terça-feira, 15 de março de 2011

BRASIL: GAVIÕES IRRITADOS RECLAMAM COM O BIG BOSS

Por Tony Volpon

Ontem, o Banco Central do Brasil (BCB) realizou a sua reunião trimestral com muitos economistas do mercado ( participantes da pesquisa Focus)  preparatória do próximo Relatório de Inflação de março. No entanto, esta reunião, ao contrário da maioria das reuniões anteriores, apresentou fortes críticas de alguns economistas que, abertamente, puseram em causa o compromisso do Banco Central no combate à inflação. Embora a maioria concordasse que a economia brasileira está desacelerando, alguns participantes mais radicais afirmaram que não se faz o suficiente para trazer a inflação de volta à meta,  ainda em 2012. Dúvidas sobre a eficácia das medidas de macro-prudencial, o compromisso com a austeridade fiscal e com o esperado  aumento de 13,5% ,ou mais, do salário mínimo para 2012 eram queixas repetidas muitas vezes. O Banco Central também foi criticado por ter, aparentemente, abandonado o objetivo de trazer a inflação para meta durante o ano corrente e pelas alterações sugeridas na composição da pesquisa Focus.
  
O Brasil é o único país no qual eu posso pensar que alguns economistas do mercado vêem como seu dever dizer ao Banco Central o que fazer ao invés procurarem prever o que o Banco Central vai realmente fazer. Culturalmente (e falo isso como um brasileiro) a maioria dos economistas do mercado gostam de fazer um  “Monday morning quarterbacking”*, da mesma forma a maioria dos brasileiros acha que eles seriam melhores treinadores do alardeado plantel de futebol do país.

Por conta dessas tendências culturais, devemos ainda acrescentar dois conjuntos de fatores agravantes:
 Em primeiro lugar, a partir de uma perspectiva normativa, muitos analistas locais simplesmente não concordam com as recentes alterações introduzidas pelo novo governo no mix de política macroeconômica.
Em segundo lugar, tanto o governo como o Banco Central precisa tornar mais claras as mudanças políticas que estão sendo planejadas e, de fato, concluí-las.
O mix do regime no Brasil também mudou. .
Simplificando um pouco as coisas, nós tínhamos o seguinte mix no governo Lula:

1. Uma política fiscal e creditícia frouxa;
2. Política monetária e cambial apertada;

Agora com o Presidente Dilma:
 
1. Uma apertada, mas nem tanto, política fiscal e uma política creditícia pela via das medidas prudenciais;
2. Menor dependência da Selic e da apreciação cambial para controlar a inflação.
 
Além disso, essas mudanças têm um maior grau de coordenação e coerência entre políticas agora do que durante o período Lula.
 
Alguns economistas não concordam com essas mudanças. Enquanto a grande maioria dos economistas de mercado não são fãs da política fiscal frouxa do período de Lula (ainda que mais aceita como uma necessidade no rescaldo da crise financeira), o claro direcionamento da inflação pelo instrumento da política de taxa de juro é visto por muitos como uma virtude. A maioria não aceita o argumento de que a articulação política de Lula levou a uma valorização enorme e perigosa da moeda, e que a decisão política tomada pelo novo governo mudou a combinação de políticas para diminuir a pressão sobre o Real.
 
Reconhecemos que a articulação política atual é mais complexa do que se deu no governo anterior. A execução desta combinação das complexas políticas atuais é o que governo escolheu para lidar tanto com a valorização do real, como as maiores taxas de política real do mundo. Em segundo lugar, a coordenação entre as políticas é muito importante e a necessidade de olhar tranversalmente as áreas políticas e fazer julgamentos informados é talvez a principal lição da crise financeira.
 
Mas a maior complexidade pode criar riscos que o governo e o Banco Central deveriam ter em conta. Por exemplo, o impacto real das políticas macro-prudenciais é difícil de estimar, dada a capacidade do sistema financeiro para ultrapassar as medidas (algo desse tipo está acontecendo no mercado de câmbio, com os bancos locais formando dívidas de curto prazo para contornar os recentes limites impostos sobre as posições pontuais de curto prazo).
 
Em nossa opinião, o Banco Central deve abordar esta incerteza, errando para mais no lado da cautela e impondo medidas mais eficazes para reduzir o crescimento do crédito. Acreditamos também que o governo deve caminhar para um regime fiscal de longo prazo que iria retirar a tentação política de estimular a demanda nos períodos próximos as eleições, como se estimulou em 2010. Esperemos que qualquer novo regime possa usar, como alvo, outra coisa além da medida fiscal primária, que, infelizmente, perdeu toda a credibilidade dada aos truques contábeis sucessivos utilizados pelo governo para "acertar" esta meta ao longo dos últimos dois anos.O governo também precisa lidar com a "super indexação" do salário mínimo, que será um importante desafio em 2012.
 
O Banco Central também deve ser mais direto em seus objetivos. É claro que não há apoio político para o tipo de aperto monetário que seria necessário para trazer a inflação para meta no ano calendário de 2011. O horizonte político efetivo é de 2012. Sendo assim, o Banco Central deve indicar isso claramente, e não através de atas habilmente redigidas, mas com uma linguagem opaca.
 
Os falcões infelizes estão certos em muitos pontos, mas assim é o governo e o Banco Central. O regime político mudou, e nós acreditamos na direção certa. No entanto, o governo tem muito mais trabalho a fazer, especialmente no lado fiscal. E o Banco Central tem que clarificar as suas reais intenções.

* Nota de tradução (DC): Termo informal, americano e canadense, que se refere à pessoas que gostam de opinar após os fatos, de forma retrospectiva, sugerindo outras opções.