Em um post anterior comentávamos sobre a persona que Dilma Roussef vem construindo para si como inimiga da corrupção. Na realidade a corrupção é normalmente vista como uma forma de enriquecimento ilícito. Lula insiste que isso que chamamos de corrupção não passa de um inocente desvio de recursos públicos em favor de grupos políticos ou caixa dois, como é mais conhecido. Numa versão ou noutra tratam-se de recursos públicos ou interesses associados aos recursos públicos quando o agente corruptor é uma empresa, por exemplo. E, claro, é crime.
Contudo e infelizmente este lado da corrupção, em qualquer de sua versões, é apenas o lado mais visível fenômeno neopatrimonialista, que inclui diversas outras facetas como troca de favores, oferta de emprego cruzada, manipulação de licitações, desvio de recursos públicos por meio de emendas parlamentares, manipulação das políticas públicas para vantagens de indivíduos ou de grupos. A lista é bem grande, mas o fundamental é que o recurso público na sua forma concreta ou potencial sempre está presente. Da mesma forma sempre está presente a manipulação que transforma o público em privado e seu uso em vantagem das redes de relações patrão/cliente, com estrutura regional e nacional, mas fortemente ancoradas nas localidades.
Nessa leitura a estrutura e relações de poder se constroem debaixo para cima. São redes de relacionamento patrão-cliente simbióticas com prefeituras, organizadas em outras redes regionais, simbióticas com os governos estaduais, que se articulam em redes nacionais. No topo das redes nacionais está o início da correia de transmissão que faz chegar, sob o controle das redes, recursos sob o formato de políticas públicas ou mesmo despesas de custeio, à base do sistema. Bom notar que as redes patrão/cliente, na base do, são independentes ao passo que toda a estrutura dali para cima é dependente dessas redes de base.
É o topo da rede quem está incluso na Coalizão Vencedora, em seu núcleo de comando e é quem negocia as vantagens. Esse é o segredo da força de Sarney, por exemplo. Não se trata do indivíduo. Ele não é forte. Quem é forte é toda a rede que está abaixo dele e da qual ele é o elemento de conecção com a estrutura que libera os recursos nos poderes Executivo e Legislativo – nesse último caso não esquecer a capacidade legislativa de intervir no orçamento e a capacidade de gerar emendas. Por isto é fundamental ter aliados no comando dos ministérios.
Outro detalhe é que embora pareça estar paralela ao Estado a rede está dentro do Estado, mesmo que tenha extensões externas. Daí a importância de uma estrutura de leis eleitorais que viabilizem seu controle sobre as máquinas partidárias locais, da situação à oposição, viabilizando o controle dos votos pela via da oferta dos candidatos orientados pela rede.
A rede neopatrimonialista vem se confirmando como força política de porte nacional desde o IIº PND de Geisel. Foi aquele plano, voltado para a descentralização da economia, que, ao se apoiar no grupo político de Antônio Carlos Magalhães inverteu a equação do crescimento. Em condições digamos “normais” o crescimento econômico acaba sendo instrumento dos desafiantes do poder local estabelecido. A mecânica do plano de Geisel ao se apoiar na rede local neopatrimonialista inverteu a equação e forneceu à rede elementos para usar a seu favor o crescimento econômico. Este é o modelo de interação entre o poder executivo central e as redes neopatrimonialistas que acabaria por se reproduzir no resto do país consolidando as oligarquias locais: No plano federal políticas públicas e recursos de custeio que, chegando ao plano local são absorvidas pelas redes neopatrimonialistas e se transformam em benefícios das redes patrão/cliente - prestígio político, ganhos materiais, controle para direcionar o uso gerando poder – provendo um benefício controlado e fora da capacidade de intervenção dos desafiantes.
É nesse leitura que podemos incluir todo o debate sobre o desenvolvimento desigual, as desigualdades regionais e os mecanismos institucionais de combate à desigualdade. São essas características que impedem que mecanismos como o FPE e o FPM não funcionem como seria de se esperar. A “revolta” promovida por Sarney, que se recusa a acatar a decisão do tribunal superior exigindo a rediscussão do FPE em 2012 é a expressão da rede. É nos locais onde a democracia é mais insuficiente e pode ser mais facilmente manipulada, onde as coalizões podem ter tamanho reduzido, geralmente resumidas a poucas famílias, que o neopatrimonialismo consegue se instalar com mais eficiência.
Ai está o cerne de nossa dúvida com relação à postura de Dilma: É se a extensa rede neopatrimonialista é passível de ser desmontada sem desmontar junto as alianças de poder que sustentam o atual projeto de governo, independentemente da estratégia que possa estar na cabeça de cada um? Inclusive na de Dilma.
Demetrio Carneiro