domingo, 9 de setembro de 2012

O DRAGÃO DOS JUROS CONTRA A SANTA GUERREIRA



Estamos num clima, digamos, glauberiano: Não se trata mais do Dragão da Inflação, mas do Dragão dos Juros. Dilma toma ares de Santa Guerreira. Será que a questão do nosso crescimento é simples assim: basta trocar de dragões?

Desde sempre o projeto petista na economia foi crítico da adoção do sistema de metas. Bom anotar que não apenas o petismo, mas um muito vasto grupo de pensadores da economia do desenvolvimento sempre declararam que o Sistema de Metas é uma leitura neoliberal da Política Econômica. Avançam na leitura e, nos termos da Economia Política, avaliam o Sistema de Metas como um componente do conflito distributivo pró Elite, por ser um meio de transferir renda via o sobredimensionamento da taxa de juros.

Não há como negar ser um fato que taxas de juros diferencialmente muito maiores favorecem a acumulação para as Elites, transferindo renda da sociedade em geral para elas. Seja pela via da Dívida Pública, seja pela via da Dívida Privada das empresas e das famílias. Contudo a questão está no "porquê" o Regime de Metas pode conduzir a economia pelo caminho das altas taxas.

Uma coisa é constatável empiricamente: A política monetária posta à reboque de uma política econômica permanentemente expansionista ou vai na direção de juros mais altos, se houver tentativas de manter a inflação sob controle ou vai na direção de uma inflação maior, se não houver muito interesse em manter a inflação sob controle.

A política econômica sob Lula passou dois mandatos presa a este dilema de controlar ou não a inflação. Certamente com um sistema produtivo subdimensionado frente a um mercado consumidor em expansão as fortes amarras institucionais e estruturais, mudanças que invadem a zona de conforto das Elites, a economia sempre muito próxima ao seu potencial máximo sempre pressionará os preços para cima. Tanto pelo lado do mercado de trabalho, como pelo lado da oferta e seus custos, como pelo lada da demanda. No ambiente do quese pleno emprego tudo conspira para a alta dos preços.

Dilma não foi pelo mesmo caminho e assumiu abertamente a relativização do Regime de Metas, executando com fidelidade o pensamento desenvolvimentista de crítica aos juros como instrumento de transferência de rendas.

Mesmo assim de modo geral há uma continuidade, tanto na gestão Lula, como na gestão Dilma.

A economia naturalmente se dá em ciclos. Nenhuma economia cresce indefinidamente. De momentos em momentos, por fatores alheios à vontade dos povos ou de seus governos as economias se retraem crescendo menos, estabilizando ou até decrescendo. Eventualmente pode ser preciso dar dois passos atrás para dar um à frente, como diria Lênin. O nó está em como lidar com isto. No caso brasileiro trata-se de como lidar com o processo de baixo crescimento. Os processos de baixo crescimento são fortes indicadores da limitação dos modelos adotados.

A resposta comum a Lula e Dilma tem sido olhar para um piso de crescimento e agir usando de forma heterodoxa todos os instrumentos possíveis para manter a economia no piso. O problema é que o crescimento, para cima, fica aprisionado dentro de seus limites institucionais e estruturais. Esses limites só mudam no longo prazo. No curto prazo as políticas de estímulo podem muito bem ao invés de criar produto/riqueza, criar inflação.

É complexa a dosagem das medidas de estímulo. O gestor não controla plenamente seus efeitos. O cotrole, digamos fino, seria feito pela política monetária, mas a decisão política de buscar taxas básicas de juros nominais menores impede o uso dessa ferramenta. O resultado disso só pode ser a declaração oficial da aceitação da relativização do Regime de Metas que está implicita na última ata do Banco Central ao já admitir que 2013 e 2014 não atenderão a premissa  de estar no centro da meta.

Não dá para rezar em dois altares diferentes. Entre Regime de Metas de Inflação e Regime de Metas de Crescimento Dilma optou pelo segundo. É onde ela se distanciou da política prudencial dos governos Lula.

Foi uma escolha política e ideológica. A questão é o quanto é possível comprometer a estabilidade econômica. Parece ficar claro que o limite aqui é o salário real da economia. Ou seja, seguindo os conselhos de Delfim de que inflação não faz mal, podemos ir sté onde for possível continuar mantendo a massa salarial crescendo com ganhos reais sobre a inflação.

Infelzimente para todos nós o governo, embora ache que é tudo, não controla o ambiente econômico, assim como não controla os agentes e suas expectativas. Há um fortíssimo viés de insustentabilidade na proposta de política econômica do governo Dilma. Principalmente devido:

a) Ao fato elementar de que a Batalha da Taxa Selic é a batalha da taxa nominal da Selic e não da taxa real. A taxa real é dada por fatores fora do controle estatal. Inclusive um possível recrudescimento da inflação em números além do teto de +2% do centro da meta ou um aumento do risco do financiamento da Dívida pública;

b) A Batalha da Taxa Selic pode ser emblemática e passar um recado reconfortante aos apoadores governamentais à esquerda, inclusive os que estão formalmente na suposta oposição, mas não resolve absolutamente as outras taxas de mercado e ainda expõe a fragilidade do sistema de poupança nacional.

As "outras" taxas só se resolvem com a ruptura do oligopólio financeiro. bom não esquecer o quanto a oligopolização foi estimulada durante o governo Lula, principalmente no decrescimento de 2009. O perfil de concentração do sistema é um dos maiores do planeta. Meia dúzia de instituições controlam a maior parte dos ativos num ambiente de mais de mil instituições.

Provavelmente, quando ficar evidente que o problema do Dragão dos Juros não é apenas a taxa básica, vamos saber até onde vai a coragem política de Dilma. A de Lula chegou na demissão do presidente do BB e parou por lá. Trocando em miúdos: Não se trata de um insustentável plano de estatização do crédito, mas há um plano para romper o oligopólio financeiro e democratizar o sistema gerando competição? Um plano que invada a área de conforto dos apoiadores que estão no consórcio de poder?

Demetrio Carneiro