sábado, 19 de março de 2011

ECOS DO PASSADO E AFIRMAÇÃO DO PRESENTE.

Dilma falou...

E, para quem pouco fala, falou bastante. Ai abaixo, no final do post, vão as avaliações de Tony Volpon.

De meu ponto de vista registro basicamente a confirmação de que a política econômica será tocada pelo conceito de gatilho a ser disparado por um piso de crescimento previsto para 4,5%/ 5%.
Sendo assim há limites para tudo que crie obstáculo ao piso, o que explica o corte com contra-corte destinado a mudar a operação contábil, mas não a proposta do gatilho. Da mesma forma explica a mudança da política de atacar o centro da meta inflacionária pela política de tolerar variações dentro da banda sem que o núcleo seja o gatilho da Selic. Segundo Dilma variações para baixo (magnanimidade?) ou para cima.

Como diz o Tony, abaixo, é o trade-off, clássico, entre crescimento e inflação. Dilma parte da lógica desenvolvimentista presente em amplos segmentos do PT e de outras forças de esquerda: Só o crescimento e o forte papel do Estado, pela via do gasto, implementação do investimento e do estímulo ao gasto das famílias, são capazes de garantir uma política distributivista, direta ou indireta, contínua. É dentro da lógica do distributivismo que encara com tranqüilidade o aumento do salário mínimo previsto para 2012. Na realidade a gestão Dilma assume claramente um lado na questão do Estado e da partição da renda.
Na lógica desenvolvimentista mais clássica, como a atual, cabe ao mercado interno o pólo dinâmico e sustentável de crescimento, tendo o consumo das famílias papel preponderante. É realmente a escolha pelo consumo como pólo dinâmico, o que sustenta todas as políticas de expansão de crédito. A trava dada agora foi uma trava macro-prudencial ou seja pontual. Em notícia de hoje avalia-se que a decisão de aumentar a margem de compulsório, por exemplo, retirou da economia R$75 bi o que não é exatamente um valor desprezível.

Na realidade é um mix de política econômica onde se aceita o princípio da estabilidade fundado na lógica do tripé, desde que não afete o piso de crescimento projetado. É uma relativização condicional do conceito de Estabilidade.

Para cima a conversa é bem outra. Quando Dilma questiona o “teto” de crescimento, dentro da lógica de que há um limite estrutural a partir do qual o crescimento perde impacto e vira inflação o faz repetindo um discurso já existente de que ninguém é capaz de determinar com precisão onde está o teto: 5%, 5,5% etc. e assume, portanto, que nos período de forte expansão o governo buscará o teto experimentalmente, que é meio o que veio sendo feito agora. Enfim, há um gatilho para baixo, mas não há um gatilho para cima. Evidentemente esta lógica de tolerância para cima afetará o conjunto de desempenho do pensamento econômico do governo, inclusive o BC.

A questão distributivista no seu sentido mais amplo merece uma observação a mais. Sendo o eixo central da política do gatilho do piso mínimo pode levar a questões complicadas :

Uma é a admissão de que a inflação é tolerável desde que se mantenha a proposta básica e enveredarmos pelo caminho do inverso do que se pretende com um crescimento comprometido. Convém alertar que a perda da memória inflacionária de nosso passado é relativa, já que as pesquisas de percepção indicam um grau de preocupação com a questão disseminado entre a população;

Outra é a que se refere ao resultado concreto. A estratégia de governo para executar esta proposta distributivista no seu sentido mais amplo de partição de renda a partir do Estado é firmada na promoção apenas na faixa de população de risco. Acima do risco cessam os efeitos das políticas de promoção. Quer dizer o aumento da renda via salário mínimo, importante para os segmentos não qualificados da população, com um bom exemplo no setor de trabalhadores que atendem a classe média, tipo empregadas, faxineiros etc., ou o pagamento dos benefícios de previdência ou o pagamento da Bolsa-Família, pode ter forte impacto num mercado interno sempre capenga da participação de amplos segmentos da população brasileira, pode ter impacto na PNAD promovendo a incrível e recente mudança na base social. Lembrando que essa mudança só se viabilizou pela via da promulgação da Constituição de 1988.

