domingo, 27 de setembro de 2009

HONDURAS EMBLEMÁTICA




O que pode nos importar na situação de Honduras é seu papel emblemático.
De um lado um deposto presidente, de inspiração nitidamente chavista. Deposto “preventivamente” por sugerir um terceiro mandato. De outro, militares no seu papel clássico, com direito à conspiração americana e tudo o mais. Talvez a proximidade geográfica, América central versus América do norte, ou talvez a tradição de fornecedora de bananas para o sortido breakfast americano - leia-se United Fruits, atual Chiqita (!?).
Os personagens, vamos dizer arquétipos, são fartamente conhecidos e presentes em nossa memória histórica e política:
a)    O líder populista que olha para a democracia social e vê na democracia política um obstáculo a ser superado em nome da maioria. A extrema concentração de renda continental sempre coloca, nessa lógica, em campos opostos uma minoria, que se apropria da maior parte da renda, contra uma maioria expropriada. Numa operação bem simples no imaginário de esquerda, maioria=democracia, minoria=ditadura. Então se trata de defender a democracia, apesar da democracia... O ex-lider ruralista e atual líder revolucionário, pretendia mudar a constituição e chegar a um terceiro mandato adotando a lógica de que teria que ter tempo para concluir seu trabalho e que a única pessoa capaz disso era ele e que o único grupo capaz de fazer isso eras o dele. A rotatividade democrática do poder seria apenas um detalhe, já que fala em nome da maioria.
b)    O exército como “moderador em última instância” das repúblicas latino-americanas. Isso pode se dar pela direita, mas também se dá pela esquerda: Por qualquer que seja a razão nossos militares sempre se acharam moderadores dos processos republicanos, talvez por terem sido eles os reais fundadores do conceito republicano entre nós. No Brasil foram nossos militares que derrubaram o já caído poder monárquico e instauraram a república autorizada. Na latinoamérica a imagem do militar, republicano e positivista Bolívar perdura até hoje. E certamente não será por coincidência que Chavez era sargento lá no início de sua trajetória ou que Fidel e sua trupe indomável jamais tenham abandonado o uniforme militar. Já imaginaram se Brizola, lá em 1964, fosse também um sargento? Talvez nossa história tivesse sido outra. Contudo, preferiram apostar no militar errado, Brizola e os cubanos inclusive, o Cabo Anselmo. No fim de tudo uma certa esquerda e uma certa direita ainda debitam aos militares, devido ao seu estilo mais direto de fazer política, a liderança. Claro, favoráveis manutenção do status quo, seja ele qual for, ou favoráveis a sua mudança, todos sempre falam em nome da “maioria”.
Nesse jogo o conceito de maioria é muito importante para justificar todo e qualquer projeto. Pode ser a defesa difusa ou pode ser o voto recebido e as seguintes medidas de aferição de popularidade. Zelaya se baseava no voto e nas avaliações de popularidade para concluir que ele era o cara e que só ele poderia resolver os problemas hondurenhos. Os militares se basearam no direito difuso e estabeleceram que a rotação do poder deveria ser respeitada. Nesse meio de campo a justiça local, como poder republicano, impôs regras que o executivo disse que iria ignorar, abrindo o flanco para a intervenção moderadora militar.   
Seria o modelito continental clássico se o script não houvesse sido alterado pelo lado dos militares que, ao contrário de impor uma ditadura para salvar a pátria, eterna enquanto dure, impuseram uma ditadura mais no sentido romano, transitória, para chamar eleições ainda esse ano, novembro.
Essa questão de permanência, um, dois, três ou dez mandatos é a chave do problema e muito provavelmente o golpe de Honduras não irá eliminar o problema.
Existem algumas questões a considerar:
 a) Para o bem ou para o mal a questão do voto e do direito de escolha pelo voto está posta. Os intérpretes da vontade popular estão dispensados, já que ela pode ser diretamente manifesta;
b) A ampliação da democracia passa necessariamente pela a aquisição de contingentes de eleitores antes submetidos a outras lógicas de voto. Os segmentos mais pobres se deram conta de que o voto pode ser sim um instrumento de mudanças a seu favor. Gostemos ou não é assim que eles votam.
Se nos segmentos mais pobres a questão da cidadania ainda é uma questão a se resolver ou se nesses segmentos a imagem do pai e condutor ainda é muito forte é um problema a se resolver, mas certamente não será o desrespeito às regras que irá ser a solução. Faz parte do jogo que todas as correntes envolvidas no assunto resolvam dentro do jogo essas questões. Se Zelaya, Chavez ou Lula tiverem meios de convencer a maioria da população a lhes conceder 20 mandatos o que a oposição pode e deve fazer é demonstrar o quanto isso pode ser prejudicial aos interesses do próprio eleitor. A oposição que se arme de argumentos, propostas e projetos e não de pistolas e fuzis. Não existe meio respeito ou um terço, às instituições democráticas.
E o Brasil? A atitude da diplomacia brasileira é estranha e ambígua. A entrada de Zelaya em Honduras e sua ida para a embaixada brasileira estão no campo das aventuras de história de espionagem. Esse é um caminho muito perigoso: contrapor a intervenção americana com uma intervenção venezuelana e brasileira pode ser o pior caminho e não parece contribuir em nada para a solução do problema. Apenas servirá para colar nossa imagem a imagem da Venezuela chavista, digamos, não é exatamente uma vantagem. Em algum momento os responsáveis, do lado brasileiro, dessa operação deverão ter que vir a público e expor com toda clareza o que exatamente estavam imaginando com essa trama mal explicada e mal amarrada. A recém promulgada – 2008 - lei que trata de doutrina de segurança nacional, entre outros assuntos, fala realmente no conceito de defesa de nossa segurança em situações extrafronteira. Melhor, fala na capacidade de intervir diretamente em outros países quando aquela situação interna interferir em nossa segurança nacional. Algo do tipo que os Estados Unidos fazem no Afeganistão. Não parece ser esse o caso e os autores desse projetinho deveriam ter que se explicar antes que se crie uma jurisprudência prática nesse terreno e acabemos criando uma sub-CIA para fazer o que sempre condenamos nos americanos.
Demetrio Carneiro