Belchior e Mantega ressaltaram que o parâmetro para “medir” o corte seria a despesa primária que fornece os elementos para o superávit primário, quando confrontada com a receita.
Antes de tudo devemos começar indicando que a LDO 2011 não fala no superávit primário como um percentual sobre o PIB, mas sim informa um valor total em reais. Na época da votação da lei a assessoria técnica da Câmara Federal já havia chamado a atenção para o fato de que embora o Projeto de Lei falasse num superávit primário total constante de 3,3% nos três anos considerados, 2011/2012/2013, o que foi fixado foi um valor fixo em reais. Portanto, o resultado final tanto poderia ser mais ou menos que 3,3% do PIB. Especificamente falava-se, para o governo federal, em uma meta de R$81,8 bilhões.
Na exposição feita pelos ministros a meta permaneceu. Por uma questão de lógica se a meta é mantida, mesmo com o “corte” na despesa autorizada, então, de fato, estava comprovada a economia.
Algumas observações:
a) Vamos tentar explicar algumas coisas para a questão ficar mais clara.
Usar o conceito de Superávit Primário tem sido uma prática constante em finanças públicas. A razão é que é extremamente complexo conferir diretamente receita e despesa pública nas contas nacionais, para se chegar a um “saldo” que indique uma dada economia;
b) Na realidade o conceito de superávit primário aparece nas finanças públicas algumas décadas atrás por estímulo dos órgãos multilaterais e por sua aplicação à Lei de Responsabilidade Fiscal. Diga-se de passagem, o PT foi contra a aprovação da lei. Alegava o partido, Lula incluso, que o uso do conceito iria travar e impedir as políticas públicas sociais de combate à pobreza.
A idéia que começava a tomar força na época era a da política de estabilidade e, nesse caso, o Orçamento Público não pode ser um saco sem fundo, assim o Estado não podia se financiar apenas criando dívida pública. Daí haveria não só a necessidade de buscar um equilíbrio entre receita e despesa, mas também que, além das operações normais para renovação da dívida houvesse um espaço orçamentário para buscar sua redução.
Devido à extrema dificuldade, na época, de acompanhar o movimento real do ingresso das receitas e o desembolso dos gastos no dia-à-dia, para poder avaliar desempenho e corrigir a direção em função da meta de economia prevista, resolveu-se ser mais prático adotar um outro conceito que não o da simples diferença entre receita e despesa.
Partiu-se da hipótese de que, aconteça o que acontecer nas contas públicas, o importante seria quanto se precisaria para financiar a atividade pública no seu dia-à-dia. Usando um exemplo de Giambiagi é maios ou menos como usar o saldo devedor do cartão de crédito. Quer dizer, vc pode não acompanhar com detalhes o que ganha e o que paga, mas certamente sabe o que “falta” para igualar o ganho à despesa. Esse “o que falta” é o saldo a pagar do cartão.
No caso do superávit primário o que se acompanha é o que “sobra” entre o que ingressa de receita efetiva e o que sai de pagamentos realmente feitos. Este último detalhe é muito importante, pois os números do Orçamento Público são apenas “autorizações” para gastar e “previsões” do que entrará. Entre eles é o mundo real pode haver uma enorme diferença.
Mensalmente o Banco Central publica um balanço onde aponta o valor de economia que vai se acumulando. Por isso Mantega em sua fala comentou que iria ser possível “medir” a economia acompanhando a evolução do acúmulo. Quer dizer, se o acúmulo por na direção de indicar que se fechará o mês de dezembro com uma “sobra” no orçamento fiscal do governo federal de R$81,8 bi, então a economia estará sendo feita;
b) Lembrando a crítica da assessoria da Câmara: Ao fixar a meta de economia do orçamento fiscal do governo federal em 2011 em R$81,8 bi o governo colocou de lado o formato mais comum de fazer este tipo de conta que é relacioná-la percentualmente ao PIB. Tem diferença? Tem. Na exposição Mantega fala num PIB previsto de cerca de R$ 4 tri. Aplicando a previsão de 2,15%, da LDO 2011, que seria a economia a ser feita pelo governo federal, dá R$86 bi e não os R$81,8 previstos.
c) Quando Mantega fez as contas para chegar na economia ele jogou a receita prevista contra a despesa autorizada. Quem tem um mínimo de contato com a questão orçamentária sabe perfeitamente que não é apenas a receita que pode ser alterar, no caso o corte de R$19 bi foi prudencial, mas também a despesa não será aquela. O índice de execução, quer dizer, do realmente se gasta, no orçamento federal não é de 100%. A soma final dos gastos acabará sendo sempre menor. Isto sem contar a estratégia de empurrar gastos com a barriga via Restos à Pagar. Na realidade a tabela apresentada por Mantega não é o que vai acontecer no mundo real. Supondo que a receita se confirme e despesa seja menor do que o lançado, automaticamente, sem qualquer “economia” no custeio estará se formando uma poupança. Basta fazer o que sempre fazem desde que apareceu este formato de indicar economia: Gastar menos do que foi autorizado. O que implica que “cortar, então, é gastar abaixo dos níveis normais de execução da despesa.
d) Enfim, a única forma de “mostrar” serviço não seria abater R$50 bi da despesa autorizada, mas agregar R$50 bi ao resultado primário final, que passaria de R$81,6 bi para R$131,6 bi. O problema é que não dá para manipular isto com tanta facilidade quanto dá para manipular a despesa autorizada.