segunda-feira, 24 de setembro de 2012

A QUESTÃO DA SUSTENTABILIDADE DAS CIDADES 2


O AMBIENTE GERAL ONDE SE DÁ A QUESTÃO DOS ECOSSISTEMAS URBANOS

O fenômeno da urbanização veio para ficar e nossa América Latina está no topo do ranking da concentração urbana, junto com o Caribe, tendo em suas cidades mais de 80% da população local dos países . O confuso Estatuto de Propriedade da Terra e a agricultura de exportação encarregaram-se desse movimento que foi preponderante ao longo das décadas passadas, expulsando as famílias das zonas rurais e levando-as a buscar melhores condições de vida e os equipamentos e serviços públicos, já que é nas cidades que eles se encontram.

A concentração urbana no Brasil tem dados significativos. São mais de 55 milhões de brasileiros vivendo em 38 cidades com mais de 500 mil habitantes. 29% do total da população brasileira.Entre 2002 e 2010 53 novos municípios passaram de 90 mil habitantes. Na América Latina e Caribe a média é de 14% da população nas grandes cidades.Das cidades brasileiras 68 são totalmente urbanas, sem zonas rurais.  De outro lado 33% da população se distribui em 4.957 municípios [1].

Em paralelo há três fenômenos a considerar, ainda:

1) A inversão da pirâmide etária, prevista para 2050, gera um forte desafio nos termos da acessibilidade, equipamentos e serviços urbanos tendo em vista o fortíssimo incremento de idosos nos próximos anos[2];

2) Embora a desaceleração da expansão demográfica das cidades brasileiras caminhe na direção de um crescimento bastante moderado[3] a estrutura das cidades está mudando. Aumenta a mancha urbana pelo processo de descompactação das cidades, acelerando o desaparecimento das zonas rurais, com fortes impactos no meio ambiente local;

3) O êxodo das zonas rurais para a cidade perdeu seu ímpeto e hoje as migrações se dão entre cidades: das muito grandes e menores para as médias, mas também da periferia para o centro, por exemplo.

Enfim, tendo em vista a questão da sustentabilidade das cidades é preciso ter em vista que as dinâmicas urbanas mudaram no correr dos últimos anos. Não se trata mais de recepcionar populações, mas de mantê-las, lhes oferecer equipamentos e serviços públicos, dar qualidade de vida e oportunidades. Ao mesmo tempo as estruturas do tecno-ecossistema urbano vão se tornando mais complexas aumentando a necessidade de compatibilizá-las e torná-las mais amigáveis com os ecossistemas naturais.

Os números informam o quanto a questão das cidades passa a ser relevante e nela a questão da sustentabilidade tem um papel fundamental se pensarmos na qualidade de vida no longo prazo.

No sentido da ecologia a sustentabilidade é uma relação entre a atividade humana e o respeito aos limites ambientais do planeta de olho no futuro. Um futuro no qual as próximas gerações, nossos descendentes, possam usufruir das mesmas possibilidades que as gerações atuais, o que implica em relações de tentativa de compartilhamento e não supremacia e subjugação.

Do ponto de vista das cidades algumas questões se cruzam: urbanização, ecossistemas urbanos, a pegada ecológica das cidades. Vamos, por enquanto, nos fixar mais nos ecossistemas urbanos.

Embora a urbanização tenha um relevante papel nas mudanças ambientais vividas nos anos recentes há outras questões correlatas ao processo a serem consideradas: conversão das terras rurais para uso urbano, a extração e depleção dos recursos naturais necessários ao crescimento físico das cidades e a deposição dos resíduos urbanos.

Os impactos ambientais das cidades não se dão todos na mesma direção e com o mesmo grau de intensidade, estando determinados por um processo histórico e ao grau de desenvolvimento alcançado.

Nos países do Centro as cidades superaram boa parte de seus problemas ambientais mais imediatos (fornecimento de água potável, sanitização, gestão das águas servidas e dejetos e, por fim a poluição ambiental), embora historicamente possam ter passado por três fases bem distintas:

Uma que pode ser chamada de fase marrom correspondente aos primeiros momentos onde a cidade ainda se organiza e tem precariedades no fornecimento de água potável, esgotamento, ocupação ordenada do solo, com intensa depleção dos recursos ambientais locais e circunvizinhos. A fase seguinte pode ser chamada de fase cinza e corresponde à instalação das indústrias e todos os problemas ambientais decorrentes. Na terceira fase, a verde, a problemática se altera, pois embora os problemas primários estejam resolvidos aparecem os novos problemas como a geração de poluição em escala global, contribuição acelerada do tecno-ecossistema urbano ao aquecimento global, deposição da larga produção de resíduos sólidos oriunda dos estilos de hiper-consumo etc.

