O risco é inerente à atividade econômica. Contudo a atividade de governo não precisa passar por ele voluntariamente, se não houver amplas e justificáveis razões. Ranços ideológicos não deveriam ser suficientes para justificar um risco que não é apenas do governo, mas de todo o país.
Quando se mudam políticas públicas existentes todos sabem que há risco, mas imagina-se que correremos algum por razões plausíveis. Foi assim na virada do Plano Real, um plano aplicado depois de muitos outros que fracassaram e apenas pioraram o que já estava ruim. Corremos riscos e vencemos a inflação descontrolada e persistente por muito mais de uma década.
Mas, vitória à parte, tivemos um problema: Foram perdidas décadas de crescimento. Certamente estaríamos hoje muito melhores e muito mais iguais, não fosse por isso.
Não se constrói igualdade com baixo crescimento e inflação alta!
Da vitória do Plano Real para cá a Política de Estabilidade vinha sendo bombardeada por segmentos do pensamento econômico de esquerda com argumentos fundamentalmente ideológicos e que a própria prática dos governos petistas mostrou serem inexatos. Principalmente se argumentava que “não era possível” fazer política social positiva com a Estabilidade. Na realidade toda a festa petista sobre o ingresso de milhões de pessoas no mercado de consumo, portanto “qualidade de vida”, se deve justamente ao fato de termos tido estabilidade nesse período. Da mesma forma o Bolsa-Família ou o Salário Mínimo só puderam ter ganhos reais pela mesma razão. Com a Estabilidade criou-se todo um conjunto de instituições que juntas forneceram os necessários incentivos para a atividade econômica se desenvolver de forma consistente trazendo o progresso. Mas não faz mal. De qualquer forma a Estabilidade é uma política “neoliberal” e precisava ser desconstruída. Isto parecia ser um senso que unia a esquerda dentro e fora do governo.
Quando Dilma resolveu mudar a política econômica mudando o foco do crescimento com inflação controlada para o crescimento a qualquer custo o que ela só teria como fazer isto desarticulando a proposta de política econômica de estabilidade. Para esse novo pensamento econômico dominante não bastam correções. São necessárias transformações profundas que garantam o povo trabalhador contra o capitalismo neoliberal e espoliador.
Ao contrário da política anterior a atual é potencialmente desestabilizadora, pois se alicerça na hipótese de que a inflação é passível do completo controle pelo Estado, quaisquer que sejam as regras do jogo. Nada mais elucidativo do que a tranqüilidade de Mantega ao tratar do assunto. Ou as tentativas do BC de elaborar modelos para explicar o inexplicável. O conceito estatizante de produção de políticas econômicas parece querer sempre ignorar que as expectativas podem ser bem mais poderosas que a ação do Estado. Ai está a economia mundial...
O “crescimento a todo custo” evidencia duas premissas que estão em sua própria essência:
- O gasto público é prioritário para a manutenção da estrutura de poder e a amplíssima faixa de aliança. Só o gasto permanente e em níveis elevados sustenta essas alianças no plano federal e suas bases patrimonalistas no plano local;
- A inflação não é um “problema” desde que o poder de compra dos salários não seja modificado. A leitura da previsão da evolução da massa salarial no PPA 2012-2015 é bem clara a este respeito.
Neste momento, como seria de se esperar, as previsões de crescimento vão se mostrando sempre mais pessimistas ao ponto de comprometer todo o projeto do Plano Plurianual em votação no Congresso Nacional, já defasado, mas também ao ponto de comprometer o futuro e não apenas o plano.
Com efeito, se o quadro de crescimento minimamente consiste, digamos que sejam os tais 5%, com inflação mais alta já não é um quadro satisfatório e necessariamente tem impactos negativos retornando sobre o crescimento futuro, muito mais negativos serão os impactos de uma expectativa de baixo crescimento com inflação mais alta. Estamos falando numa média de 3% daqui ao final do mandato de Dilma. Talvez menos a depender da qualidade do “pouso suave” da China e de quanto tempo ficarão “pousados”.
Prever crescimento na média de 3% ou menos pode parecer pessimismo demais, talvez. Contudo cabe ao gestor público, ao agente político eleito para isso, trabalhar com cenários e, neste momento, trabalhar com cenários excessivamente otimistas pode representar um risco que todos correremos e que poderá jogar a economia brasileira num processo que já conhecemos historicamente de inflação alta e baixo crescimento.
Nenhuma dúvida sobre os custos sociais de um modelo de baixo crescimento e inflação alta e toda a certeza de que ficam inviáveis correções reais de salário, como fica inviável a capacidade de manter em níveis controláveis a Dívida Pública e é evidente a sinergia entre essas duas questões e a expectativa dos agentes econômicos retornando como mais redução da atividade econômica futura.
Ainda é tempo do governo rever sua proposta de modelo econômico. Mais à frente, além de estarmos sujeitos a perder os ganhos dos últimos anos de Estabilidade talvez estejamos obrigados a um novo ciclo de tentativa com erros e acertos que se acumularão em novas décadas perdidas e mais desigualdade.
Demetrio Carneiro