Nossa relação com a China é de amor, quando importam nossas commodities, e ódio, quando importamos seus industrializados. Nenhuma novidade para nós. É o que fazemos desde que Cabral aportou por aqui. Antigamente eram consideradas relações de troca desfavoráveis e se gastou energia organizando e participando de manifestações contra a nossa acentuada dependência externa. Hoje a complexidade/cumplicidade da situação atual silencia os mais afoitos. Não há mais passeatas.
Dela, a China, o que conhecemos é quase nada. Aliás, quase nada sabemos ou debatemos sobre o resto do mundo e não apenas a China. O “modelo” chinês tem seus defensores e alguns almejam que um dia sejamos a China da vez, como outros já almejaram que fôssemos a URSS da vez ou os EUA da vez. Eu, pessoalmente, sempre mantive a esperança de que, um dia, venhamos a ser apenas o Brasil que soube entender a sua oportunidade e usá-la.
De qualquer forma parece que a China não costuma dormir no berço esplêndido e muitas coisas vão acontecendo por lá. É um país de fortes desafios. Mas qual país neste mundo atual não tem fortes desafios? O principal, e eles o percebem de forma muito clara, é absorver para as vantagens de um processo de desenvolvimento mais equitativo toda a sua imensa população. Para aqueles entre nós que acham que o Bolsa-Família não encerrou o problema o desafio é o mesmo.
O texto que lida com a questão da existência de um socialismo liberal na China se reporta a este desafio. Lida com isso de forma esperançosa. Da mesma forma, em contraponto, o texto do The Economist trata do assunto, mas por uma perspectiva mais crítica e menos esperançosa. Onde está mesmo a realidade e quem força a mão nos tons é da competência de cada qual escolher.
São dois textos longos com uma enorme carga de informações. Muitas, acredito, serão novidade, como esse debate envolvendo o conceito de “socialismo de mercado” ou mesmo o debate entre a Nova Esquerda e os segmentos liberais mais “conservadores” O tema será fortemente polêmico. Principalmente para uma esquerda como a brasileira que jamais aprofundou o debate sobre um socialismo em moldes locais, por favor, sem essa do "socialismo moreno-corrupto" do Brizola, e continua, no século 19, presa aos dogmas gerados num outro contexto de história, pensamento capaz de se satisfazer hoje com as migalhas do reducionismo nacional-desenvolvimentista, não vendo alternativas válidas para o futuro. Lembrando ainda que o termo “liberal” não tem necessariamente a conotação de “obra do satã” ou “aliados dos rentistas” dada por alguns entre nós. Liberal, enfim, não é palavrão.
Com a faca e o queijo nas mãos o “socialismo” petista aparentemente se sente melhor experimentando formas de fisiologismo ao contrário de outras formas de relação de produção. Não por acaso, quando no Congresso em Foco, em uma matéria que anuncia a milésima investigação da “Fundação” Sarney, nos comentários, num verdadeiro ato falho, uma inflamada militante petista gasta diversas linhas elogiando Dilma e o governo partidário. É uma relação tão profunda que chega a ser inconsciente...
Entre nós as experiências participativas são burocrático-cooptativas e nosso experimentalismo é o da hegemonização.
Num texto que escrevi sobre o socialismo como utopia a maioria absoluta das entradas têm origem fora do Brasil, Portugal. É uma pista sobre o quanto o assunto nos preocupa.
De qualquer forma ai está uma proposta disposta a discutir não a partição da renda, mas a possibilidade de haver uma propriedade “social” eficiente, também para o trabalho, e competitiva em termos de mercado. O caminho apontado é o trabalho cooperativado. Não tanto empresas públicas, mas empresas do público? Anualmente investimos uma quantidade razoável de recursos em diversas estruturas de formação e desenvolvimento de trabalho cooperativado. O que nos difere exatamente? Além, claro, do exorbitante custo financeiro brasileiro. Porque lá isso pode ser visto como um importante experimento e aqui é apenas um recurso de mídia e não faz parte do debate?
O texto sobre o socialismo liberal, para aqueles que já não decretaram o fim do debate, como tem sido muito comum, trás outros debates interessantes como:
* O do uso consciente dos recursos gerados pelas empresas públicas para reduzir a carga tributária sobre a sociedade – aqui entre nós quem debate o uso dos recursos da Petrobras, por exemplo, com essa finalidade. Aliás, quanto lucro as empresas públicas geram no Brasil e para onde exatamente ele vai?
* Passa pela questão da descentralização administrativa e experimentação, num modelo de “localização” que hoje é inviável entre nós dada a acachapante dominação do executivo central.
*E ainda defende a tese de que as empresas privadas e públicas são complementares e não substitutivas ou não concorrentes.
Há uma boa agenda ai. Envolvendo questões concretas. Quem se arrisca?
Demetrio Carneiro
Um Modelo de Socialismo Liberal Na China, Emilie Frenkiel, tradução
MIGRAÇÃO NA CHINA: OS GRILHÕES INVISÍVEIS E PESADOS, TRADUÇÃO