domingo, 2 de setembro de 2012

A ECONOMIA POLÍTICA DO DESENVOLVIMENTO EXPLICANDO A RESILIÊNCIA NO PODER


A oposição gostaria de ver na desaceleração econômica uma oportunidade política. Há evidências contundentes de que a capacidade gerencial deste governo é muito fraca. Um problema estaria em estabelecer quando essa desaceleração vira crise política e quando essa crise política vira uma oportunidade para os desafiantes.

Nosso ponto é que isso pode não acontecer de forma tão simples e que a oportunidade dos desafiantes está na própria política e não na economia. Está em saber romper o dilema inter-temporal do eleitor e poder mostrar que há um futuro, proposto pelos desafiantes, que pode ser melhor que o presente e sua reprodução propostos pela coalizão dominante.

Há uma  questão aqui de Economia Política e não de Política Econômica e tem a haver com o conflito distributivo tal como ele se dá hoje no Brasil.

Em muitos momentos da política as políticas públicas para a economia envolvem escolhas possíveis entre inflação e crescimento econômico. Quer dizer, razões políticas, razões de sobrevivência política, levam agentes políticos que comandam o governo  a pretender manter o ritmo de crescimento a qualquer custo. Nesses momentos nem sempre as políticas públicas para a economia acertam seu alvo e, ao contrário de entregar crescimento, entregam inflação.

A inflação, do ponto de vista dos conflitos distributivos, é uma corrida entre salário e lucro. Salários com permanente ajuste real oneram o lucro. Assim essas políticas, como a atual, podem ser vistas como implicitamente distributivas, desde que o salário sempre seja corrigido acima da inflação.

Neste momento, quando a massa salarial, dos salários do emprego formal na economia, continua se ampliando em termos reais, vis-à-vis o nível de emprego ainda alto, aparentemente vivemos o lado bom, para o trabalho, do conflito distributivo. Vamos dizer que, dadas as atuais condições, a inflação é “boa”, pois transfere renda do capital para o salário.

Esta condição de inflação persistente e relativamente elevada parece “boa” politicamente, por continuar a transferir renda de um setor para outro e sem que sejam necessárias mudanças mais profundas. As margens de ganho do capital parecem ser suficientemente elevadas, dada a falta de concorrência generalizada, para suportar este impacto e, além de tudo, não mexer em certas estruturas não invade a zona de conforto do Poder Real sobre o qual se assenta a ampla coalizão de poder.

Entrar numa economia de escala, essa transição da economia de média escala para uma economia de alta escala – a agregação dos 40 milhões de novos consumidores, cujo estudo colocou Neri no IPEA – pode criar esse aparente paradoxo da baixa atividade econômica, com o produto tendendo a 1,5%, e da continuidade dos ajustes reais da massa salarial.

Quer dizer, com um setor de transformação e uma infraestrutura baixamente dimensionados a transição pressiona permanentemente os limites potenciais, mesmo na baixa atividade econômica. Ganhar essas dezenas de milhões de novos consumidores num curto espaço de tempo gera essas questões de ajuste e o ajuste é feito no longo prazo.

Quando o grupo dominante no poder investe no produto, já no seu limite, mantendo o ritmo de emprego e acaba gerando inflação, ainda assim ele tem ganhos políticos.

Porém há algumas coisas que não são controladas:

a) Este modelo não é em si mesmo sustentável. Quer dizer não dá para seguir eternamente transferindo renda do capital para o trabalho via inflação sem que isto impacte na atividade econômica. Em nosso passado recente vivemos esse tipo de fluxo no sentido contrário e isso pode vir a acontecer caso a inflação se intensifique desestimulando os agentes econômicos.

De outro lado o crescimento acelerado depende de mudanças de ordem institucionais e estruturais que não parecem estar no radar do poder dominante na política. Trata-se de um outro modelo;

b) Não está claro como o mercado de trabalho informal lidará com este processo. A continuar a desaceleração o mercado informal talvez venha a sofrer as consequências antes do mercado formal;

c) Principal: Não está claro até que momento é possível manter a expectativa dos agentes sob controle com a inflação rodando mais alta. O atual ciclo de greves parece mostrar que não é tão simples. Greves no setor público afetam muito pouco a economia em geral, mas podem servir de estímulo ao setor privado. Atualmente o movimento sindical na economia privada não está tão ativo, mas, havendo um momento em que possam haver perdas, esse quadro pode mudar.

Enfim, o governo petista e sua base aliada caminham sobre o fio da navalha e correm seus riscos. Neste momento, apesar da queda acentuada, o produto está muito acima da taxa geométrica de crescimento da população (0,814). Podemos ter um crescimento bastante medíocre, comparativamente aos outros emergentes e ainda assim podemos ter “sobras”.

A questão está em como isto afeta o desenvolvimento e seus frutos. O ponto de partida está na forte concentração de renda. Quer dizer, o produto final de qualquer processo mais intenso de crescimento fatalmente acaba favorecendo o andar de cima, mais que o andar de baixo. É um circuito interessante e precisa ser percebido. Um ponto percentual de produto, por exemplo, é renda também. Esta renda vai para o capital e para o trabalho e, em parte, é transferida para o Estado. Ela vai mais para o capital dada a estrutura de concentração de renda. O processo inflacionário e a pressão sobre a oferta de trabalho se encarregam de transferir uma parte da renda apropriada pelo capital. A estrutura de apropriação do tributo do Estado fazem o caminho contrário e apropriam muito mais a renda do trabalho do que a renda do capital. O capital paga 5,6% de suas rendas em formato de IRPJ. O trabalho paga 8%. A estrutura de tributação voltada para o consumo faz o resto do trabalho e nos dão uma das cargas tributárias mais regressivas do mundo.

A desmobilização das oposições vai ocorrendo tanto por conta de seu próprio fisiologismo que é parasita dos recursos do poder e precisa estar no poder para sobreviver, quanto por conta da leitura comum nacional-desenvolvimentista e neo-clássica. De fato a oposição vê o enfrentamento não como uma mudança de paradigmas, buscando um projeto dentro da Nova Economia ou de uma estratégia sustentável de gerar riquezas no longo prazo ou de resolver a concentração de renda pela ampliação do capital humano e da qualificação do trabalho, mas como uma disputa gerencial em que ela, oposição, pode fazer mais é melhor com os mesmo instrumentos, dentro dos mesmos paradigmas, neste modelo defasado e superado. O eleitor, por isso e apenas por isso deveria lhe dar seu voto.

E assim certamente poderemos estar perdendo mais este bonde a história e talvez estejamos a caminho de mais um longo ciclo de crescimento medíocre. Medíocre por estar abaixo dos potencias humanos e naturais. Mesmo com a oposição no poder.

Demetrio Carneiro