sábado, 9 de janeiro de 2010

UM CHEIRINHO DE PASSADO


O período de 2003/2004 foi de intensas decepções com o governo eleito em 2002. O discurso eleitoral de Lula foi-se alterando e, uma vez no poder, os temas centrais da estabilidade econômica e princípios da boa macroeconomia, os chamados fundamentos, trazidos pelo famoso tripé “câmbio flutuante, metas de inflação e responsabilidade fiscal” acabaram prevalecendo.


Aqueles que viam ali a oportunidade de mudanças profundas e questionavam a estabilidade e seus instrumentos considerando-os como resultado de um projeto neo-liberal que atentava contra a imensa desigualdade social e os milhões de brasileiros abaixo da linha de pobreza desdobraram-se em críticas. Primeiro um manifesto de 300 economistas, ainda em 2003 e, em seguida, outro manifesto em 2004.


Já no ano seguinte, 2005, a economia internacional, estimulada pela crescente demanda nos países centrais, iniciava sua fase mais longa de crescimento acelerado desde a segunda grande guerra mundial. A intensificação das relações econômicas em escala mundial trouxe para o cenário os países emergentes. E o Brasil estava entre eles. Dali para frente entraríamos num novo ciclo de commodities, como outros que já vínhamos tendo desde a colônia.


O crescimento, relativamente acelerado, embora bem inferior aos outros emergentes, mas muito superior à média dos anos passados, gerou renda suficiente para os constantes recordes de tributação que viriam no ano seguinte. Os recursos capazes de sustentar as políticas sociais fluíram. Sem mudanças no modelo de desenvolvimento e no modelo macroeconômico a vida seguiu e temas antes postos na ordem do dia como o controle cambial, questionamento da dívida pública, questionamento do regime de formação de superávit foram sendo abandonados. Já a questão da taxa Selic e do spread bancário, o papel do Estado na sustenção dos rentistas, esta permaneceu. O projeto anti-capitalista existente por trás das propostas de controle estatal da Selic e dos juros bancários permaneceu e aparece ao longo do período em diversos momentos.


Neste período a questionada estabilidade “neo-liberal” se mostrou elemento de extrema importância nas políticas públicas sociais. Foi à custa da baixa inflação do período que se tornou possível uma linha de continuidade nos ganhos reais, principalmente das classes mais pobres que são sempre às vítimas preferenciais dos processos inflacionários. Foi a mesma baixa inflação que viabilizou o segundo elemento de expansão da economia a par das commodities: O alongamento do perfil do crédito pessoal. O aumento da quantidade de prestações acabou alavancando ao aumento do consumo. Poder de compra mantido, dilatado o prazo abriu-se um segmento, a classe C, antes insipiente e o mercado interno entra no jogo econômico. No caso do mercado interno uma lógica que aparece no período de alta inflação estabelece a estratégia vencedora: O que importa não é o valor final do produto, mas o valor da prestação mensal.


Às vésperas da eleição de 2010 muitos dos temas são retomados e nossos queridos nacional-desenvolvimentistas voltam à cena na esperança de retomar seus projetos originais. Aparentemente o tempo não os levou a uma reavaliação de suas propostas e o embate se dará maios ou menos à volta dos mesmos temas.


Abaixo o segundo manifesto, o de 2004. É bastante instrutivo comparar as posições da época com as atuais. Não trás qualquer leitura ambientalista, não era tema da época. Falando assim parece que estamos remetendo a dezenas de anos e não a seis. Também não apresenta uma visão sistêmica do que seria então o projeto de desenvolvimento. A leitura, embora parta de economia, é fortemente política e pesadamente ideológica. Daí um conjunto de proposições pontuais e “opostas” ao projeto neo-liberal, no entendimento do grupo. Na lista das assinaturas está a Via Campesina. Imagino que hoje chamariam este manifesto de direitista.


Demetrio Carneiro




Manifesto dos Economistas


"E nada mudou"


Por uma política econômica voltada para um projeto nacional de desenvolvimento, com prioridade para a geração de empregos e a redução das desigualdades sociais.


Em junho de 2003 um grupo de mais de 300 economistas brasileiros divulgou um manifesto no qual advertia para o agravamento da crise social em face do aprofundamento, pelo Governo Lula, da política macroeconômica herdada do Governo anterior. Apontamos como alternativa,fruto de um consenso mínimo, um programa de sete pontos que configurava um compromisso com a adoção de uma política de promoção do pleno emprego, num contexto de retomada do desenvolvimento e de realização da democracia social.


Passado mais de um ano, um grupo inicial de cerca de trinta economistas, signatários ou aderentes daquele Manifesto, reuniu-se novamente para fazer uma avaliação da conjuntura econômica à vista de nossas proposições anteriores e das perspectivas que se apresentam à sociedade brasileira. Nossa conclusão, enriquecida por sugestões de outros economistas que assinam o presente documento, é que a situação social se agravou de uma forma inequívoca, e que o ligeiro suspiro de crescimento que se tem verificado este ano não muda o caráter excludente e pauperizador da política econômica. Ou seja, continuamos no rumo errado, mas há alternativa.


A adoção pelo governo Lula da mesma política econômica adotada no segundo mandato do governo FHC – e com o objetivo de manter o modelo de economia inaugurado por Collor -, demonstra que o desejo de mudança, expresso claramente pelo povo nas eleições de 2002, foi usurpado pelo mesmo poder econômico, que quer manter a todo custo seus privilégios.