Em tempos onde a ONU dá alertas sobre a insegurança alimentar de vasto grupo de populações em todo o planeta em decorrência da forte alta dos preços dos alimentos, como consequência da seca nos EUA, parece um paradoxo produtores paulistas estarem adotando as mesmas práticas dos barões do café no início do século passado: erradicar as árvores.
Seria uma conjunção de fatores: supersafra(!) de laranjas nos EUA, a política das extratoras/exportadoras de suco e o hábito alimentar nacional, mais focado no consumo dos sucos extraídos no ato do consumo.
Fenômenos parecidos sempre ocorrem nesse tipo de cadeia produtiva onde um segmento fortemente capitalizado concentra capacidade decisória e acaba se tornando o comprador principal de toda uma rede de pequenos e médios produtores. Enquanto os negócios vão bem é o paraíso, quando os negócios vão mal os segmentos capitalizados rapidamente se retraem e os pequenos e médios produtores ficam no vazio. Já aconteceu no passado nesse setor e em diversos outros como carnes de frango, suína, leite e seus derivados. No caso do leite, por exemplo, as grandes cooperativas e suas tetrapacs simplesmente pulverizaram os pequenos e médios produtores independentes eliminando o fornecimento do leite in natura e controlando com mãos firmes os preços no mercado via um sistema cartelizado. O suco de laranja segue o mesmo modelo. O que estamos vivendo agora é a crise dos pequenos e médios produtores que eram beneficiários deste modelo.
Não há mágica. Somente uma política consistente e atenta para a formação de cooperativas verticalizadas, que possam alcançar a rede de comercialização, quebrando a cartelização, é capaz de reverter este quadro. De qualquer forma ainda assim não é possível mudar hábitos alimentares, mudando o estilo de consumo do mercado interno ou o poder de compra, do mercado interno versus o mercado americano.
Esta é uma ocasião onde deveriam ser pensadas não apenas as soluções emergenciais, incorporação no lanche escolar, por exemplo, mas soluções de prazo mais longo, do contrário o que vamos repetir não será apenas a destruição das árvores, mas as políticas de subsídios, que, disfarçadas de assistência aos pequenos e médios produtores, acabarão beneficiando os segmentos que cartelizam o mercado.
Demetrio Carneiro