Já nas cidades dos países da semiperiferia, como o Brasil, os desafios envolvem:

a) Uso ineficiente dos recursos naturais disponíveis, no fornecimento de água potável, na ocupação do solo para a habitação ou no uso da energia;

b) Capacidade limitada para lidar com a poluição ou eventos extremos como fortes chuvas ou inundações.

Assim um rol de desafios dessas cidades envolveria minimamente:
- Poluição da água e do ar;
- Manejo dos resíduos sólidos;
- Uso inapropriado e desorganizado do solo.

Inúmeros fatores contribuem para que o problema se torne complexo:

- O impacto dos processos industriais contemporâneos e a toxidade de muitos materiais são desconhecidos. Eventualmente o que pode parecer ambientalmente benéfico acaba sendo um desastre ecológico. Algumas política públicas estão muito longe de ser prudenciais;

- Cidades de crescimento muito rápido podem estar sujeitas a conviver simultaneamente com desafios ambientais típicos de diferentes níveis de desenvolvimento (as fases marrom, cinza e verde podem ocorrer em linha), tornando os desafios muito mais complexos e difíceis de serem superados. Até pela dificuldade de eleger prioridades, quando cada nível demanda a sua própria prioridade. São Paulo, a capital, é o melhor exemplo, mas as cidades de porte médio podem ser gravemente afetadas por esse processo;

- Enquanto a lógica de descentralização é voltada para transferir a responsabilidade pelo desenvolvimento urbano do governo central para os governos locais, em boa parte dos casos esta descentralização não vem acompanhada da transferência de estruturas autônomas de investimento ou da criação de instituições locais capazes de estimular, dar oportunidades e promover a cooperação no desenvolvimento urbano[4]. Cerca de 80% dos municípios brasileiros não têm capacidade de geração de receita própria, o que praticamente exclui os governos locais como atores do desenvolvimento urbano;

- Com a democracia o envolvimento de novos atores é esperado e mais pessoas e instituições haverão de querer estar participando dos processos locais de tomada de decisão relativa às questões ambientais urbanas, tornando sua administração mais complexa.

Este é o ambiente geral onde se dá a questão dos ecossistemas urbanos. No próximo post iremos discutir os ecossistemas urbanos propriamente ditos e sua relação com o tecno-ecossistema criado pela humanidade em seu processo civilizatório.

Demetrio Carneiro

[1] 

Dados do Censo 2010 IBGE e do Programa das Nações Unidas para os Assentamentos Urbanos (ONU - Habitat).

[2]


Para Wagner Silveira, coordenador de divulgação do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas), esses números mostram a necessidade de investimentos em saúde para a população de mais idade. “Daqui alguns anos, vão sobrar vagas em escolas de ensino fundamental e vai aumentar a procura por equipamentos de saúde. Os gestores deverão pensar em menores investimentos em educação básica e maiores em educação técnica, ensino superior e, principalmente, em saúde”. 

[3]

“O crescimento demográfico das aglomerações metropolitanas tem sido declinante. Para melhor compreendê-lo, será feita a distinção entre o núcleo, que é a capital, e os demais municípios, que formam a periferia metropolitana. As capitais têm tido uma redução bastante acentuada em seu ritmo de crescimento. As maiores cidades brasileiras, como São Paulo, Rio de Janeiro e Belo Horizonte, na última década do século 20, tiveram um crescimento anual extremamente baixo. Deve ser sublinhado que, em função do tamanho da população dessas cidades, seu pequeno crescimento representou 40,0% do total da população dos aglomerados metropolitanos. Nessa direção da redução da velocidade do seu crescimento demográfico, caminham todos os núcleos dos aglomerados metropolitanos. Isso ocorre, em parte, pelo acentuado declínio das taxas de fecundidade, mas sobretudo pela redução de seus saldos migratórios.”

Expansão urbana nas grandes metrópoles o significado das migrações intrametropolitanas e da mobilidade pendular na reprodução da pobreza. Fausto Brito e Joseane de Souza. Disponível em http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0102-88392005000400003&script=sci_arttext

[4]

“Assim as instituições teriam um papel chave no desenvolvimento. Este papel se explica pela capacidade das instituições de administrarem a cooperação e o conflito, sobretudo num contexto de forte insegurança e instabilidade, como aquele típico dos processos de desenvolvimento.Portanto, seja no seu aspecto ‘micro’, como no aspecto ‘macro’, as instituições possuem uma função muito importante nas sociedades, e em particular as sociedades em desenvolvimento: determinar as possibilidades e formas em que podem acontecer tanto a cooperação quanto o conflito."

Cooperação e Conflito – Instituições e Desenvolvimento Econômico, Ronaldo Fiani, Ed. Campus, 2011