quarta-feira, 23 de setembro de 2009

Uma visão geopolitica da questão cambial, e o lugar do Brasil hoje

Com a tardia proclamação da agencia Moddy’s que o Brasil é grau de investimento, e uma enxurrada de novos lançamentos nos mercados de capitais, o dólar levou outro tombo, rompendo o nível de R$1.80 e, muito provavalmente, mirando níveis ainda mais baixo.

O que fazer? Dessa vez, dado que essa valorização esta acontecendo junto com melhores expectativas para o crescimento econômico, o governo Lula parece mais tranqüilo, apesar das usuais pressões setoriais. Mas sera que isso vai ficar assim com o cambio indo para R$1,70, ou R$1,50?

Nesse momento vemos também o igualmente previsível reclamações de certos economistas acadêmicos para que o governo tome medidas para impedir a valorização do Real, via controle de entrada de capitais e, agora, com um economista de renome dessa linha ideológica falando em um tal “Fundo de estabilização cambial”.

Fora da questão de não ser muito claro de onde viriam os recursos para custear tal fundo, quando temos hoje a nível federal déficit nominal e um superávit primário despencando, deveríamos perguntar se seria benéfico, ou até possível, contornar essa tendência de valorização cambial.

O que parece ser desconhecido por aqueles que ainda trabalham com o antigo paradigma “desenvolvimentista” é que as tendências que hoje estamos vendo nos mercados de cambio mundiais refletem em grande parte um processo geopolitico de transferencia de poder e riqueza das economias maduras do Atlântico Norte para as economias do sul da Asia. O Brasil “deu sorte” de estar atado, não por escolha mas por aquilo que temos debaixo do chão (minerais) e logo acima dele (agricultura), a esse processo. Olhe, por exemplo, como o Mexico, pais que “escolheu o cavalo errado”, os estados Unidos, e esta sofrendo muito...

Uma tendência de apreciação cambial é parte inerente desse processo. Quando a moeda sobe de valor, o pais como um todo fica mais rico em relação a seus pares. Estranho ver tantos reclamar sobre algo que, no seu conjunto, expressa o sucesso do pais. Afinal, “ser mais rico” não é, a grosso modo, a meta do desenvolvimento econômico?

Mas, argumentaria os supostos keynesianos nacionais, não seria o sucesso asiático devido a políticas que geram níveis da taxa de cambio “competitivas”? Isso é uma brutal simplificação da estratégia asiática; é verdade que todos os países que trilharam o caminho do desenvolvimento na Asia procuraram estratégias focadas nas exportações, mas essa capacidade de exportar não foi devido a uma ingênua manipulação da taxa nominal de cambio, mas a um conjunto de políticas que procurou explorar, em diferentes níveis de sofisticação da cadeia de produção tecnológica mundial, a grande “vantagem competitiva” asiática: sua disciplinada e bem educada forca de trabalho.

Fora disso, podemos ver em todos os países asiáticos (Japão, Singapura, e até a China) uma tendência secular de apreciação cambial na medida que essas sociedades ficaram mais ricas e passam pela sofisticação da suas matrizes produtivas.

A questão que se coloca politicamente é entender e fortalecer o lugar do Brasil dentro desse processo secular, histórico e mundial. A verdade é que seria inútil e um grande desperdício de recursos pensar que o Brasil, por uma vontade burocrática, vai poder fazer algo diferente: não podemos e, mais importante, não precisamos.

Não podemos porque nunca vamos se igualar ou criar a estrutura de manufaturados chinesa, cuja produtividade depende em um processo único de absorção tecnológica e a introdução continua de novos trabalhadores do grande interior, que deprime o salário real. No pais do “bolsa família”, por bem ou mal, tal estratégia se torna impossível.

Não podemos porque nunca vamos criar aqui um “vale do Silício” californiano, cujo sucesso depende de uma combinação das melhores universidades do mundo mais mercados de capitais dispostos a apostar em idéias e projetos com baixíssima chance de sucesso. Para cada Google, ha milhares de falencias.

