A
oposição gostaria de ver na desaceleração econômica uma oportunidade política.
Há evidências contundentes de que a capacidade gerencial deste governo é muito
fraca. Um problema estaria em estabelecer quando essa desaceleração vira crise
política e quando essa crise política vira uma oportunidade para os
desafiantes.
Nosso
ponto é que isso pode não acontecer de forma tão simples e que a oportunidade
dos desafiantes está na própria política e não na economia. Está em saber
romper o dilema inter-temporal do eleitor e poder mostrar que há um futuro,
proposto pelos desafiantes, que pode ser melhor que o presente e sua reprodução
propostos pela coalizão dominante.
Há
uma questão aqui de Economia Política e
não de Política Econômica e tem a haver com o conflito distributivo tal como
ele se dá hoje no Brasil.
Em
muitos momentos da política as políticas públicas para a economia envolvem
escolhas possíveis entre inflação e crescimento econômico. Quer dizer, razões
políticas, razões de sobrevivência política, levam agentes políticos que
comandam o governo a pretender manter o
ritmo de crescimento a qualquer custo. Nesses momentos nem sempre as políticas
públicas para a economia acertam seu alvo e, ao contrário de entregar crescimento,
entregam inflação.
A
inflação, do ponto de vista dos conflitos distributivos, é uma corrida entre
salário e lucro. Salários com permanente ajuste real oneram o lucro. Assim
essas políticas, como a atual, podem ser vistas como implicitamente distributivas,
desde que o salário sempre seja corrigido acima da inflação.
Neste
momento, quando a massa salarial, dos salários do emprego formal na economia,
continua se ampliando em termos reais, vis-à-vis o nível de emprego ainda alto,
aparentemente vivemos o lado bom, para o trabalho, do conflito distributivo.
Vamos dizer que, dadas as atuais condições, a inflação é “boa”, pois transfere
renda do capital para o salário.
Esta
condição de inflação persistente e relativamente elevada parece “boa”
politicamente, por continuar a transferir renda de um setor para outro e sem
que sejam necessárias mudanças mais profundas. As margens de ganho do capital
parecem ser suficientemente elevadas, dada a falta de concorrência
generalizada, para suportar este impacto e, além de tudo, não mexer em certas
estruturas não invade a zona de conforto do Poder Real sobre o qual se assenta
a ampla coalizão de poder.
Entrar
numa economia de escala, essa transição da economia de média escala para uma
economia de alta escala – a agregação dos 40 milhões de novos consumidores,
cujo estudo colocou Neri no IPEA – pode criar esse aparente paradoxo da baixa
atividade econômica, com o produto tendendo a 1,5%, e da continuidade dos
ajustes reais da massa salarial.
Quer
dizer, com um setor de transformação e uma infraestrutura baixamente
dimensionados a transição pressiona permanentemente os limites potenciais,
mesmo na baixa atividade econômica. Ganhar essas dezenas de milhões de novos
consumidores num curto espaço de tempo gera essas questões de ajuste e o ajuste
é feito no longo prazo.
Quando
o grupo dominante no poder investe no produto, já no seu limite, mantendo o
ritmo de emprego e acaba gerando inflação, ainda assim ele tem ganhos
políticos.
Porém
há algumas coisas que não são controladas:
a)
Este modelo não é em si mesmo sustentável. Quer dizer não dá para seguir
eternamente transferindo renda do capital para o trabalho via inflação sem que
isto impacte na atividade econômica. Em nosso passado recente vivemos esse tipo
de fluxo no sentido contrário e isso pode vir a acontecer caso a inflação se
intensifique desestimulando os agentes econômicos.
De
outro lado o crescimento acelerado depende de mudanças de ordem institucionais
e estruturais que não parecem estar no radar do poder dominante na política.
Trata-se de um outro modelo;
b)
Não está claro como o mercado de trabalho informal lidará com este processo. A
continuar a desaceleração o mercado informal talvez venha a sofrer as
consequências antes do mercado formal;
c)
Principal: Não está claro até que momento é possível manter a expectativa dos
agentes sob controle com a inflação rodando mais alta. O atual ciclo de greves
parece mostrar que não é tão simples. Greves no setor público afetam muito
pouco a economia em geral, mas podem servir de estímulo ao setor privado.
Atualmente o movimento sindical na economia privada não está tão ativo, mas,
havendo um momento em que possam haver perdas, esse quadro pode mudar.
Enfim,
o governo petista e sua base aliada caminham sobre o fio da navalha e correm
seus riscos. Neste momento, apesar da queda acentuada, o produto está muito
acima da taxa geométrica de crescimento da população (0,814). Podemos ter um
crescimento bastante medíocre, comparativamente aos outros emergentes e ainda assim podemos ter “sobras”.
A
questão está em como isto afeta o desenvolvimento e seus frutos. O ponto de
partida está na forte concentração de renda. Quer dizer, o produto final de
qualquer processo mais intenso de crescimento fatalmente acaba favorecendo o
andar de cima, mais que o andar de baixo. É um circuito interessante e precisa
ser percebido. Um ponto percentual de produto, por exemplo, é renda também.
Esta renda vai para o capital e para o trabalho e, em parte, é transferida para
o Estado. Ela vai mais para o capital dada a estrutura de concentração de
renda. O processo inflacionário e a pressão sobre a oferta de trabalho se
encarregam de transferir uma parte da renda apropriada pelo capital. A
estrutura de apropriação do tributo do Estado fazem o caminho contrário e
apropriam muito mais a renda do trabalho do que a renda do capital. O capital
paga 5,6% de suas rendas em formato de IRPJ. O trabalho paga 8%. A estrutura de
tributação voltada para o consumo faz o resto do trabalho e nos dão uma das
cargas tributárias mais regressivas do mundo.
A
desmobilização das oposições vai ocorrendo tanto por conta de seu próprio
fisiologismo que é parasita dos recursos do poder e precisa estar no poder para
sobreviver, quanto por conta da leitura comum nacional-desenvolvimentista e
neo-clássica. De fato a oposição vê o enfrentamento não como uma mudança de
paradigmas, buscando um projeto dentro da Nova Economia ou de uma estratégia sustentável
de gerar riquezas no longo prazo ou de resolver a concentração de renda pela
ampliação do capital humano e da qualificação do trabalho, mas como uma disputa
gerencial em que ela, oposição, pode fazer mais é melhor com os mesmo
instrumentos, dentro dos mesmos paradigmas, neste modelo defasado e superado. O
eleitor, por isso e apenas por isso deveria lhe dar seu voto.
E
assim certamente poderemos estar perdendo mais este bonde a história e talvez
estejamos a caminho de mais um longo ciclo de crescimento medíocre. Medíocre
por estar abaixo dos potencias humanos e naturais. Mesmo com a oposição no
poder.
Demetrio
Carneiro