Hoje qualquer pessoas mais esclarecida na questão do desenvolvimento sabe o que é "sociedade do conhecimento".
O que poucos se dão conta é que para haver uma sociedade do conhecimento é preciso que o patrimônio imaterial, que é sua base, seja protegido. Simples: Não tem sociedade do conhecimento se não houver instituições que funcionem adequadamente para garantir a propriedade do capital imaterial.
Claro todo mundo pode sonhar com uma sociedade onde todos trabalhem produzindo conhecimento de forma gratuita, sem qualquer tipo de remuneração, apenas pelo bem da humanidade. Neste caso realmente não precisa haver patente.
No mundo real se a questão das patentes não estiver resolvida não haverá estímulo para a produção de conhecimento.
É simples assim.
O depoimento abaixo é muito elucidativo...Leia e diga se um país nessas condições pode se tornar algum dia um país desenvolvido. Qualquer que seja o seu conceito de desenvolvimento.
Demetrio Carneiro
Fonte: Jornal da Ciência da SBPC de 09 de Dezembro de 2011.
No reino da pirataria
Artigo de Nélio Nicolai publicado no Correio Braziliense de hoje (9).
O que brota da criação de um ou mais indivíduos serve a toda a humanidade, abre caminho a novos inventos e contribui para elevar o padrão de vida no planeta. Mais que isso, a proteção a patentes expressa a autoestima de um país, premissa para que se afirme perante os demais.
Consideremos, pois, o Brasil nesse setor. Figuramos como país consumidor de inventos alheios, pelos quais pagamos royalties elevadíssimos. Respondemos por apenas 0,1% da produção mundial de patentes. E isso ainda se deve, segundo o presidente da Academia Brasileira de Ciências, Jacob Palis, a "alguns raros heróis que se aventuram por aí, sem contar com infraestrutura nem estímulos concretos".
Sem pretender a comenda de herói, incluo-me nessa galeria. Sou autor, entre outros, de três inventos adotados em todo o mundo: o Bina (sinalizador de chamadas telefônicas), o Salto (sinalização sonora que indica, durante uma ligação, que outra chamada está na linha), e o sistema de Mensagens de Instituições Financeiras para Celular.
Esses serviços são cobrados por operadoras e bancos em todo o mundo. O Bina está hoje em 5 bilhões e 500 milhões de celulares. No Brasil, custa mensalmente a cada assinante R$ 10 ou US$ 6. E são 240 milhões de celulares com esse serviço, o que produz faturamento mensal de R$ 2,4 bilhões. Isso sem contar com os royalties externos.
Embora as patentes estejam registradas no Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI) desde 1980, renovadas em 1992 e em 2002, cumprindo todos os requisitos legais, jamais recebi um centavo - nem eu, nem o Brasil, nem o povo brasileiro - pelos direitos das três invenções. Os apelos feitos a sucessivos governos para que exigissem o cumprimento da Lei de Patentes, da qual o Brasil é signatário, resultaram inúteis. E o caso está na Justiça há 13 anos.
Inventei a primeira tecnologia Bina em 1977, quando trabalhava na Telebrasília. Fui inicialmente parabenizado, mas a seguir hostilizado. O departamento jurídico da empresa recusou-se a me auxiliar no registro da patente, o que providenciei em 1980. Acabei demitido em 1984, por insistir na adoção do Bina e do Salto. Depois que saí, ambas as invenções passaram a ser comercializadas pela quantia mensal que, em reais, correspondiam respectivamente a R$ 10 e a R$ 2,90.
Inventei a segunda tecnologia Bina em 1992. A Telebrás emitiu em 1993 a Pratica 220-250-713, que padronizou o seu uso. Procurado por várias empresas, em 1997, optei por assinar contrato de transferência de tecnologia, em parceria com a Ericsson, à Intelbras e à Telemar. Em 1997, porém, o sistema Bina foi mundialmente implantado, sem respeito à patente.
Em 1998, cansado das ironias dos advogados das multinacionais ("procure a Justiça, quem sabe seus bisnetos recebam algo"), não tive outro recurso senão ir ao Judiciário. Acionei primeiramente a Americel, em Brasília, em março de 1998. Fui vitorioso em primeira e segunda instâncias. Em 2002, foi proferida a sentença confirmatória, pelo Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios (TJDF).
Começa então o pesadelo kafkiano: as multinacionais se unem para anular a patente brasileira. Cobram, em 2003, da Ericsson, responsável pela maioria das centrais eletrônicas no mundo, a venda de uma tecnologia que não lhe pertencia (seus editais especificavam Bina=220-250-713). E a Ericsson, mesmo tendo contrato assinado comigo, foi ao Tribunal Federal de Justiça, da 2ª Região, no Rio de Janeiro, pedir a nulidade da patente brasileira. De vítima, passei a réu.
O advogado da Ericsson, que, paradoxalmente, é também presidente da Associação Brasileira de Propriedade Intelectual (ABPI) e integra o Conselho Antipirataria do Ministério da Justiça, conseguiu "suspender" os meus direitos relativos ao meu próprio invento, até a decisão final da Justiça. A restrição coube apenas a mim: não recebo, nem posso dispor do que me pertence. A outra parte pode.
Faz oito anos que aguardo a sentença, protelada por inúmeros recursos da autora. A alegação é de que tem de haver amplo direito de defesa, pela presumida suspeição da inocência, mesmo dispondo de documento com fé pública: a carta patente ratificada nos autos pelo INPI e pela Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel).
Nesse ínterim, foram-me concedidas duas comendas que, em qualquer parte do mundo, poriam ponto final à contenda: um certificado e uma medalha de ouro do World Intellectual Property Organization (Wipo), reconhecendo e recomendando a patente do Bina. De quebra, a Empresa Brasileira de Correios concedeu ao meu invento selo comemorativo, na série Invenções Brasileiras. Mesmo assim, nada. É o que costumo repetir: é fácil ser Bill Gates ou Steve Jobs nos Estados Unidos; duro é ser Nélio Nicolai no Brasil.
Nélio Nicolai é técnico em eletrônica e inventor.