segunda-feira, 14 de fevereiro de 2011

SOCIALISMO NO BRASIL: É POSSÍVEL IR DA UTOPIA HUMANISTA AO MUNDO REAL?

O post que publiquei hoje sobre o aniversário do PT e a questão do socialismo no Brasil, assunto puxado pela matéria, que cito lá, do Estado, acabou me propondo uma questão com a qual estou às voltas já tem muito tempo:

Afinal, dá para ir além da constatação de que o socialismo é uma utopia de raiz humanitária?

Em um texto sobre o socialismo que escrevi, já tem algum tempo, minha preocupação em estabelecer a raiz humanitária estava essencialmente ligada a procurar as linhas de ruptura com o conceito do socialismo que, durante décadas, fundamentou uma prática política impositiva, anti-democrática e hegemonizante, a mesma que ainda perdura em inúmeros segmentos da esquerda brasileira que emprestam ao Estado e não à sociedade e suas representações o papel de construção de um projeto possível de socialismo.

Pouco tempo atrás traduzi e coloquei no Scribd uma entrevista feita com um economista chinês que mora a atua na China continental. Chama-se Cui Zhiyuan. Basicamente o que Cui expõe é que é possível convergir para o que ele chama de “socialismo de mercado”. Contrariamente ao pensamento mais tradicional que encontra uma forte oposição entre socialismo e mercado, Cui avalia que não há uma oposição direta e que ambos podem conviver em seus espaços. No “modelo” de Cui parte importante do financiamento da ação social de Estado se dá pelo ganho gerado pelas empresas estatais. O ganho seria diretamente aplicado nos programas sociais. Seria algo parecido com o debate à respeito do uso dos ganhos do pré-Sal. Que, aliás, virou poeira. No caso de Cui ele se refere às empresas criadas no âmbito municipal financiando educação, habitação popular etc. Haveria espaço de ação para as empresas privadas, que seriam menos taxadas, pelo é o que ele afirma que ocorre no município dele. Em paralelo haveria um forte programa de criação de empresas cooperativadas.
Pessoalmente acho que um dos pontos mais interessantes está na empresa cooperativada, pois o que se aponta é que são empresas voltadas para a produtividade. Empresas capital-intensivas. Bem ao contrário do modelo idealizado no Brasil onde o conceito de cooperativa está mais associado à criação de emprego e não ao uso de média ou alta tecnologia.
Em todo este processo Cui dá enorme importância ao papel do experimentalismo e da capacidade do Estado chinês em permitir uma completa flexibilização em zonas localizadas para ir tentando modelos alternativos.

Enfim, na China, na leitura de Cui o que temos é um regime socialista que busca, experimentalmente e de forma localizada, meios de convivência com o regime de mercado, formando, na produção, um tripé “Estado x empresas privadas x empresas cooperativadas”. Ainda na leitura de Cui o problema não está em estatizar a propriedade das empresas, mas em permitir que os ganhos sejam compartilhados, o que ele propõe ser feito por meio das empresas cooperativas. Contudo isto não significa impor o fim da empresa privada tradicional em detrimento das empresas cooperativas, mas significa que há um caminho por ai.

É isto.
Acho ai, nas empresas cooperativadas, há uma pista. Infelizmente entre nós este é um dos assuntos postos de lado.
Décadas atrás não havia um debate sobre o socialismo entre nós por conta ou de que o modelo já estava “pronto” ou por que a questão do momento era a “revolução nacional-democrática”. Pois é. O “modelo” foi um desastre e a tal revolução já está se dando.
Boa parte de ex-socialistas alega que após o muro não há nada para fazer e não há nada de novo. Não é verdade. O que não tem mais espaço é o modelo socialista criado no leninismo-stalinismo.
Há debates muito interessantes ocorrendo, como este do “Socialismo de mercado”. Apenas, como sempre, não participamos dele.

Demetrio Carneiro