quarta-feira, 9 de março de 2011

DEPOIS DO CORTE E DO CONTRA-CORTE CÂMBIO VOLTA A INCOMODAR O GOVERNO

Dólar abaixo de R$ 1,65 desafia BC

Fonte: Valor Econômino

Lucinda Pinto e Angela Bittencourt | De São Paulo

09/03/2011

Depois de um período de trégua, o clima de guerra cambial pode voltar ao ar. A queda da moeda americana na sexta-feira para o menor nível desde agosto de 2008, rompendo o suporte de R$ 1,65, tem tudo para mobilizar o governo que, por semanas, deixou de ameaçar o mercado com novas medidas. A taxa de câmbio não desvalorizou como o governo esperava, mas também não derreteu apesar do fluxo de capital, que engordou as reservas internacionais para US$ 310 bilhões. E volta à pauta depois de o mercado ter mergulhado em discussões sobre política monetária, gerenciamento de expectativas inflacionárias e a consistência do ajuste fiscal. Mas, na opinião de especialistas, o governo poderia encarregar o cenário externo de ajustar o mercado cambial.

A perspectiva de alta dos juros no Hemisfério Norte deverá, em algum momento, corrigir o excesso de fluxo de capital que tem enfraquecido o dólar mundialmente para economias emergentes e para o Brasil. Para André Perfeito, economista-chefe da Gradual Investimentos, esse cenário deve elevar a taxa de câmbio para R$ 2,00 no fim de 2012. Inês Filipa, economista-chefe da Icap Brasil, compartilha dessa opinião, mas projeta real mais forte ao final do ano que vem: R$ 1,73.

O dólar vinha travado no patamar de R$ 1,66 desde o final de dezembro mesmo com fluxo muito forte de recursos externos. Mas na sexta-feira caiu a R$ 1,645, apesar das sucessivas intervenções do Banco Central, e disparou sinal vermelho no mercado, que vem contabilizando pesadas compras de dólar pela autoridade monetária no mercado à vista, além das intervenções com swaps reversos e operações a termo. A ação vigorosa do BC, basicamente mantendo um piso de preço para negociação da moeda, também incentivou analistas a considerarem que a taxa de câmbio está em linha com o cenário atual, de inflação corrente forte, expectativas de inflação aceleradas e perspectiva de aumento da taxa de juros no mundo desenvolvido. "O entorno externo torna o câmbio mais preocupante e justifica que o governo tolere uma taxa um pouco mais apreciada", afirma o diretor do grupo de pesquisa econômica para América Latina do Goldman Sachs, Alberto Ramos.

O Banco Central Europeu (BCE) acenou na semana passada com a possibilidade de alta do juro já para abril. Da mesma forma, o juro americano terá de ser normalizado nos próximos meses. Ainda que boa parte dos especialistas acredite que, nos EUA, a alta da taxa só virá em 2012, o mercado deverá reagir antecipadamente a esse fato. "Isso tudo significa que o Brasil pode ficar menos atrativo em termos relativos, o que pode levar a uma desvalorização do câmbio", afirma Ramos, que admite que sua projeção de R$ 1,70 para o dólar no fim de 2011 deverá ser elevada diante desse ambiente. "Há algum risco de que o câmbio possa se deslocar", afirma Ramos. Ele observa ainda que, se essa alta ocorresse no ano passado, seria algo que deixaria o governo contente. Mas, diante da alta dos índices de inflação doméstica, essa situação é preocupante.

O executivo do Goldman Sachs alerta que o Brasil precisa estar preparado para uma eventual reversão desses fortes fluxos, uma vez que é dependente de capital externo para financiar a conta corrente. "Diferentemente da Ásia, o Brasil tem uma situação de dependência do capital externo", completa.

