domingo, 23 de outubro de 2011

CRÉDITO PODRE NA CHINA PODE ULTRAPASSAR US$ 600 BI

Em novembro de 2009 eu publiquei um comentário sobre um post publicado no Marginal Revolution à propósito da qualidade do crescimento chinês. O título era meio sarcastico, My NYT column on Austro-Chinese business cycle theory e se referia a um artigo de Tyler Cowen escrito para o New York Times denominado Dangers of an Overheated China, Perigos de uma China superaquecida.

Basicamente o artigo tecia alguns argumentos que mais tarde iriam se mostrando corretos:

- “A China usa o poder de compra dos americanos para ampliar o seu setor privado, enquanto os EUA usam o poder de financiamento dos chineses para expandir o seu setor público".

Evidentemente Cowen está se referindo ao retorno compensatório da doce invasão comercial do território americano no formato da compra de títulos da dívida americana. Wallerstein comentava que a guerra fria foi um bom negócio para os EUA e a URSS. Nesse novo formato do mundo a parceria EUA/China também foi um bom negócio para ambos.

A China tem construído fábricas e capacidade de produção em praticamente todos os setores, mas não é evidente que essa última rodade de investimentos será rentável no futuro. Automóveis, aço, semicondutores, cimento, alumínio e imóveis. Todos os sinais de muita capacidade. Em Xangai o distrito comercial central parece ter altas taxas de desocupação, mas a construção continua.
As autoridades chinesas já falam de restringir o investimento em setores que estão repletos de produtos não vendidos. O mercado global já não é tão forte e a demanda doméstica jamais esteve em primeiro lugar.
Autoridades regionais têm um incentivo para apoiar as empresas locais e gerar estatísticas de produção, mesmo que isto signifique o apoio a projetos e práticas contábeis que não são sustentáveis.
Para a empresa a forma padrão de obter mais recursos de capital é apresentar um plano de crescimento. Como alguns setores estão maduros e o crescimento é tão difuso todos podem fazer promessas de rentabilidade no futuro.
Acima de tudo há uma falta de transparência. As estatísticas na China baseiam-se mais na produção do que sobre o que é realmente vendido. As políticas fiscais e de crédito são orientadas para o emprego e e estabilidade política e, portanto, as autoridades evitam revelar quais projetos são mais problemáticos ou devem ser cancelados.
Coloque tudo isto junto e haverá uma possibilidade muito real de problemas”.

Neste longo trecho um hábil resumo de uma estratégia de emprego. Não é novidade a transição política pela qual passa a China ou seus 700 milhões marginalizados. Basicamente a atual Elite busca estabilidade política e navegou com muito sucesso na bolha especulativa do subprime.

Com a crise e a queda das vendas externas e necessitando manter um padrão de crescimento o governo se volta para o mercado interno e injeta recursos para manter o ritmo de crescimento. A atual inflação interna não tem outra origem.

Lá, como aqui no Brasil crescer a qualquer custo é a meta principal e quando se faz esta escolha tem um preço a ser pago no presente ou no futuro, mas terá que ser pago. 

Durante 2009 e 2010, diversas matérias publicadas na mídia internacional, principalmente no Financial Times, alertavam para a bolha de investimentos estatais e para a estratégia arriscada dos governos provinciais, principalmente na área de construção civil, grande empregadora de mão de obra.

A acreditar nos relatos são bairros inteiros, centros comerciais, inteiramente vazios. Desocupados e sem perspectivas de ocupação. 
Entre outras coisas a China tem um complexo problema regulatório não resolvido. A propriedade da terra é constitucionalmente familiar e intransferível. As pessoas estão irremediavelmente ligadas aos seu locais de nascimento. A mobilidade da população é controlada legalmente.

Toda essa história nos trás ao dia de hoje quando se anuncia esse astronômico valor de créditos podres
O problema é que é uma estimativa com base numa contabilidade viciada e liberada por um governo sem qualquer interesse na transparência. Na realidade não dá para saber se é isto ou dez vezes isto.

No ocidente as passeatas foram todas contra o perverso financismo do capitalismo rentista. Obama quase conseguiu ocupar Wall Street para garantir evidências de que o Estado, ele e sua coalizão, é inocente e que a culpa é do capitalismo predatório.
Certamente não dará para organizar passeatas na China contra o capitalismo predatório, nem por ser uma ditadura, mas pelo fato de que foi o Estado, no seu intuito de crescer a qualquer custo, o centro difusor da especulação.

O que irá ocorrer amanhã é o destino quem dirá, como diz a letra da música. O pouso suave da China, suave ou não, irá expondo as falhas e contradições. É como aquele ditado que está no nosso Tema para refletir: Quando a maré alta da liquidez baixar é que veremos quem estava nadando nu... 
O que pode ser verdade inclusive para nós brasileiros. Não somos parceiros apenas no crescimento a qualquer custo ou na estratégia de se voltar para o mercado interno.

Demetrio Carneiro