sábado, 8 de setembro de 2012

EQUIDADE ENTRE GERAÇÕES: UMA QUESTÃO DE ESCOLHA ENTRE RIQUEZA PRESENTE E QUALIDADE DE VIDA FUTURA NAS POLÍTICAS PÚBLICAS

Já temos uma noção aproximada sobre os ciclos de glaciação. De Eras em Eras o planeta parece sobre uma forte baixa da temperatura, contudo precedida de uma forte alta de temperatura. Algo como o aquecimento global debatido hoje. Essa, a glaciação, é um evento natural com relação ao qual só podemos procurar nos adaptar e buscar sobreviver. Diferentemente o aquecimento global, e suas consequências climáticas, que hoje debatemos, são gerados pela ação da humanidade sobre a natureza [1]. A atividade econômica, tanto no consumo como na produção, interfere diretamente no equilíbrio natural e gera não apenas riquezas, mas consequências. 

Há um debate implícito sobre Economia Política do Desenvolvimento, modelos e estilo de crescimento na questão que se apresentará... 

Em texto publicado no Jornal da Ciência da SBPC, “E se o Rio Acre apartar?”, o professor Écio Rodrigues, da Universidade Federal do Acre e doutor em Desenvolvimento sustentável pela UNB discorre sobre os problemas gerados pela seca do rio. 

Comenta o professor: 

“Há cinco meses o rio Acre tendo alcançado uma de suas cotas mais elevadas, ou, como se acostumou ouvir: a maior alagação dos últimos dez anos. Hoje, o rio Acre está chegando a uma vazão insignificante, pondo em risco o abastecimento de água e ameaçando secar de vez, ou, como o povo diz apartar. 

Um rio aparta quando o fluxo d'água é interrompido no sentido da nascente para a foz. Em algum ponto do rio, ou em vários pontos (pois é possível que aparte em mais de um lugar de forma simultânea), a água para de correr e volta no sentido contrário, no caso, em direção à nascente. Trata-se de um evento traumático para o rio, difícil de acontecer, mas que já foi observado, por exemplo, em igarapés localizados na Transacreana. Ou seja, o povo sabe o que diz; é possível, sim, o rio apartar.” 

Mais adiante: 

“Ano após ano, o rio Acre ameaça, na seca, e com cada vez mais intensidade, paralisar o abastecimento de água nos oito municípios localizados ao longo de sua bacia hidrográfica e que dependem de sua vazão. Parece que a ameaça, dessa vez, pode se concretizar. 
... 
Pode ser obra do acaso, da natureza mesmo, de um ciclo natural e normal do rio - o que seria cômodo e gratificante para todos os que, de maneira direta ou indireta, têm seu quinhão de responsabilidade para com o estado atual do rio Acre. No entanto, os estudos mostram, com grande probabilidade de acerto, ou seja, com pouquíssimas chances de erro, o que parece óbvio: a culpa é do desmatamento. 

Um desmatamento, diga-se, que na maior parte das vezes foi destinado à pecuária. As conclusões científicas não deixam dúvida que o rio Acre - não só ele, mas também uma série de igarapés que formam sua bacia - foi sacrificado, para garantir-se a produção de carne de boi. Um desmatamento que avançou pela propriedade privada e não poupou a mata ciliar, embora a mata ciliar fosse protegida por lei. 

A esse trágico fato, a sociedade e os governos fizeram vista grossa. Não houve sensatez e altivez para impedir-se que a ocupação pela pecuária comprometesse a existência de recursos hídricos; em decorrência, todos iremos pagar, e caro.” 

Não poderia ser mais claro... 

A situação enfrentada hoje pelas populações locais é uma típica questão de equidade intergeracional reconhecida pela Economia Ecológica, mas ignorada no padrão mais tradicional de políticas públicas para o desenvolvimento econômico. Políticas fundadas no olhar neoclássico. Do ponto de vista neoclássico não era um “problema” dentro do âmbito da economia. Do ponto de vista da Economia Ecológica basicamente trata-se de assumir que a geração presente, tendo em vista seu consumo e produção, deve garantir às gerações futuras, no mínimo, a mesma qualidade de vida e não menos. Se as gerações passadas tinham acesso à água, a atividade econômica ao gerar riquezas não deve levar a que as gerações futuras tenham o acesso impedido. 

Foi durante o período da ditadura civil-militar, instalada em 1964, que tivemos a marcha da agropecuária de exportação mais para o interior do país, saindo do eixo Sul/Sudeste. Rapidamente fomos para o Centro-Oeste e, finalmente a região amazônica. A agropecuária de exportação foi estimulada pelo governo a estruturar-se como intensiva, poupadora de mão de obra, ocupando grandes áreas. As fronteiras de produção agrícola rapidamente chegaram às fronteiras internacionais e às regiões de floresta fechada, expulsando do campo toda uma massa de camponeses e trabalhadores rurais que ela não empregava. Se quiserem procurar o motivo pelo qual somos campeões mundiais na urbanização achem ai algumas das razões [2]. 

