A matéria abaixo, publicada no site do Instituto Millenium, reflete uma preocupação justa.
De fato as Oscips aparecem no primeiro governo FHC a partir de uma ação do Comunidade Solidária, na altura sob Ruth Cardoso e Betinho.
O princípio era atual e lógico:
a) O Estado é incapaz de atender a todas as demandas da sociedade. Vamos dizer assim: A soma de todos os recursos possíveis de o Estado obter não são jamais suficientes para atender a soma de todas as demandas;
b) A Sociedade Civil tem o Capital Social Potencial – tem toda uma teorização sobre uso possível que não discutiremos agora - disponível e pode usá-lo em favor de si própria a partir de uma articulação com o Estado.
Enfim as Oscips seria entidades privadas agindo no espaço público em coordenação com o Estado, ocupando áreas onde este deveria estar, mas não teria condições de estar ou por falta de recursos ou por falta de estrutura. Este é lado ideal/teórico e belo da história.
O lado real é que a bela idéia de Ruth Cardoso, Betinho e outros (bom não esquecer o Augusto de Franco) de imediato virou um formato para burlar a Lei de Responsabilidade Social na questão da contração de pessoal na área de saúde. Nos municípios. A partir da interpretação de que a LRF não impedia e nem obrigava que a terceirização sob norma que limitava a folha de pagamento das prefeituras as Oscips rapidamente passaram de “solução” para a Saúde para “solução’ geral e generalizada.
Dali para o aparelhamento foi um passo rápido e o aprofundamento da prática no governo Lula, frente à perpectiva hegemonizante petista consolidou o processo.
Do aparelhamento para o uso das entidades na formação de caixa dois ou mesmo para “popularização’ da imagem de parlamentares e dirigentes do executivo foi outro passo.
Atualmente já dá para afirmar que a proposta de uso do “Capital Social Potencial” foi substituída pela “estatal-dependência”. Sem os recurso do Estado é bem provável que mais de 80% das Oscips, que realmente estejam em operação, fechem suas portas.
O “controle estatal” entre nós já é falho por natureza. Deveria ser o “controle social” republicano feito pelo Tribunais de Contas, poderia ser o “auto-controle” feito pela CGU. É falho, como é falho no resto do planeta. O aparelho do Estado tem dimensões e alcances inimaginados a meio século atrás. Ou até 20 anos atrás, se quiserem. Seu “controle” é complexo, é preciso reconhecer. Aqui também a Sociedade Civil organizada teria um papel. Seria a questão do “accountability”, controle e responsabilização dos agentes públicos, a ser feito por meio de entidades privadas de controle do público. Atualmente talvez a única realmente operante, cadê a Transparência Brasil?, ainda seja o Contas Abertas. De resto, como operar uma entidade voltada para o accountability num ambiente estatal-dependente?
Enfim, o “controle” das Oscips deveria também ser feito, não apenas pelo governo, incluindo ai o MP, mas também pelas próprias Oscips, que deveriam ser as primeiras interessadas em preservar, antes que desmorone, seu espaço de ação.
A Sociedade Civil tem, historicamente, se apartado do debate. O destino desastrado de suas representações de vontade mais imediatas só faz aumentar o afastamento. O desencanto com a política institucional dos partidos em algum momento lá trás levou muita gente a se deslocar para o movimento social organizado. Agora muitos se desiludiram, vis-à-vis o aparelhamento e hegemonização, e buscam na rede virtual algum grau de protagonismo. Difícil ainda imaginar até onde realmente vai este processo e se ele recuperará a cidadania potencializada naqueles movimentos que geraram a Constituição transformadora, é bom frizar, de 88. A única coisa certa é que a instrumentalidade das Oscips passou das mãos da sociedade Civil para as mãos do Estado. O discurso de coesão social, lá da origem, no Comunidade Solidária, que previa a ação conjunta entre Estado, Sociedade Civil e Mercado em prol do desenvolvimento vai ficando desbotado pelas práticas de sobrevivência, e todo o seu rol de auto-justificativas, no Mundo-Cão.
Demetrio Carneiro
por Eduardo Szazi
O gasto de todo recurso arrecadado com o propósito de servir ao interesse público deve ser controlado pela Sociedade Civil. Esta afirmação é válida tanto para os recursos gerenciados pelo governo como para aqueles captados e mantidos por organizações da sociedade civil. Há um entendimento crescente que o setor público, as ONGs e até mesmo as empresas precisam de melhor controle de gastos e resultados, pois estes afetam diretamente a vida dos cidadãos e o desenvolvimento do país.