Muito bem, o problema da atual lógica é que a renda não resolve a promoção social sozinha.
Há, por exemplo, uma forte, midiaticamente falando, política de promoção de direitos. Mas é mais midiática que concreta e a prova está na execução orçamentária. Hoje, também, o Portal Contas Abertas divulga que a Secretaria da Igualdade Racial desembolsou menos da metade de sua verba. Certamente não será por falta de objeto, mas de objetivo.

Infelizmente agregado ao conceito desenvolvimentista clássico, que é o dominante, a visão de Delfim Netto, de distribuir por conta do crescimento do bolo, é a prevalente. Fala-se em crescimento como “receita mágica”.
Não o crescimento não é receita mágica. Se fosse todas as nossas décadas de crescimento econômico, acima do crescimento vegetativo teriam gerado necessariamente outro perfil de distribuição de rendas, que é tão absurdo hoje quanto era 20, 30, 40 ou 50 anos atrás, quando começou o atual ciclo de crescimento mais acelerado, com relação ao passado anterior entre o início do século e a década de 60.
Nenhuma coincidência no fato de 30% dos mais ricos do mundo, na relação da Forbes, serem brasileiros.

Acima da faixa de pobreza o que garante promoção social é ensino qualificado que gera o emprego qualificado. É bom não esquecer que a máquina que elegeu Dilma foi montada pela retirada da qualidade do Ensino Básico como prioridade e sua substituição pelo PAC.
A construção de uma sólida estrutura capaz de fornecer um ensino básico de qualidade é uma questão de tempo e vontade política, mas é a partir desta base concreta que se constrói um processo de autentica promoção social.

De outra forma não adianta ter pessoal qualificado se não em áreas voltadas para a economia sustentável, o que representa a necessidade de repensar todo o nosso modelo de desenvolvimento.
A exportação de commodities pode ser um bem ou um mal. Anotem, para não esquecer, que uma das pautas mais importantes da visita de Obama é assinar um acorde de fornecimento de petróleo bruto para os EUA.
Poderemos, como nos últimos 500 anos, exportar material bruto e dar ao país praticamente nada e, quando se esgotarem as commodities finitas, apenas lamentarmos o azar ou podemos usar o processo para financiar outras escolhas, que sejam sustentáveis.

Isto, por sua vez, vai nos remeter ao Custo-Brasil e aos gargalos de investimento que a política de transformar o BNDES num banco de investimento três maior que o Banco Mundial absolutamente não resolve.

Enfim, todo este debate sobre gatilho para baixo, inexistência de gatilho para cima ou relativização do conceito de Equilíbrio é apenas uma ponta de outro debate. Quer dizer, pensar assim não retira a essencialidade e importância da discussão da política econômica de Dilma, mas é importante que se perceba onde um debate fica inserido em relação ao outro.
Quem muda, taticamente é bom esclarecer, é o projeto nacional-desenvolvimentista que agora confirma a aceitação da Estabilidade, mas relativizada, para alívio de muitos.
Menos mal, pois foi este mesmo projeto que navegou, sem medos ou receios, pelo menos inicialmente, tanto pela irresponsabilidade fiscal, quanto pelo regime de alta inflação.

Entretanto é bom frisar que a aceitação tática anda muito longe de representar uma mudança do pensamento central, que permanece o mesmo dos últimos 50 anos.
Demetrio Carneiro



Abaixo a nota do Tony:

Em sua primeira entrevista como presidente ao jornal financeiro Valor, publicada hoje, a presidente Dilma Rousseff fez uma série de observações importantes sobre a economia brasileira, que resumimos abaixo:

1. Ela julga a que a atual crise japonesa "atrasará um pouco" a recuperação mundial, mas que conduzirá a uma maior demanda por petróleo e gás natural em substituição a energia nuclear.

2. Ela considera que o desenvolvimento do petróleo do "pré-sal" como estratégica para o desenvolvimento econômico nacional; que ela o chama de "passaporte para o futuro" do Brasil.

