O
AMBIENTE GERAL ONDE SE DÁ A QUESTÃO DOS ECOSSISTEMAS URBANOS
O
fenômeno da urbanização veio para ficar e nossa América Latina está no topo do
ranking da concentração urbana, junto com o Caribe, tendo em suas cidades mais
de 80% da população local dos países . O confuso Estatuto de Propriedade da
Terra e a agricultura de exportação encarregaram-se desse movimento que foi
preponderante ao longo das décadas passadas, expulsando as famílias das zonas
rurais e levando-as a buscar melhores condições de vida e os equipamentos e
serviços públicos, já que é nas cidades que eles se encontram.
A concentração
urbana no Brasil tem dados significativos. São mais de 55 milhões de
brasileiros vivendo em 38 cidades com mais de 500 mil habitantes. 29% do total
da população brasileira.Entre 2002 e 2010 53
novos municípios passaram de 90 mil habitantes. Na América Latina e
Caribe a média é de 14% da população nas grandes cidades.Das cidades brasileiras
68 são totalmente urbanas, sem zonas rurais.
De outro lado 33% da população se distribui em 4.957 municípios [1].
Em paralelo há três
fenômenos a considerar, ainda:
1) A inversão da
pirâmide etária, prevista para 2050, gera um forte desafio nos termos da acessibilidade,
equipamentos e serviços urbanos tendo em vista o fortíssimo incremento de
idosos nos próximos anos[2];
2) Embora a
desaceleração da expansão demográfica das cidades brasileiras caminhe na
direção de um crescimento bastante moderado[3] a estrutura das cidades está
mudando. Aumenta a mancha urbana pelo processo de descompactação das cidades,
acelerando o desaparecimento das zonas rurais, com fortes impactos no meio
ambiente local;
3) O êxodo das zonas
rurais para a cidade perdeu seu ímpeto e hoje as migrações se dão entre
cidades: das muito grandes e menores para as médias, mas também da periferia
para o centro, por exemplo.
Enfim, tendo em vista a questão da sustentabilidade das cidades é preciso ter em vista que as dinâmicas urbanas mudaram no correr dos últimos anos.
Não se trata mais de recepcionar populações, mas de mantê-las, lhes oferecer
equipamentos e serviços públicos, dar qualidade de vida e oportunidades. Ao
mesmo tempo as estruturas do tecno-ecossistema urbano vão se tornando mais
complexas aumentando a necessidade de compatibilizá-las e torná-las mais
amigáveis com os ecossistemas naturais.
Os números informam o quanto
a questão das cidades passa a ser relevante e nela a questão da
sustentabilidade tem um papel fundamental se pensarmos na qualidade de vida no
longo prazo.
No sentido da ecologia a
sustentabilidade é uma relação entre a atividade humana e o respeito aos
limites ambientais do planeta de olho no futuro. Um futuro no qual as próximas
gerações, nossos descendentes, possam usufruir das mesmas possibilidades que as
gerações atuais, o que implica em relações de tentativa de compartilhamento e
não supremacia e subjugação.
Do ponto de vista das
cidades algumas questões se cruzam: urbanização, ecossistemas urbanos, a pegada
ecológica das cidades. Vamos, por enquanto, nos fixar mais nos ecossistemas
urbanos.
Embora a urbanização
tenha um relevante papel nas mudanças ambientais vividas nos anos recentes há
outras questões correlatas ao processo a serem consideradas: conversão das
terras rurais para uso urbano, a extração e depleção dos recursos naturais
necessários ao crescimento físico das cidades e a deposição dos resíduos
urbanos.
Os impactos ambientais
das cidades não se dão todos na mesma direção e com o mesmo grau de intensidade,
estando determinados por um processo histórico e ao grau de desenvolvimento
alcançado.
Nos países do Centro as
cidades superaram boa parte de seus problemas ambientais mais imediatos
(fornecimento de água potável, sanitização, gestão das águas servidas e
dejetos e, por fim a poluição ambiental), embora historicamente possam ter
passado por três fases bem distintas:
Uma que pode ser chamada
de fase marrom correspondente aos
primeiros momentos onde a cidade ainda se organiza e tem precariedades no
fornecimento de água potável, esgotamento, ocupação ordenada do solo, com
intensa depleção dos recursos ambientais locais e circunvizinhos. A fase
seguinte pode ser chamada de fase cinza e corresponde à instalação das
indústrias e todos os problemas ambientais decorrentes. Na terceira fase, a
verde, a problemática se altera, pois embora os problemas primários estejam
resolvidos aparecem os novos problemas como a geração de poluição em escala
global, contribuição acelerada do tecno-ecossistema urbano ao aquecimento
global, deposição da larga produção de resíduos sólidos oriunda dos estilos de
hiper-consumo etc.
