebido da grande mídia. Daí a
importância do detalhado artigo, um verdadeiro balanço do setor, publicado no blog
Yale Environment 360 intitulado “High-Altitude
Wind Energy: Huge Potential — And Hurdles”, de autoria do jornalista free lancer americano David Levitan, que
publicamos abaixo em tradução livre.
Demetrio Carneiro
PRODUÇÃO DE ENERGIA EÓLICA EM ALTA ALTITUDE: MUITO POTENCIAL E MUITAS BARREIRAS
Turbinas eólicas são cada vez
mais comuns na paisagem, a cerca de 90 metros do chão, com suas enormes pás
girando rápido. Contudo não é a 90 metros que os ventos são mais rápidos. Os
ventos são rápidos e consistentes em altitudes bem superiores, chegando ao
máximo nas correntes de jato a 8 quilômetros de altura ou mais.
Com a energia eólica convencional
enfrentando todo tipo de obstáculos – a intermitência dos ventos, o amplo
espaço necessário para as instalações, o “que-não-fiquem-perto-de-mim” etc. – a
geração de energia eólica na atmosfera
envolve muitas incertezas e problemas regulatórios. A despeito dos diversos desafios técnicos e
regulatórios um crescente número de pequenas empresas trabalha pesado para
solucioná-los nos próximos anos, com numerosos desenhos e ideias visando colher
energia eólica bem alto nos céus.
“O potencial é incrivelmente
grande” disse Cristina Archer, professora associada de ciência dos oceanos e
engenharia de Universidade de Delawere.
Archer e colega publicaram uma das duas detalhadas análises sobre o total de energia que
pode ser retirado dos céus do planeta com o objetivo de gerar energia elétrica.
A outra pesquisa foi desenvolvida pelo bem conhecido cientista
do clima Ken Caldeira, do Instituto Carnegie e da Universidade de Stanford.
Ambos estudos apontam para uma oferta muito mais ampla na energia eólica
aproveitada nas altitudes do que na convencional ao nível do solo.
Mas Caldeira e outros também
dizem que embora haja todo um potencial de longo prazo a engenharia e as
questões regulatórias são formidáveis, particularmente para empresas
interessadas em utilizar as correntes de jato.
“Eu estaria relutante em
re-hipotecar a minha casa com a finalidade de oferecer recursos de investimento para essas empresas, pois imagino que a chance
de serem competitivas nos próximos anos são muito remotas”. Entretanto ele
acredita que, apesar de todos os obstáculos, a indústria eólica das altas
altitudes é a candidata ideal para a pesquisa pública e apoio financeiro.
As questões são complexas: Como
sustentar com segurança turbinas aéreas a centenas de metros do solo; como
mantê-las lá sem incorrer em altos custos de manutenção; como lidar com o
tráfego aéreo?
Contudo os interessados
argumentam que algumas de suas alternativas são mais baratas e mais fáceis de
serem implementadas do que suas congêneres no solo. Custos de construção ao
dispensar as torres de aço e concreto podem ser bem menores e os mecanismos de
acompanhamento da mudança de direção do vento são desnecessários.
A premissa básica da geração eólica
nas altas altitudes é ligar um dispositivo aéreo ao chão e deixá-lo voar nos
ventos fortes gerando energia e enviando-a pelo cabo de ligação para o solo. Em
terra as turbinas eólicas são padronizadas, mas no ar os desenhos variam muito
e parece que tudo é possível. Há desde asas rígidas em carbono com diversos
mini-geradores até papagaios que usam a tensão do fio de ligação para gerar
energia. Algumas técnicas parecem mais
adaptadas para uso em alta escala em fazendas de vento, outras parecem mais
adequadas para projetos menores.
