Falar de mercado interno e desenvolvimento não passa por soluções fáceis, mesmo que existam as oportunistas, no bom e no mal sentido, como as que o atual governo vem aplicando.
O investimento estrangeiro neste momento é fundamental para complementar a fraquíssima poupança interna, mas pensar um modelo de longo prazo apenas com base na poupança externa é extremamente arriscado. Excesso de liquidez da economia internacional à parte, o padrão de curva em W ainda continua assustando. A lenta retomada da economia mundial está levando muita gente a imaginar que a retirada dos estímulos pró-cíclicos possam levar a uma nova queda. Não é outro o sentido do comentário de Paul Krugman, “That 1937 feeling” onde lembra a precipitação do governo americano em considerar “encerrada” a crise, no NYT, no dia 3 último.
Certo ou errado, talvez mais errado que certo o “sentimento” de Krugman, o fato é que não há como olhar propositivamente a questão do desenvolvimento no Brasil sem que a poupança e o mercado, ambos internos, façam parte da equação, se pretendermos que sair das armadilhas do ciclo “commodities/capital externo” seja de fato um projeto nacional para quebrar uma escrita centenária.
Do lado da poupança interna os recentes debates sobre a taxação da poupança e o emprego dos recursos do FGTS – que pode ser visto como um fundo de poupança compulsório de todo trabalhador registrado legalmente – mostraram claramente que não uma clara linha de política pública voltada para o estímulo às famílias para a poupança.
A carta do IBRE- Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas, de dezembro de 2009, com base em dados de um estudo do Banco Mundial, realizado em 150 países, entre 1965 e 1994, “What drives savings across the world”, comenta a questão da poupança interna. Depois de identificar correlações positiva entre poupança e crescimento econômico e entre poupança e desoneração tributária, comenta a queda na poupança interna entre 2004 e 2008. Inversa, portanto, à tendência mundial. A explicação seria uma outra correlação, esta entre trabalhadores na ativa e aposentados. Dentro desta lógica, nos países onde houvesse uma defasagem entre a renda obtida no trabalho e a renda obtida na aposentadoria, haveria um forte estímulo a que houvesse a prática de poupança, vista realmente ai como a garantia do futuro. O exemplo é a China. Contudo, no caso brasileiro as políticas públicas de garantia de igualdade ou mesmo rendas maiores, no caso do setor público, ou no caso do setor privado, onde 68% das pensões são equivalentes ao salário-mínimo e vêem acompanhando sua correção “faz com que o piso previ¬denciário do INSS englobe uma proporção crescente dos benefícios, engrossando, por¬tanto, a massa das aposentadorias e pensões que acompanham, ou mesmo superam, os aumentos dos trabalhadores ativos”. Haveria então um desestímulo formal à prática de poupança.
Isto indicaria, na leitura do Tony Volpon, por exemplo, a necessidade de retomada do debate sobre uma ampla reforma previdenciária que trouxesse para a cena um sistema não de previdência complementar como o proposto e jamais regulado para os funcionários públicos, mas de formação de fundos de pensão para o setor privado da economia, criando assim fontes “seguras” de formação de poupança interna, potentes o suficiente para intervir no financiamento do crescimento nacional. Claro que toda uma elite sindical “em defesa dos interesses dos trabalhadores” irá criticar a “privatização” da previdência pública etc...
Evidentemente há obstáculos políticos concretos como o que fazer para financiar as atuais pensões e benefícios ou como explicar que itens tipicamente de atenção social tipo a previdência rural, aposentadorias compulsórias sem a devida contribuição, estejam sangrando a regime previdenciário, ou seja onerando o sistema como um todo e, em particular os que realmente pagam por ele, os assalariados, ocultando as verdadeiras contradições desta proposta, mesmo que humanitária.
Ao desestímulo pode ser somada a visão de ampliação de mercado interno a partir da ótica do atual governo: Estímulo ao consumo com base na expansão de crédito direto ao consumidor.
Muitas coisas conspiram, então, para a formação de uma poupança interna trazendo para esta equação a poupança externa, se pensarmos em fontes para financiar o crescimento.
A lógica, inversa à poupança, de apelo ao consumo imediato, olhada ainda hoje como elemento anti-cíclico, tem funda vinculação com os instrumentos que alavancam este conceito de mercado interno: Garantias sociais mínimas, como o bolsa-família, que atinge hoje cerca de 25 milhões de brasileiros, correção do salário-mínimo com valores reais que praticamente dobraram seu valor nominal nos últimos anos.
Nossa questão está em estabelecer se este modelo de mercado interno, fundado basicamente no consumo de massa da maior classe social brasileira, a classe C, cuja faixa de renda domiciliar estava na casa dos R$1.100,00 em 2008 e representava um mercado potencial de R$410 bilhões, tem viabilidade no longo prazo. Os três princípios que lhe dão fundamento: renúncia à poupança, políticas de proteção social e aumento real do salário-mínimo são, digamos, eternizáveis ou estamos falando de uma política de construção de mercado interno que prefere fugir dos grandes problemas nacionais?
Este mercado que hoje existe gera crescimento econômico? Sim gera, mas a questão está no tipo de crescimento.
Por exemplo, a fusão ou aquisição das Casas Bahia pelo Pão de Açúcar mostra um pouco do processo atual. Mesmo com significativa baixa o custo de financiamento ao consumidor oferecido no Brasil ainda é um dos mais altos do mundo. Os grandes grupos comerciais apreenderam o caminho aberto durante o período de alta inflação. O jogo é vincular o valor da prestação à capacidade de pagamento do consumidor. Ele não vai olhar para o preço final. A atual estabilidade inflacionária, que incomoda tantos economistas, facilitou a vida do comércio varejista brasileiro. Em épocas de estabilidade prestações de dois ou três anos são viáveis e muito lucrativas às atuais taxas de juros. A taxa de inadimplência é justificativa dos altos custos e acaba sendo absorvida por eles. As grandes cadeias comerciais terceirizam, normalmente para suas próprias factorings, os financiamentos e as factorings terceirizam as cobranças duvidosas, normalmente mais uma vez para empresas do próprio grupo, para as empresas de cobrança. É legal e todos, que são um só, ganham. Na outra ponta a formação de grupos quase oligololistas acaba dando ao varejo um poder de fogo muito grande frente aos fornecedores nacionais ou não. Não que o jogo seja ruim, os coreanos, por exemplo, já se deram conta do potencial deste jogo e investem nele pesadamente.
Toda esta cadeia interligada existe graças ao altíssimo custo repassado ao consumidor. Será que toda esta estrutura sobreviveria a uma real abertura da economia brasileira?
Enfim, dá para imaginar um mercado interno firme e estável sem formação de emprego qualificado? Dá para imaginar emprego qualificado sem estrutura educacional sistemática e ampla, algo como o ensino em horário integral universal? Dá para imaginar indústrias que possam empregar pessoas qualificadas sem o desmonte desta arapuca que o é o custo-Brasil, sem haja um conjunto de reformas que dê estabilidade institucional? Da para imaginar tudo isto sem uma política pública de promoção de investimentos massivos em micro-inovações e áreas estratégicas voltadas para as novas demandas que se formam, decorrentes dos paradigmas da nova economia?
Todo um conjunto de questões está em aberto e deve ser “resolvido” propositivamente Ser apresentado à população de forma clara e direta.
O eleitor deve ser chamado a comparar não o passado com o passado – a tal eleição plebiscitária dos sonhos de Lula, mas o passado com o futuro. Este presente que vivemos é na verdade, ele sim, o passado que devemos criticar e superar se quisermos construir um outro futuro possível.
Demetrio Carneiro