domingo, 23 de outubro de 2011

UMA RELAÇÃO A SE CONSIDERAR ENTRE A ECONOMIA, O MEIO AMBIENTE E AS LEIS DA FÍSICA

O texto abaixo faz uma interessante e provocativa relação entre a economia e o meio ambiente com base na interpretação de leis físicas, especificamente as duas primeiras leis da termodinâmica. 
Foi publicado no Blog Transição recentemente e comenta a diferenciada e quase desconhecida leitura econômica do físico Frederik Soddy(1877-1956), prêmio Nobel de Química em 1921.

Muitos ficarão meio chocados, pois é um ponto de vista muito diferenciado, mas que se considerado pode levar a uma nova leitura, que agregue por exemplo esses dados não necessariamente como variáveis principais, mas como variáveis com algum significado nos modelos, do que vem ocorrendo na economia em escala mundial. 
Minimamente, não se aceitando este ponto de vista servirá para mostrar que a questão ambiental tem envolvimentos bem mais complexos do que o imaginado pelos diversos pensamentos econômicos e em especial pelo voltados para o debate sobre o desenvolvimento.

Vale uma conferida. No sentido da preocupação com a questão ambiental e da percepção do impacto da atividade humana sobre o meio ambiente e do retorno em termos de externalidades negativas potencialmente destrutivas e perniciosas ao processo civilizatório e às gerações futuras, Soddy é um dos pioneiros, sem dúvida alguma.

Demetrio Carneiro

SEGUNDA-FEIRA, 14 DE FEVEREIRO DE 2011

A Economia e a Física

As razões que os economistas apontam para explicar a crise que nos afecta são, quase sempre, de natureza financeira: a desregulamentação dos mercados, a camuflagem de passivos pelos bancos, a interdependência internacional das economias, a má avaliação do risco pelas agências de rating, os hedge funds que miraculosamente transformam passivos sem valor em investimentos “seguros”. E, sendo certo que cada uma destas explicações terá a sua quota de responsabilidade, são raras as que relacionam a origem da crise financeira com a questão energética e com a situação ambiental.

Num artigo recentemente publicado no Daily News, Eric Zencey, um ensaísta americano enfocado nos problemas ambientais, chamou-me a atenção para as ideias sobre economia de Frederick Soddy (1877-1956) um famoso cientista inglês, que foi prémio Nobel da Química, mas que se dedicou também ao estudo dos problemas económicos e às questões relacionadas com o dinheiro. E, porque a visão que apresenta é actual e está a ganhar adeptos e um interesse renovado, vale a pena resumir o essencial desse artigo e revisitar o pensamento daquele cientista.

Frederick Soddy estabeleceu uma distinção entre riqueza, riqueza virtual e dívida. A riqueza real, diz ele, está irredutivelmente enraizada na realidade física. Por outro lado, o dinheiro que nós utilizamos não representa riqueza real, mas sim riqueza virtual – é um mero símbolo que dá ao seu portador a crença na capacidade da economia permitir trocá-lo por riqueza real. A dívida (criada pelo crédito), pelo contrário, assenta na confiança que tem o credor em relação à capacidade do devedor produzir riqueza no futuro.

Os problemas surgem quando a riqueza, o dinheiro e a dívida não são mantidas numa relação adequada. E se o dinheiro e a dívida são fáceis de criar, já o mesmo não se passa com a riqueza. Com efeito a quantidade de riqueza que uma economia pode criar é inapelavelmente limitada por duas variáveis: dum lado, a quantidade de materiais de baixa entropia (entre os quais a energia) que podem ser extraídas do meio ambiente, de forma sustentável; doutro lado, a quantidade de efluentes de alta entropia dela resultantes (resíduos, poluentes, CO2) que os sistemas naturais, de forma também sustentável, podem absorver.

Só há duas maneiras de uma economia poder aumentar a taxa de criação de riqueza: ou processando um fluxo cada vez maior de matéria e energia, aumentando a pegada ecológica; ou melhorando a eficiência na utilização de um fluxo constante de materiais e de energia. Ambas estas formas de crescimento têm limites. Porque aumentar a pegada ecológica de uma economia, implica diminuir a capacidade de manter saudáveis os ecossistemas e provocar desquilíbrios, como é, por exemplo, o caso das alterações climáticas. E sendo certo que os ganhos de eficiência, quando se utiliza um fluxo constante de matéria ou energia, podem ser consideráveis, não é menos certo que existirá um limite, a partir do qual esses ganhos são decrescentes ou inexistentes.

Assim, a criação de riqueza tem limitações físicas, definidas pela escassez energética, pelos limites do ecossistema, pelas leis da Física e da Termodinâmica, e pelas limitações das tecnologias utilizadas. Mas a criação de dívida que resulta do crédito, sendo virtual, não tem limites. Pode crescer infinitamente, ainda que a taxa de juro necessite de ser ajustada.

Estas considerações levaram Soddy a uma conclusão incontestável: sempre que uma economia baseada na dívida – que é um título sobre a riqueza futura - deixe essa dívida crescer mais rapidamente do que a riqueza, então essa economia acabará por entrar em bancarrota ou incumprimento. A inflação pode fazer o seu trabalho e facilitar as coisas, diminuindo gradualmente a dívida. Mas isso é feito à custa da corrosão do poder de compra da moeda em que a dívida é denominada.

Estas ideias são perfeitamente actuais e aplicam-se ao mundo em que vivemos. Muito em particular ao nosso país, onde a evolução da criação de riqueza e o aumento da dívida parecem estar a seguir caminhos divergentes. E, parece-me ser esta a grande lição de Soddy, deve-se ajustar a dívida à capacidade de produzir riqueza no futuro, e não, ao contrário, deixar disparar a dívida na expectativa que ela, só por si, venha a gerar riqueza. Porque na convergência da dívida com a criação de riqueza está, acredito eu, a chave da solução dos nossos problemas financeiros.
PUBLICADA POR LQ EM 00:41