O esperado fim da ditadura pró-ocidental no Egito pode gerar mudanças dramáticas no complicado equilíbrio do oriente médio, mas o que os egípcios querem neste momento é bem claro: Liberdade e desenvolvimento.
Ditaduras têm muito pouco a haver com desenvolvimento no seu sentido mais amplo. Podem, no máximo como ocorreu aqui entre nós, buscar e oferecer um processo de modernização do aparelho de Estado ou de crescimento em benefício dos parceiros do poder real. Já o desenvolvimento sistêmico depende fortemente da democracia.
Mubarak ainda é um resíduo requentado de Nasser, ele sim uma forte liderança de corte autoritário, mas que trazia esperança de mudanças. Este processo se esgotou e o que vemos é uma nova etapa onde a população não quer mais promessas para o futuro.
É a manifestação de uma cidadania em auto-construção e ai as redes de relacionamento vêm jogando um papel fundamental na convergência em direção ao mesmo sentimento de luta.
A recente decisão do Google e do Twitter parece trazer um inesperado ingrediente de pró-ativismo internacionalista dentro da rede.
Até aqui a postura do resto do mundo nestes eventos era de solidariedade e replicagem de informações censuradas pelo poder interno. Aqui e agora uma virada que aponta uma intervenção direta na política local a partir do exterior. Vamos ter ainda uma Internacional das Redes de Compartilhamento? Um centro “sem centro” articulado enquanto rede? O WikiLeaks também não foi uma intervenção de fora para dentro?
Como será o desenho do oriente médio daqui para frente não é muito fácil prever. Principalmente com um Israel sensível e pressionado, logo ali ao lado. O Egito tem sido historicamente um forte muro de contenção às posições mais agressivas dos setores ativistas religiosos mulçumanos. De outro lado não é impossível que a mudança no Egito acabem levando a mudanças dentro de Israel fortalecendo grupos mais interessados numa paz de longo prazo e não em vitórias táticas sempre sobre o fio da navalha.
Como será o desenho deste novo mundo de redes protagonistas também não dá para prever com certeza. O que é certo é que os partidos políticos, como elementos de convergência e transformação política, vão sendo largamente superados e sequer entendem como correr, ou não, atrás dos prejuízos.
Aqui entre nós brasileiros, até por ser hoje o dia de abertura da nova legislatura, talvez isso devesse levar a novas reflexões quanto ao papel que os partidos vêem jogando enquanto pontes do Estado para a sociedade e não ao contrário.
Augusto de Franco, A independência das Cidades, fala sobre a privatização do público. Nossos atuais partidos são um pouco, ou muito, isso: Uma apropriação privada por grupos do projeto público.
Sei que a rede pode facilmente retirar a nenhuma representatividade real desses partidos. Também sei que a rede, a verdadeira e não a forjada pela manipulação política em qualquer que seja a direção, não se deixa capturar. Então a questão é como se dará esse diálogo entre redes e partidos políticos.
A questão vale para nós e para os egípcios.
Lá a “onda sem centro” e não institucional em algum momento irá ter que desaguar nas estruturas institucionais. A partir daí os partidos agirão no sentido conservador ou dialogarão produtivamente com a rede?
Aqui o diálogo “não-manipulatório” será possível? Ou os partidos se bastarão na relação burocrática de ter nas redes mero “termômetro” do que eles devem ou não publicizar como posição ou defender?
Partidos políticos que só olham para a rede do movimento social de forma manipulatória, ou com desprezo, saberão dialogar com a rede das redes?
Demetrio Carneiro