Uma empresa que parece estar mais
próxima de uma solução é a Makani Power,
de Alameda, na Califórnia. Já foram sete os protótipos de asa rígida
desenvolvidos pela empresa em numerosos testes de voo nos últimos seis anos. O
último protótipo foi capaz de gerar 30 KW de energia. Com um fundo patrocinado
pelo Googles e pela ARPA-E (agência
americana de financiamento de pesquisas e projeto em energia) no montante de U$
20 milhões a Makani pretender partir para a construção de um novo protótipo com
28 metros de envergadura e capaz de geral 600 kw, o suficiente para manter a
energia elétrica de 150 casas. Corwin Hadham, fundador e CEO da Makani diz que
a empresa se interessa em desenvolver e deverá partir para a produção de
turbinas espaciais para serem utilizadas em Fazendas de Vento[1] offshore(1). Pensando
no futuro Hardham esperar que sua empresa possa produzir uma versão gigante
capaz de produzir 5 MGW, com 64 metros de envergadura para essas fazendas de
vento.
“É onde realmente focamos, o
mar”. Hardham pensa poder produzir lá energia a 6 cents de dólar o kw/hora.
Mais barato que a energia convencional eólica de offshore da Europa e
competitivo com a energia gerada pelo carvão e pelo gás.
Outra empresa que busca
desenvolver projetos de Fazendas de Vento é a Ampyx Power da Holanda, que
tem uma empresa independente de pesquisas baseada na Universidade de Delf. O
engenho aéreo da Ampyx é um planador que gera energia movimentando sua linha de
ligação conectada a um gerador no solo. O engenho desliza no ar a uma altura
que varia de 300 a 600 metros. “A próxima geração poderá ter capacidade entre
250 e 500 KW contínuos”, disse o fundador da empresa Richard Ruiterkamp.
“Voamos de forma autônoma por
cerca de um ano”, disse Ruiterkamp. “Antes
do fim do ano teremos completado o ciclo e acumulado um bom número de
horas”. “O próximo passo será funcionar diversos dias sem intervenção humana”. A empresa
espera poder iniciar a construção de Fazendas de Vento nos próximos anos.
Duas outras empresas desenvolvem
ideias drasticamente diferentes. São a Magenn
Power, da Califórnia e a Altaeros,
de Boston. O dirigível de hélio da Magnenn flutua a 300 metros de altura e o
balão gira, movido pelo vento, entorno de um eixo horizontal. Essa tecnologia é
o desenho mais próximo de um pássaro que se possa imaginar, não tem lâminas
rotatórias e tem desenvolvido seus testes com muito sucesso.
A Altaeros também usa um balão de
gás, mas com outra lógica. O balão envolve as lâminas e o corpo da turbina fica
no centro. Basicamente funcionará como uma turbina eólica convencional, mas a
300 metros de altura. A empresa testou recentemente um protótipo, com sucesso,
e relatou que a 100 metros o dispositivo gera duas vezes mais energia do que a
30 metros.
Esses projetos com balões
infláveis , assim como o ultra-leve construído pela Windlifit, da Carolina do Norte, parecem ser
mais adequados a consumidores fora da rota convencional de distribuição de
energia, em regiões remotas, dados seu fácil transporte e rápida montagem,
disse um executivo da indústria de energia eólica em altas altitudes.
“Trabalhamos por resultados em
pequenos esquemas de produção, ao contrário de outras empresas maiores”, disse
Andy Stough, vice-presidente de engenharia da Windlift. A empresa recebe um
substancial financiamento do U.S. Marine Corps que espera poder fornecer energia
para suas bases mais remotas com o kit ultraleve, evitando o caro e perigoso
transporte de diesel para seus geradores locais.
O modelo da Windlift é uma asa
voadora de 12 metros de envergadura que para, atualmente, a 150 metros de
altura, com o controle e o gerador no solo. Além da demanda dos marines Stough
diz que qualquer situação onde for necessário fornecimento remoto de energia em
lugares de difícil acesso – comunicação móvel, desastres e tudo o mais – pode demandar
um sistema desse tipo. Uma empresa alemã chamada Enerkite utiliza um sistem com
desenho similar e está bem perto de obter resultados. Ambas as empresas têm
realizado testes satisfatórios.