A marcha para o interior se deu numa época onde o meio ambiente era visto como pouco amigável e perfeitamente manipulável pelo que se consideravam modernas práticas agropecuárias. Questões como manutenção de mananciais ou matas naturais ou biodiversidade ou até vidas humanas (não é bom esquecer o massacre dos nossos aborígenes que ficaram no caminho da agropecuária de exportação) não eram relevantes, estavam no radar das autoridades e nem mesmo da sociedade brasileira em seu conjunto. O Estatuto de Propriedade da Terra, instituição sempre confusa em nosso país certamente não ajudou muito. A defesa ambiental era coisa dos hippies e naturebas. Interessava é exportar para equilibrar as contas externas e gerar riquezas internas. 

De modo geral, ao longo das décadas, exportávamos muito barato e importávamos muito caro. Com as mudanças iniciadas por conta da transferência das cadeias produtivas do Centro para a Semiperiferia outro contexto foi criado, aumentando muito a pressão por alimentos e materiais básicos como ferro. Houve uma inversão dos fluxos e a renda que saía passou a entrar. Passamos a usufruir ganhos líquidos, ao contrário de perdas líquidas. Nossas contas melhoram. 

Entretanto há um trade off, uma escolha de fundo, feita pelas gerações no passado: Entre gerar riquezas e manter o equilíbrio dos ecossistemas, preservando os seus serviços, a escolha foi pela riqueza. Mesmo que seu benefício para as populações locais tenha sido pontual. 

O sistema desigual jogou sobre as gerações futuras o custo da escolha, mas mesmo dentro da mesma geração o sistema distributivo desigual já predestinava às populações locais a ficar com o a parte menor da riqueza, enquanto integrantes do consórcio de poder ficariam com os lucros materiais e imateriais. Seja com as riquezas da atividade exportadora, seja com os ganhos políticos dentro do consórcio e no fortalecimento das mensagens ufanistas, importantes no jogo de sobrevivência política. 

A reparar o “lucro aumentado” dos exportadores já que os danos ambientais são socializados e não incorporados a seus custos. O consumidor americano, europeu ou asiático também é beneficiário via o menor preço de aquisição. Quer dizer, uma parte relevante da vantagem competitiva está em não precificar e agregar os custos ambientais seja de “multas e punições” ou de preservação e conservação. 

No caso não precisamos fazer aqui um manifesto contra a agropecuária brasileira, não se trata disto, mas vamos considerar algumas questões que são relevantes: 

Além da geração de riquezas, pelo princípio das vantagens competitivas, dispondo de terra e condições climáticas tem sentido exportarmos alimentos. Em tese poderíamos dizer que exportamos nossa excelente condição ambiental em troca de conhecimento aprisionado em bens de capital e matérias-primas estratégicas como as da indústria farmacêutica, envolvendo tecnologias que não controlamos, por exemplo. 

A questão que precisamos responder é se o sobre lucro, e suas riquezas, advindo das facilidades ambientais naturais (qualidade do solo, bom clima, etc.), somado à falta da execução efetiva da regulação no quesito da responsabilização sobre a manutenção e permanência dos ecossistemas naturais essenciais à vida e à biodiversidade compensam o custo que as gerações futuras terão que pagar. 

A reparar: “responsabilização”, como controle e definição clara de responsabilidades e não apenas “precificação”. 

Demetrio Carneiro 

[1] Alguns cientistas defendem que o aquecimento global provocado pela ação humana pode ser um fator de mitigação das transformações climáticas no evento da glaciação... A se ver. Do seu lado os cientistas do clima falam da desertificação das áreas próximas ao Equador (leia-se a Amazônia!), do derretimento das calotas polares, aquecimento dos países mais próximos aos polos e da transferência das zonas de plantio e criação intensivas para lá. 

[2] Os economistas do desenvolvimentismo das décadas de 1950 imaginavam que esse movimento ao campo para os centros urbanos tinha aspectos positivos, já que forneceria mão de obra para as indústrias, então escassa dada a interrupção do fluxo imigratório. Certamente o futuro que parecia benigno ocultava a inexistência de um sistema capaz de reciclar o Capital Humano e o crescimento da demanda por mão de obra na indústria de transformação bem abaixo não da taxa de crescimento da população, mas da taxa de crescimento dos centros urbanos. A acomodação se deu pela via do mercado informal. Os mercados informais cumprem um importante papel na estabilidade social dos centros urbanos brasileiros.