Texto de Dionísio Dias Carneiro, abaixo e na íntegra, foi publicado hoje no Estado de São Paulo.
Inicialmente assume com muita clareza a questão das políticas de estabilidade econômica no Brasil.
O tempo que Lula está perdendo em querer entrar para a história como Pai dos Pobres II, o pós-Getúlio, com iniciativas tipo Copa, Olimpíada, Consolidação das (dele) Leis Sociais, seria mais bem empregado se ele se dedicasse na consagração desse modelo macroeconômico que trouxe ao país condições de um crescimento estável.
A lógica do Estado forte e do gasto como instrumento de dominação e subordinação não deixa, a ele o boa parcela de nossos “progressistas”, perceber como o regime de baixa inflação contribuiu para a manutenção do poder de compra, no longo prazo, das classes menos favorecidas. No discurso tudo o que se faz é para os pobres, mas as práticas são bem outras.
Na parte final vale o comentário sobre o reflexo de falas como a do Senador Sérgio Guerra e outros companheiros tucanos que criticando as altas taxas acabam justamente dando elementos, via instabilidade de regras futuras, para que se mantenham altas ou subam. No caso vale aquele ditado sobre a boa vontade...
Demetrio Carneiro
Regra de Taylor e aumento de juros
Dionisio Dias Carneiro
No mundo, discutem-se as estratégias de saída para as políticas expansionistas que foram aplicadas em todos os países e isso aumenta a incerteza. No Brasil, a política monetária contracíclica não desestabilizou as expectativas inflacionárias e isso diminuiu a incerteza. Essa poderia ser a consagração do regime de política macroeconômica que completou dez anos de sucesso no Brasil. Na economia internacional, a estratégia de metas mostrou suficiente flexibilidade para sobreviver em diferentes países sob circunstâncias históricas bem diversas.
Parte do sucesso decorre do fato de não ter sido um modelo de política monetária "imposto" de fora, mas resultado de uma evolução teórica e prática que permitiu adaptações a diferentes ambientes institucionais e políticos. Sobretudo, permitiu que governos de diferentes matizes ideológicos pudessem cumprir seus programas sem abrir mão da governança monetária. O reconhecimento da continuidade e da seriedade do trabalho do Banco Central (BC) sob Henrique Meirelles resultou em sua nomeação para o conselho diretor do Banco de Compensações Internacionais (BIS). No ambiente pré-eleitoral, isso vale mais do que as desmoralizadas avaliações de risco produzidas pelas agências especializadas.
A convergência de regimes monetários foi antecipada por John Taylor, de Stanford, que mostrou que, independentemente do que diziam seus porta-vozes, bancos centrais razoáveis seguiam na prática uma regra simples: metas para as taxas de juros no mercado de reservas bancárias determinadas pelos desvios entre a inflação esperada e a desejada e pelos desvios entre o PIB projetado e o nível considerado não inflacionário.
Na conferência anual do Fed Kansas City em 2007, John Taylor mostrou que os desvios da taxa de juros praticada pelo Fed com respeito a uma regra de Taylor estimada para os EUA confirmavam o ponto de vista de que a política monetária foi excessivamente frouxa entre 2002 e 2005. A diferença entre a taxa efetiva e a taxa calculada pela regra de Taylor seria a maior desde os anos 70, quando foi gerada a inflação americana, só dominada pela frieza de Paul Volcker. Na conferência anual dos economistas americanos deste ano, Ben Bernanke racionalizou a política de Greenspan de 2002-05, questionou o uso da inflação observada na regra de Taylor, defendendo o uso das projeções do Fed, que conduziria a uma política mais previsível, e arguiu que a evidência internacional não mostrava correlação entre bolhas imobiliárias e política monetária frouxa. Abriu espaço para o Fed agir quando os preços de ativos (inclusive de imóveis) sinalizarem perigo, o que não é consensual.
Nos EUA, os economistas estão divididos entre os riscos de reverter muito cedo e abortar a recuperação incipiente e os riscos de uma recuperação desorganizadora, inflacionária e de curta duração. Não faltam argumentos para os dois lados. Isso aumenta as incertezas em torno da dívida pública, prejudica o investimento privado e contamina os mercados cambiais.
No Brasil, a taxa Selic está abaixo da calculada pela regra de Taylor usada por nós na Galanto, o que explica as dúvidas entre os especialistas sobre o futuro das taxas de juros. Mas as curvas de juros mostram um prêmio que estatisticamente pode ser atribuído à incerteza quanto ao futuro do regime, mais do que à taxa esperada de juros.
A inflação, tanto a passada quanto a esperada para 12 meses, está abaixo da meta. A evidência mostra: 1) o BC tem seguido uma regra de Taylor; 2) a Selic tem sido maior do que a calculada pela regra quando a inflação projetada é maior do que a observada em 12 meses; 3) os desvios entre expectativas e observações têm diminuído desde 2004; e 4) o BC não mudou seu comportamento na recessão e tem reagido à inflação e ao nível de atividade de forma coerente. O que houve foi o maior uso de instrumentos diretos de injeção compensatória de liquidez e de política fiscal expansionista.
No ambiente eleitoral, alguns bem-intencionados argumentam que o Banco Central aumente os juros o quanto antes para preservar a credibilidade. Esse argumento, questionável, tem provocado intensa pressão especulativa sobre os juros futuros. A entrevista do presidente do PSDB na semana passada mostra que há riscos concretos de mudança de regime, independentemente do que faça o Comitê de Política Monetária (Copom). Portanto, os prêmios podem aumentar sem que isso seja razão para o BC "seguir a curva".