Se há consenso sobre a importância do controle, o mesmo não ocorre quanto aos agentes e instrumentos e, aqui, entendemos que cabe uma diferenciação quanto à origem – privada ou governamental – dos recursos despendidos por uma organização privada.
Começando com os recursos privados, perguntemos: qual a expectativa dos financiadores de uma ONG? Gestão eficiente dos recursos em prol do objetivo social; ética e profissionalismo na tomada de decisão; transparência de gestão; prestação de contas e punição dos responsáveis em caso de mau uso do dinheiro amealhado.
E na prática, como funciona? Aquelas qualificadas como OSCIP (Lei 9790/99) – e, infelizmente, apenas elas – atendem tais requisitos, pois devem tornar públicas suas contas e relatório de atividades, devem adotar regras internas que impeçam o conflito de interesses e o favoritismo na tomada de decisão e sua gestão é controlada por um Conselho Fiscal, sendo as contas auditadas, porém, por razões de custos, apenas se houver o recebimento de recursos governamentais em montante superior a 600 mil reais. As ONGs, todavia, não tem um órgão governamental próprio que as controle. E isso é bom?
Sim, na medida em que não cabe ao governo fiscalizar “a priori” o dispêndio de recursos privados captados por organizações privadas sem fins lucrativos, enredando-as nas teias da burocracia de cadastros, muito papel e pouco controle real. Isso não funciona. Os desvios nas compras governamentais o evidenciam. Que eficiência pode existir no controle burocrático de 350 mil entidades por todo o país? Nenhuma. O controle deve existir, mas deve ser feito “a posteriori”, em caso de denúncia, pelo órgão encarregado constitucionalmente da defesa dos interesses da sociedade: o Ministério Público. Assim se dá o controle das fundações e das OSCIPs e – o que pouca gente sabe – das entidades que captam recursos da população em geral, seja por meio de mensalidades, deduções em contas de água, luz e telefone ou outras modalidades (DL 41/66).
Em outras palavras, sendo as organizações da Sociedade Civil, são, em última análise, de cidadãos, os quais, por sua vez, têm na vida social contemporânea a liberdade de agir de acordo com o seu livre arbítrio, respeitados os direitos dos demais, sendo sujeitos a sanções em caso de violação desses direitos.
O melhor regime de controle é assegurar que os justos vivam tranqüilos e os injustos sejam punidos com rigor.
Cabe às entidades da sociedade civil prestar contas da aplicação dos recursos que detêm e dos atos de sua administração e cabe à Sociedade Civil, de maneira difusa, controlá-los. Se há algo errado, que se acione o Ministério Público. Em tempos em que tanto se fala em cidadania, este controle pelos próprios cidadãos ainda está engatinhando.
Bem, e com relação aos recursos governamentais repassados às entidades? Nesse caso, já existem instrumentos institucionais de controle: as licitações, os Tribunais de Contas e a Secretaria Federal de Controle Interno, exclusivamente governamentais, e os conselhos com participação popular, normalmente criados com competências territoriais ou temáticas (criança, assistência social, etc). Também é prevista a publicação de todos os atos no Diário Oficial.
É suficiente? Não. É necessária uma revolução no controle do gasto público, pois, do lado do Estado, há baixo nível de preocupação com o desempenho na medida em que é preponderante a orientação para os meios e procedimentos – em detrimento dos fins – e uma tendência exagerada para regras e normas excessivamente formais e pouco efetivas. O controle formal deve ser substituído pelo controle de resultados.
A lei das OSCIPs, ao criar o termo de parceria, caminhou nesse sentido, ao prever, além da prestação de contas dos dispêndios – os meios – a análise de desempenho, comparando metas e resultados com o uso de indicadores objetivos – os fins perseguidos. É nos resultados que devem ser centrados o controle do Estado e da Sociedade Civil, pois ao privilegiar-se a forma e a burocracia, criam-se as condições para que a corrupção floresça, na medida em que o agente público desonesto se vale das dificuldades das normas para vender a sua facilitação. A mudança de foco é a chave. E a Sociedade Civil a tem no bolso. Apenas não se deu conta disso.