P.J. Shepard, co-fundador de um grupo industrial chamado Airbone Wind Energy
Consortium, diz que o progresso dos protótipos de geração de energia eólica nas
altas altitudes foi impressionante nos últimos anos. “Algumas empresas se
motraram capazes de prover a geração de energia elétrica em volume
significativo, outras mostraram algum nível de controle autônomo, muitas estão
planejando... Fazendas de Vento”, disse.
Entretanto ir além da escala de
protótipo pode ser difícil. Especialistas da indústria pensam que sem um forte
suporte governamental, instalando cerca de 1 gigawatt de energia eólica gerada nas
altas altitudes (no solo estão instalados 50 GW)[3], poderá levar 20 anos ou
mais para as coisas acontecerem. Quem sabe uma eternidade a depender da redução
das emissões, se isso for a meta. “Com um relativamente modesto investimento de
U$ 100 milhões anuais talvez se possa obter 1 GW em 10 anos”, disse o
executivo.
Algumas grandes empresas como a Honeywell e a 3M mostraram algum interesse, mas os maiores desenvolvedores da energia eólica de solo— Siemens, GE, Vestas e outros — não foram além dos primeiros passos
Sem maiores investimentos alguns dos desafios específicos da engenharia pode ser difíceis de superar. De acordo com uma pesquisa industrial, feita pelo grupo não-lucrativo Near Zero o problema principal, que persiste, é a confiabilidade: No sentido de ser viável os engenhos aéreos precisam poder voar por muito tempo com pouca manutenção.
Quando falamos das vantagens dos ventos de alta altitude, Caldeira comenta que tão alto quanto as correntes de jato é o preço real. O poder da densidade das correntes de jato é cerca de 100 vezes maior do que a luz solar carregando uma célula fotovoltaica estandarde. “O fato de não haver nenhuma outra fonte de energia renovável com tal abundância e tal densidade informa que precisamos tentar explorar isso”, diz Caldeira. Mas a diferença em necessidades de engenharia ente um dispositivo que voa a 300 metros e outro que voa entre 6 e nove quilômetros de altura é enorme.
Além das questões de pesquisa e desenvolvimento outro grande desafio é a regulação. O quê exatamente é um dispositivo com a envergadura de 24 metros, ligado por cabo ao chão, voando em círculos a 300 metros de altura? É um avião? Uma “construção” ou um “obstáculo”? Não existe uma norma regulatória clara para a indústria, embora em 2011 a US Federal Aviation Administration tenha iniciado um processo sistemas de inclusão dos dispositivos eólicos aéreos na estrutura de governança. Atualmente os testes estão limitados a 152 metros de altitude, embora as correntes de jato estejam bem longe disso.
“Não há como operar sem alguma aprovação formal das autoridades”, diz Ruiterkamp da Ampyx. Mas ele adverte sobre as dificuldades de começar uma estrutura regulatória a partir do zero, seja na Holanda onde está sua empresa, seja nos EUA. “Se você precisar definir tudo por si mesmo, como uma indústria, pode levar cerca de 15 anos e não saberá a quais resultados chegará” dizRuiterkamp. Ele pensa que convencer as autoridades a trabalhar dentro do ambienta regulatório que já existe para aviões tripulados, partindo então para os não tripulados é o melhor caminho.
Segurança e regulações correlatas não são questões triviais. E o dispositivo 5-MW da Makani que está em construção? É um engenho com a envergadura de 64 metros. Aproximadamente a mesma de um Boeing 747. Se algo desse tamanho perde o cabo de suporte e vai ao chão há óbvios riscos. Também o M600 é basicamente do mesmo tamanho de um Boeing 747. Evidentemente se chegarmos à escala das Fazendas de Ventos esses mamutes voando a 300 metros de altura e amarrados a cabos não poderão acontecer sem um estrito controle regulatório.
