sexta-feira, 18 de setembro de 2009

Questão de igualdade e questão de democracia


O Brasil é o país com o maior número de políticos politicamente corretos do mundo. Nossos audazes representantes são todos “de esquerda”. Não existe partido de direita no país. São todos defensores do povo e de todas minorias que existam. Não faz mal se ao sabor da justiça social a democracia vá perdendo sua substância.
Recentemente foi aprovada uma lei que recria nas escolas públicas o ensino religioso, garantindo, em nome da democracia, a hegemonia das estruturas religiosas mais fortes e competivivas sobre outras.
Logo no inicio da atual legislatura a Câmara Distrital do Distrito Federal, por um “acordo de lideranças” e em nome dos princípios democráticos, foi capaz de aprovar um Estatuto da Pessoa com Deficiência. O Estatuto sancionado pelo, na altura recém eleito governador Arruda, sem quaisquer ressalvas e em tempo recorde, é um absurdo legal, com disposições claramente insconstitucionais e contrárias aos interesses das próprias pessoas com deficiência. Mas não faz mal. A CLDF “fez a sua parte”.
Todos “fazem a sua parte” e o projeto republicano de 1988, nossa Constituição Federal resultado de toda uma luta, essa sim, do povo brasileiro, acaba virando alavanca para todo tipo de oportunismo eleitoral.
Alguém decidiu que a questão da assimetria de oportunidades deve ser resolvida pela pata pesada do Estado e suas leis. Essas pessoas não se dão conta, ou se dão talvez, que romper certas assimetrias não pode implicar em simplesmente criar outras assimetrias. Há um óbvio princípio de Orçamento Público que diz que a soma de todas as demandas é maior que qualquer tributação possível. O caso das assimetrias é o mesmo. A soma de todas as assimetrias, o direito das minorias, é maior que o direito da maioria. É evidente que a democracia moderna se baseia na defesa do direito das minorias, mas isso não implica que esse direito deva sufocar o outro. Hipoteticamente o Legislativo deveria ser o local de preservação e negociação desse equilíbrio direito de minorias versus direito de maiorias. Mas, e infelizmente, a exposição na mídia pesa mais alto. A falsa atitude democratizante, jogo para a platéia é mais importante.
A reação envergonhada de muitos deputados federais que participaram da votação da lei que impõe o ensino religioso preocupados em não ferir os brios religiosos das supostas correntes majoritárias e hegemonizantes, tipo católicos e evangélicos, assumindo total desrespeito ao agnósticos, budistas, umbandistas e outras dezenas de correntes de pensamento e doutrina religiosa demonstram como esse jogo pode ser antidemocrático.
Agora vivemos o episódio da aprovação do Estatuto da Raça nos mesmo moldes. Só que essa não é uma mera correção de assimetria de minorias. É mais complexa, pois passa por definir o que é “negro” num país com profunda missigenação racial como o Brasil.  Contudo, no fim do dia, o mecanismo é o mesmo: Até que ponto a correção de uma assimetria pode ser imposta por lei e quanto essa correção legal fere outros direitos. Sem debate aberto. Quer dizer, com debate entre deputados e representantes dos movimentos sociais que lutam pela igualdade racial, mas e o resto da sociedade? Por voto de lideranças. Mais uma proposta que pretende corrigir assimetrias por lei, sem que se assuma a complexidade dos problemas e o que deveria ser o papel do Poder Legislativo na garantia do equilíbrio entre as assimetrias e o direito de outros grupos e segmentos da população.
Não vou dizer que concordo com 100% do texto que está abaixo, mas ele serve de um alerta claro para esse movimento de explícito oportunismo legislativo, sacramentando diferenças legais em nome da igualdade legal.
Demetrio Carneiro

O Estatuto da Raça: de Nixon a Vicentinho


O deputado Vicentinho (PT-SP) celebrou como um “momento histórico” a aprovação do chamado Estatuto da Igualdade Racial na Câmara dos Deputados. De certo modo, ele tem razão. Se o Senado confirmar a decisão, ficará suprimido o princípio da igualdade perante a lei, pilar central da Constituição, e o Brasil ganhará um lugar na lista de Estados que um dia dividiram os cidadãos segundo raças oficiais: os EUA das Leis Jim Crow, a Alemanha das Leis de Nuremberg, a África do Sul do apartheid, a Ruanda belga, a Malásia da “supremacia malaia”…