Para Tony Volpon, estrategista da Nomura Securities, ainda que o BC não tenha abandonado a decisão de enxugar o excesso de fluxo, ele parece ter desistido do esforço de levar à casa de R$ 1,70. Essa mudança se deve, em sua opinião, à percepção de que o BC está "aceitando a imposição dos fatos". "A única coisa que afeta o câmbio são os termos de troca, que hoje continuam contribuindo para a valorização do real", explica Volpon, referindo-se à alta das commodities. Para ele, entretanto, a ação dos bancos centrais mundiais deve levar à reversão desse processo de valorização dos preços e, portanto, pode contribuir para interromper a queda do dólar aqui.

"Além disso, em um momento em que o investidor tem a perspectiva de crescimento maior de sua economia, a tendência é que seu dinheiro volte para lá. É bom lembrar que investir em mercado emergente não é um processo natural", afirma Volpon.

O esforço que o governo tem feito para conter a apreciação do real não é pequeno e foi capaz de ao menos limitar a volatilidade da moeda. "O que acaba atraindo ainda mais capital", lembra Volpon.

As aquisições de dólar pelo BC neste início de ano estão nas máximas históricas, sendo superadas apenas por calendário inédito pautado pela capitalização da Petrobras em setembro passado. Dados parciais do mercado cambial no primeiro bimestre deste ano, até 25 de fevereiro, apontam compra média diária pelo BC de US$ 380 milhões - nível de atuação semelhante à marca superada pela média diária de US$ 512 bilhões de setembro de 2010. O IOF alentado já levou à retração do fluxo de capital estrangeiro para a renda fixa local em novembro, dezembro e janeiro, mostram dados mais recentes divulgados pelo BC.

"Se havia alguma dúvida sobre o IOF como instrumento de restrição aos fluxos de capital, ela deixou de existir", comenta Darwin Dib, economista do Itaú Unibanco e especialista em operações cambiais. Ele lembra que o fluxo líquido de investimento estrangeiro para a renda fixa local oscilava em torno de US$ 1,9 bilhão nos meses precedentes a outubro passado. E, após as duas elevações do IOF, o fluxo reverteu para zero em novembro, passou a US$ 200 milhões negativos em dezembro e a US$ 500 milhões também negativos em janeiro deste ano.

O economista do Itaú Unibanco pondera que o câmbio havia saído dos holofotes nas últimas semanas porque a taxa estava extremamente estável em termos nominais, reforçando a ideia de que o BC está, sim, bem disposto a evitar a apreciação da moeda. Fernando Rocha, economista-chefe da JGP, concorda com Dib. Mas considera possível uma mudança de tendência de apreciação em 2012. "Em algum momento os juros subirão lá fora e quando isso ocorrer haverá mudança no fluxo de capitais, afetando o Brasil", avalia.

Felipe Tâmega, economista-chefe do Modal, viu na estabilidade relativa da taxa de câmbio um sinal de que ela estaria próxima dos fundamentos citados pelo presidente do BC, Alexandre Tombini, quando foi sabatinado no Senado. "Quando questionado sobre o dólar, Tombini foi direto. Disse que o câmbio continuará flutuando e seguindo os fundamentos. Para nós, isso significa que o BC deve utilizar um modelo de avaliação para captar o valor justo da taxa de câmbio", afirma. Ele diz que um dos modelos de médio e longo prazo do Modal aponta para taxa entre R$ 1,68 e R$1,69. "Portanto, não muito distante do que estamos hoje", explica.

Sérgio Vale, economista-chefe da MB Associados, considera que o governo parece ter percebido que não dá para fazer mágica quanto à tendência de apreciação da moeda. "Essa questão só se resolve por algum desbalanceamento estrutural na conta de capital e/ou na conta corrente. A conta de capital pode ficar mais complicada este ano em função da mudança de política monetária nos Estados Unidos e/ou o petróleo no Oriente Médio. A conta corrente vira um problema quando o déficit em conta corrente começar a ficar muito elevado, o que ainda vai levar um tempo. Assim, como está fora da alçada do governo, ele deveria tentar mudar a parte estrutural dos custos das empresas: custo trabalhista, tributário e de infraestrutura menor. Mas não há nada efetivo e de qualidade nesse sentido. Portanto, a indústria vai ter que continuar apanhando do câmbio ainda"