A vitória dos partidos pró-religiosos e pró-fundamentalistas no primeiro turno das eleições parlamentares do Egito, trás para o cenário político um importante debate sobre escolhas entre um Estado religioso ou um Estado laico. Os grupos vencedores, Irmandada Muçulmana, partido Nour e outros, são defensores do Estado religioso islâmico num país relativamente diverso, com uma minoria religiosa não-islâmica bem significativa. Os coptas somam um quarto da população egípcia.
Não era o que se antevia no ar durante as revoltas que derrubaram o Mubarak. Naquele momento falava-se em democracia e Estado laico. O que ocorre agora vem numa direção inversa e deve ser sim motivos de preocupação.
Não se trata apenas de uma discussão sobre modelos ocidentais ou não-ocidentais ou sobre a autonomia do povo de cada país. Aqui há implicações geo-estratégicas. Aquela não é exatamente a região mais tranquila do planeta. Aqui também há implicações sobre democracia e autoritarismo que nos interessam diretamente. Estados religiosos são necessariamente autoritários por sua necessidade de hegemonia absoluta.
Nem todos os islamitas pensam na imposição de sua religião. Num artigo escrito para o site Religion and Ethics, WHY MUSLIMS NEED THE SECULAR STATE, o professor Abdullahi Ahmed An-Na'im, professor da Emori School of Law, defende que o islamismo pode perfeitamente conviver com o Estado laico e que a adoção das regras da Shari'a, enquanto política pública, ou não, deveriam ser derivadas de um trabalho de convencimento e não de imposição. É uma visão extremamente diferente da adotada pelos vitoriosos no Egito.
Seja como for essa discussão sobre escolhas rebate em nosso país frente à crescente força política dos segmentos religiosos fundamentalistas e essa força já foi capaz de mudar tendência de voto no Congresso e até mesmo postura de candidatos eleitoralmente competitivos.
É de se observar o Egito com um olho no Brasil.
No fim do dia a discussão é a mesma: Estado laico ou Estado religioso?
Demetrio Carneiro