E não deveríamos tentar porque, primeiro, esses lugares já existem (isto é, o “mundo” não precisa disso!) e, aqui mesmo, em parte importante desse processo, já temos como economia um lugar, e um lugar importante.

A Asia no seu conjunto é um lugar pobríssimo de recursos naturais. Na medida que o gigante da região, a China, trilha o caminho do desenvolvimento, a demanda por recursos, inclusive e talvez principalmente a alimentação, vai continuar a subir.

Agora nosso “desenvolvimentista” vão reclamar que o uma pais feito o Brasil “não pode” ter uma estratégia voltada para o setor de matérias primas. Esse julgamento esta errado em vários pontos.

Primeiro, na medida que o Brasil já esta inserido na cadeia internacional de produção (pense no setor automobilístico) vai ser muito difícil ver essa estrutura “desaparecer”, até em um processo de apreciação cambial continua. Isso, logicamente, depende no setor procurar sempre maiores investimentos e maior produtividade para se manter competitivo.

Segundo, como pais continental o Brasil sempre vai ter alguma densidade industrial dado seu tamanho. Aqui também essa densidade vai depender da habilidade desses setores manter sua vantagem competitiva, investindo e mantendo sua produtividade em alta. Nesse sentido, somos bastante feitos os Estados Unidos.

Finalmente, e esse é o ponto mais importante, o Brasil tem, felizmente, um nível suficiente alto de tecnologia e saber para poder, dentro desses setores exportadores, adicionar valor (isso não é verdade sobre a maioria dos países ricos em matéria prima; pense nos países africanos, que realmente não tem escolha hoje se não “tirar do chão e botar no navio”).

Exemplos disso já existem: pense na Petrobrás no setor petrolífero, e o Brazil Foods no setor de alimentação. Podemos e devemos investir nesse processo de adicionar valor nos setores que a “nova ordem mundial” tornou altamente rentável.

A formulação de políticas industriais deve agir aqui. Não devemos, como muitos querem, gastar recursos (ou melhor, destruir recursos) tentando ser o que nunca vamos conseguir ser. Temos que reconhecer onde temos vantagem e criar valor nesses setores.

Lógico que isso não quer dizer que, no campo macroeconomico, não devemos ter uma política cambial ativa. O BC deve, como ativo “market maker”, agir para ordenar o mercado cambial dos seus excessos especulativos.

Devemos também parar de pensar com a cabeça de ontem, sem reconhecer as profundas mudanças desses anos. Um pais pobre, sofrendo uma falta estrutural de recursos cambiais, deve usar controles cambiais para gerênciar essa escassez. Agora um pais que tem, ao contrario, uma abundante oferta de divisas, não deve limitar a entrada, e sim estimular a saída, de divisas. Devemos, ao contrario do que defendem, infelizmente, uma parte expressiva da academia nacional hoje, não controlar e taxar a entrada de recursos, mas aumentar a demanda por divisas liberando, por exemplo, nosso fundos de investimento para comprar dólares (e outras moedas) e investir fora do Brasil.

Devemos, como emergente potência mundial, não restringir o uso da nossa moeda, mas caminha para sua total conversão, para que o Real seja, em um futuro próximo, uma das varias moedas que devem, conjuntamente, tomar o lugar do dólar americano como moedas de reserva mundial.

Tudo isso não vai acontecer da noite para o dia, mas existe hoje estruturalmente, essas oportunidades. Um conhecimento meramente superficial da estratégia econômica chinesa mostra como esse pais, cuja a grande virtude do seu Estado, e vamos admitir, do Partido Comunista, é seu planejamento estratégico e de longo prazo, caminha exatamente nessa direção. Seria bom que nossa “elite” intelectual saísse dos anos 50, de suas confortáveis poltronas acadêmicas, e olhassem o que esta acontecendo ao nosso redor.


Tony Volpon