3. Ela diz que vai "não permitir que a inflação volte ao Brasil." Mas ela também diz que acredita que o Brasil vai crescer 4,5-5% este ano, e que "não há incoerência entre o corte de R$50 bilhões em gastos e entregar R$55 bilhões para o (banco estatal de desenvolvimento do Brasil) BNDES, para sustentar os investimentos ".

4. Continuando na frente macroeconômica, ela afirma que "a velha discussão sobre o potencial de crescimento tem de ser revisitada" e que ela não acredita que a inflação no Brasil é devida ao excesso de demanda. Relativamente ao último ponto, ela afirma: "[este é o lugar onde] nós divergimos com determinados segmentos. Nós não pensamos é um problema de demanda ... é óbvio que temos tido ultimamente uma alta no preço dos alimentos ... e pressão sazonal. Quando perguntada sobre a inflação de serviços, que bateu o nível de 8%, ela respondeu:" nós temos que acompanhar isso. Mas não é possível dizer que o Brasil está crescendo além de sua capacidade e assim que o crescimento está causando a inflação. "

5. Dilma Rousseff também diz que não irá "derrubar o crescimento", mesmo que ela prometa reduzir os gastos correntes. Ela descreve sua política fiscal como "consolidação fiscal" e não uma política de contenção orçamentária.

6. Ela diz que sua política quanto a inflação é manter a inflação na meta, mas "nós temos a parte ascendendo ou descendendo na banda". Quando perguntado sobre as dúvidas do mercado sobre o Banco Central do compromisso do Brasil (BCB) de combate à inflação, ela disse que o mercado às vezes acerta, às vezes erra, e que ela acredita em um "Banco Central profissional e autônomas".

7. Quando perguntado sobre os riscos da inflação decorrente do aumento, esperado, de 14% do salário mínimo em 2012, Dilma Rousseff justificou a regra atual (correção da inflação anual, mais o crescimento do PIB de dois anos) como sendo justa para dar aos trabalhadores parte do crescimento e da produtividade ganhos vistos no passado. Ela diz que a regra atual "não é a indexação, e quem diz isso não se preocupa com o trabalhador brasileiro".


8. A entrevista deixa claro que há áreas de divergência entre o governo e o mercado, mas também apresenta nuances de ponto de vista sobre as principais questões macroeconômicas. A recusa em admitir qualquer tipo de trade-off entre inflação e crescimento podem ser em parte uma estratégia para manter elevado o "espírito animal" e da necessidade, que é política, de não admitir ajustes fiscais como consequência da política induzida de sobreaquecimento da economia. A ênfase na explicação do choque pelo lado da oferta para a inflação atual é, também, acreditamos, uma defesa do uso excessivo do “escorvar a bomba”*, feito por seu antecessor em ano eleitoral. No entanto, mesmo com os ajustes que estão sendo feitos há uma clara escolha de investimentos “direcionados” que irão adicionar capacidade de produção futura independentemente de qualquer esforço para controlar a inflação, o que é consistente com a visão do governo de que foram os pesados investimentos do BNDES, que "salvaram" a economia brasileira, de uma grande recessão durante a crise financeira. Sua defesa da política de salário mínimo atual é na mesma linha, com o seu governo acreditando que o forte crescimento do consumo é a chave para o desenvolvimento social e econômico em curso.

Apesar da insistência de Dilma Rousseff de que ela não vai "negociar" com a inflação há outras "metas" importantes em sua política macroeconômica: Da sustentação dos altos investimentos até a utilização da política salarial como um instrumento de redistribuição de renda.
O como ela equilibrará as escolhas, no sentido do trade-off econômico básico “crescimentos versus inflação”, é que determinará em grande parte o sucesso de seu governo.

*Mecanicamente significa uma sangria que retira as bolhas de ar que impedem que a água seja sugada por uma bomba hidráulica. Em economia trata-se de um conceito keynesiano que envolve estímulo pela via da despesa pública para manter ou elevar níveis de demanda.NT(DC)