terça-feira, 1 de setembro de 2009

Locomotivas do desenvolvimento

Ontem pela manhã, 31, a Rádio CBN apresentou uma entrevista com Paulo Fernando Fleury, CEO do ILOS, uma instituição voltada para as questões de logística e cadeia de suprimento. Na intenção de promover um Seminário sobre logística de sua instituição Paulo Fernando comentava sobre a matriz de transporte brasileira fundada no transporte rodoviário. No dia anterior, 30, Miriam Leitão em sua coluna n’O Globo já havia comentado o Seminário e foi mais além criticou o “rodoviarismo” do PAC. Nas palavras da jornalista, comentando estudo do ILOS, “o prazo de retorno do investimento em rodovia na Amazônia é de 14 anos; em ferrovia, de nove anos; e em hidrovia, de três anos. A emissão de carbono em rodovia é oito vezes maior do que em hidrovia. É preciso 200 carretas para transportar a carga de seis barcaças”.


Que o transporte ferroviário e aquaviário são mais eficientes para distancias médias e grandes, é fato sabido. Que o transporte rodoviário deveria ser concentrado no transporte de curta distância, apenas para ligação entre ferrovia/aquavia e destinatário final também é sabido. A questão é como chegar lá.

Como, por exemplo, romper um poderoso lobby que começa na indústria automobilística, tem interesses em toda a rede de fornecedores desta indústria, passa pela mega-empreiteiras que asfaltam e reasfaltam infinitamente as estradas, envolve toda a rede de transporte rodoviário de cargas e pessoas. Estamos falando de quantos milhares de pessoas e quantos bilhões – isto mesmo, bilhões – ano?

Falar em um modelo ambientalmente melhor é uma coisa. Implantá-lo é outra bem diferente e passa pelo mundo da política, anéis de poder que vão dos sindicatos patronais aos sindicados de trabalhadores. Votos, muitos votos. É contra esta parede que batem as boas intenções nas últimas décadas. Quando se cruza esta matriz rodoviária com petróleo as coisas só ficam piores. Em termos ambientais e em termos de grupo de pressão.

A cultura desenvolvimentista instalada em nosso passado foi a do lema de Juscelino na década de 40/50: Industrialização e eletrificação. Não por acaso parecida com o projeto stalinista para a União Soviética. Industrializar e eletrificar a qualquer custo. Nosso problema é que o lema era, mesmo, indústria de automóvel e eletrificação. De lá para cá o resto se conformou ao marco inicial.

Bem na moda a China tem dois interessantes exemplos a dar na questão das ferrovias. Aonde a energia elétrica não chegou, usam as “Maria-fumaça”. Um sistema de transporte que desprezamos como superado movimenta uma largíssima parcela do interior chinês. Apenas estas atuais não são as nossas antigas. As locomotivas chinesas foram modernizadas, apresentam rendimento muito superior às antigas e não queimam mais carvão de madeira, mas óleo diesel. A pesquisa foi feita na China e é lá que as máquinas foram fabricadas. A locomotivas elétricas se beneficiaram das pesquisas para carros elétricos e a China já possui servomotores muito mais potentes e econômicos depois de um grande investimento na produção de imãs a partir de terras raras. Pesquisa feita na China e produção feita na China.

O que se vê ai é que não houve apenas uma escolha por um meio de transporte ou um tipo de via, mas também pela pesquisa e produção local de equipamento. Houve uma escolha por um modelo de desenvolvimento.

A vontade de mudar a matriz não é suficiente. É preciso que se perceba o que está envolvido nisto e quais podem ser as escolhas e alternativas. Mas, mais que tudo, propostas como estas devem estar ligadas a modelos de desenvolvimento mais ambiciosos. Muito mais ambiciosos.

Demetrio Carneiro