Já nas cidades dos
países da semiperiferia, como o Brasil, os desafios envolvem:
a) Uso ineficiente dos
recursos naturais disponíveis, no fornecimento de água potável, na ocupação do
solo para a habitação ou no uso da energia;
b) Capacidade limitada
para lidar com a poluição ou eventos extremos como fortes chuvas ou inundações.
Assim um rol de desafios
dessas cidades envolveria minimamente:
- Poluição da água e do
ar;
- Manejo dos resíduos
sólidos;
- Uso inapropriado e
desorganizado do solo.
Inúmeros fatores
contribuem para que o problema se torne complexo:
- O impacto dos
processos industriais contemporâneos e a toxidade de muitos materiais são desconhecidos.
Eventualmente o que pode parecer ambientalmente benéfico acaba sendo um
desastre ecológico. Algumas política públicas estão muito longe de ser
prudenciais;
- Cidades de crescimento
muito rápido podem estar sujeitas a conviver simultaneamente com desafios
ambientais típicos de diferentes níveis de desenvolvimento (as fases marrom,
cinza e verde podem ocorrer em linha), tornando os desafios muito mais
complexos e difíceis de serem superados. Até pela dificuldade de eleger
prioridades, quando cada nível demanda a sua própria prioridade. São Paulo, a
capital, é o melhor exemplo, mas as cidades de porte médio podem ser gravemente
afetadas por esse processo;
- Enquanto a lógica de
descentralização é voltada para transferir a responsabilidade pelo desenvolvimento
urbano do governo central para os governos locais, em boa parte dos casos esta
descentralização não vem acompanhada da transferência de estruturas autônomas
de investimento ou da criação de instituições locais capazes de estimular, dar
oportunidades e promover a cooperação no desenvolvimento urbano[4]. Cerca de
80% dos municípios brasileiros não têm capacidade de geração de receita
própria, o que praticamente exclui os governos locais como atores do
desenvolvimento urbano;
- Com a democracia o
envolvimento de novos atores é esperado e mais pessoas e instituições haverão
de querer estar participando dos processos locais de tomada de decisão relativa
às questões ambientais urbanas, tornando sua administração mais complexa.
Este é o ambiente geral
onde se dá a questão dos ecossistemas urbanos. No próximo post iremos discutir
os ecossistemas urbanos propriamente ditos e sua relação com o
tecno-ecossistema criado pela humanidade em seu processo civilizatório.
Demetrio Carneiro
[1]
Dados do Censo 2010
IBGE e do Programa das Nações Unidas para os Assentamentos Urbanos (ONU -
Habitat).
[2]
Para Wagner Silveira, coordenador de divulgação do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas), esses números mostram a necessidade de investimentos em saúde para a população de mais idade. “Daqui alguns anos, vão sobrar vagas em escolas de ensino fundamental e vai aumentar a procura por equipamentos de saúde. Os gestores deverão pensar em menores investimentos em educação básica e maiores em educação técnica, ensino superior e, principalmente, em saúde”.
[3]
“O crescimento demográfico das aglomerações metropolitanas tem sido declinante. Para melhor compreendê-lo, será feita a distinção entre o núcleo, que é a capital, e os demais municípios, que formam a periferia metropolitana. As capitais têm tido uma redução bastante acentuada em seu ritmo de crescimento. As maiores cidades brasileiras, como São Paulo, Rio de Janeiro e Belo Horizonte, na última década do século 20, tiveram um crescimento anual extremamente baixo. Deve ser sublinhado que, em função do tamanho da população dessas cidades, seu pequeno crescimento representou 40,0% do total da população dos aglomerados metropolitanos. Nessa direção da redução da velocidade do seu crescimento demográfico, caminham todos os núcleos dos aglomerados metropolitanos. Isso ocorre, em parte, pelo acentuado declínio das taxas de fecundidade, mas sobretudo pela redução de seus saldos migratórios.”
Expansão urbana nas grandes metrópoles o significado das migrações intrametropolitanas e da mobilidade pendular na reprodução da pobreza. Fausto Brito e Joseane de Souza. Disponível em http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0102-88392005000400003&script=sci_arttext
[4]
“Assim as instituições teriam um papel chave no
desenvolvimento. Este papel se explica pela capacidade das instituições de
administrarem a cooperação e o conflito, sobretudo num contexto de forte
insegurança e instabilidade, como aquele típico dos processos de
desenvolvimento.Portanto, seja no seu aspecto ‘micro’, como no aspecto ‘macro’,
as instituições possuem uma função muito importante nas sociedades, e em
particular as sociedades em desenvolvimento: determinar as possibilidades e
formas em que podem acontecer tanto a cooperação quanto o conflito."
Cooperação e Conflito – Instituições e Desenvolvimento Econômico, Ronaldo Fiani, Ed. Campus,
2011