Apesar dos obstáculos os defensores da proposta dizem que a magnitude da energia do vento nas altas altitudes fazem todo o trabalho valer. “Se o recurso total é de 100 Terawatts, 1000 ou 2000, não sei exatamente”, diz Archer. Mas independentemente do número real a energia do vento de alta altitude é “muito maior do que provavelmente precisaremos”, conclui.
Sem maiores investimentos alguns dos desafios específicos da engenharia pode ser difíceis de superar. De acordo com uma pesquisa industrial, feita pelo grupo não-lucrativo Near Zero o problema principal, que persiste, é a confiabilidade: No sentido de ser viável os engenhos aéreos precisam poder voar por muito tempo com pouca manutenção.
Quando falamos das vantagens dos ventos de alta altitude, Caldeira comenta que tão alto quanto as correntes de jato é o preço real. O poder da densidade das correntes de jato é cerca de 100 vezes maior do que a luz solar carregando uma célula fotovoltaica estandarde. “O fato de não haver nenhuma outra fonte de energia renovável com tal abundância e tal densidade informa que precisamos tentar explorar isso”, diz Caldeira. Mas a diferença em necessidades de engenharia ente um dispositivo que voa a 300 metros e outro que voa entre 6 e nove quilômetros de altura é enorme.
Além das questões de pesquisa e desenvolvimento outro grande desafio é a regulação. O quê exatamente é um dispositivo com a envergadura de 24 metros, ligado por cabo ao chão, voando em círculos a 300 metros de altura? É um avião? Uma “construção” ou um “obstáculo”? Não existe uma norma regulatória clara para a indústria, embora em 2011 a US Federal Aviation Administration tenha iniciado um processo sistemas de inclusão dos dispositivos eólicos aéreos na estrutura de governança. Atualmente os testes estão limitados a 152 metros de altitude, embora as correntes de jato estejam bem longe disso.
“Não há como operar sem alguma aprovação formal das autoridades”, diz Ruiterkamp da Ampyx. Mas ele adverte sobre as dificuldades de começar uma estrutura regulatória a partir do zero, seja na Holanda onde está sua empresa, seja nos EUA. “Se você precisar definir tudo por si mesmo, como uma indústria, pode levar cerca de 15 anos e não saberá a quais resultados chegará” dizRuiterkamp. Ele pensa que convencer as autoridades a trabalhar dentro do ambienta regulatório que já existe para aviões tripulados, partindo então para os não tripulados é o melhor caminho.
Segurança e regulações correlatas não são questões triviais. E o dispositivo 5-MW da Makani que está em construção? É um engenho com a envergadura de 64 metros. Aproximadamente a mesma de um Boeing 747. Se algo desse tamanho perde o cabo de suporte e vai ao chão há óbvios riscos. Também o M600 é basicamente do mesmo tamanho de um Boeing 747. Evidentemente se chegarmos à escala das Fazendas de Ventos esses mamutes voando a 300 metros de altura e amarrados a cabos não poderão acontecer sem um estrito controle regulatório.
Apesar dos obstáculos os defensores da proposta dizem que a magnitude da energia do vento nas altas altitudes fazem todo o trabalho valer. “Se o recurso total é de 100 Terawatts, 1000 ou 2000, não sei exatamente”, diz Archer. Mas independentemente do número real a energia do vento de alta altitude é “muito maior do que provavelmente precisaremos”, conclui.
Notas
[1] Fazendas de Vento -Wind Farms em
inglês - ou Parques Eólicos, é nome dado a uma área onde se dispõe um conjunto de turbinas eólicas destinadas à geração de energia.
[2] São Fazendas de Vento
instaladas no mar, afastadas do litoral, normalmente na linha do horizonte.
[3] A Associação Brasileira de Energia Eólica e o governo definiram uma meta de alcançar 10 gigawatts de capacidade de energia eólica até 2020, dos atuais 605 megawatts, com outros 450 megawatts em construção.