quarta-feira, 19 de outubro de 2011

FALA NA COMISSÃO GERAL SOBRE A CRISE ECONÔMICA DO CONGRESSO NACIONAL

Abaixo o registro da minha fala na Audiência Pública promovida pela Comissão Geral sobre a crise econômica do Congresso Nacional. A AP foi realizada no Plenário da Câmara em 27.05.2009.

Até o momento que falei, acho que fui o oitavo orador, todos os oradores, inclusive o Delfim e o Gerdau, falavam abobrinhas sobre a crise e o desenvolvimento. Quando terminei de falar houve aplausos, mas o silêncio na mesa foi geral. Definitivamente acho que discursos críticos não faziam parte daquele protocolo.

Acho que tem uma constatável linha de coerência que venho mantendo esses anos. Ainda bem...

Demetrio Carneiro

O SR. PRESIDENTE (Deputado Albano Franco) - Dando prosseguimento aos trabalhos, convidamos o Dr. Demetrio Carneiro da Cunha Oliveira, economista, coordenador da Fundação Astrojildo Pereira e do Portal Alternativa Brasil.

O SR. DEMETRIO CARNEIRO DA CUNHA OLIVEIRA - Sr. Presidente, Deputados presentes à Mesa, Ministro Velloso, Sras. e Srs. Deputados presentes em plenário, demais convidados, muito bom dia.

Em nome da síntese e também para dar tempo aos outros oradores, vou ler um pequeno texto que preparei. Esse texto, acho, expressa um pouco aquilo que eu penso sobre essas questões e, talvez, aquilo que grande parte de brasileiros e brasileiras imaginam a esse respeit:o :

O debate sobre a origem da atual crise ou suas consequências em nosso País não terminará tão cedo. Muito provavelmente teremos material para os próximos anos ou décadas. É assim mesmo. É parte de nosso processo de conhecimento e é parte decorrente dos interesses que estão em jogo — e são muitos.

Globalmente falando, o que todos intuem, talvez até por conta da resultante da crise de 1929, é que mudanças deverão ocorrer. Nada deverá ser como antes. Parece haver aqui uma linha de corte. E é no campo das escolhas que se farão que o debate tenderá a se tomar mais consistente a cada dia que passar.

No centro dessa questão está o Estado, sua estrutura, seu papel e funções, e é à volta desse conceito nuclear que deverão se dar os maiores embates. Nacionalmente a questão da crise nos trará de volta a discussão sobre o desenvolvimentismo e, evidentemente, o papel do Estado brasileiro na condução desse processo.

Parece claro que, em algum momento, essa crise será superada e se tornará evidente a necessidade de pensar o "pós-crise". As indicações iniciais são de que, se mantido o atual modelo, nosso crescimento econômico tenderá a ser medíocre e por muito tempo. Não é difícil imaginar mais uma "década perdida".

Então, a questão é procurar estabelecer um outro modelo, que tenha em vista as experiências passadas e seja resultado dessa revisão crítica. Podemos e devemos recriar nosso futuro.

O jornal Estado de São Paulo, edição de ontem, 25 de maio, noticiou uma avaliação feita pela Organização das Nações Unidas no que se refere às políticas públicas sociais no Brasil. Em linhas gerais, a avaliação se refere à sua pouca efetividade. Para aqueles que, como eu, lidam com o movimento social — sou Presidente de uma OSCIP — não se constitui novidade.

A política pública social não é questão de vontade, algo do tipo "a sociedade não quer mais que os pobres permaneçam pobres", mas de efetividade. Efetividade, nesse caso, passa por políticas que de fato promovam e transformem. Não estamos falando em eventos de mídia, mas em mudar a qualidade de vida das pessoas de forma permanente e estável. As políticas públicas sociais precisam ser reavaliadas, revistas. É certo dizer que o Estado deve intervir na questão de distribuição de renda e promoção social, mas não é suficiente dizer; é preciso realizar.

O balanço do desenvolvimentismo brasileiro e das décadas de sua efetivação tem dados positivos e negativos. Positivamente falando, as políticas desenvolvimentistas nos trouxeram, sim, crescimento econômico, mas, por serem incapazes de mudar as premissas básicas, também foram incapazes de mudar o perfil de distribuição de renda de forma significativa, foram incapazes de trazer um crescimento contínuo e significativo.

É aqui que nos deparamos com o Estado. Existe uma visão de processo que dá ao Estado papel único e transcendental, como se ele pairasse por sobre a sociedade. Apenas não é o que ocorre. O Estado brasileiro tem-se mostrado historicamente vulnerável aos interesses de grupos econômicos e corporativos. O Estado brasileiro gasta muito e gasta mal. Entre nós o gasto é instrumento de poder e controle, tanto no sentido federativo, como no sentido republicano, como na relação com as entidades do movimento social e a sociedade civil.

O Estado real está muito longe do Estado idílico que muitos imaginam como real.Se pretendemos superar essa crise econômica de forma permanente e sustentável, se pretendemos buscar de fato o desenvolvimento econômico, nosso primeiro passo terá que ser a crítica ao Estado brasileiro. O segundo passo deverá ser a sua real democratização, de forma a que atenda às demandas da sociedade.

A Constituição Federal de 1988 foi um importante passo nessa direção, mas não se realizou. Continuamos com questões federativas, nosso pacto federativo tem que ser revisto. Continuamos com questões republicanas, a prevalência do Executivo sobre os outros Poderes tem que ser reavaliada. Todos os mecanismos de gestão participativa sociedade civil/gestão pública devem ser reavaliados criticamente. Os mecanismos de controle social e popular precisam ter efetividade institucional.

Da mesma forma o conceito de desenvolvimento deve ser revisto. Devemos e temos obrigação de incorporar as questões da relação entre industrialização e meio ambiente. Não é possível mais pensar em desenvolvimento sem questionar a nossa matriz de transportes fundada no consumo de combustível fóssil. Ou a matriz de transportes fundada no transporte individual. Não podemos mais aceitar a premissa do desenvolvimento a "qualquer custo". Esse debate tem que ser trazido para a sociedade e ela deve poder escolher.

Esse deverá ser um dos pontos de debate para 2010: a industrialização clássica, aplicada nos últimos anos, é o que nos interessa para o futuro? É o legado que transmitiremos para as próximas gerações? Precisamos nos inserir no novo tipo de economia que se está criando. Fugir do mero papel de fornecedores mundiais de commodities, exportadores de meio ambiente.Devemos questionar nossas escolhas de investimento. Os investimentos públicos devem ser voltados para a redução do Custo Brasil e nas áreas de inovação que atendam à questão de ciência e tecnologia, assim como da sustentabilidade. Para que isso ocorra é necessária a revisão desse conceito de gasto estatal nas atividades meio, é necessário que se rediscuta a relação entre gasto e investimento e se busque mecanismos que nos levem ao investimento e não ao gasto.

Precisamos rever a questão do investimento, trazê-lo para o conceito de microrregião concentradora, agregando os níveis federal, estadual e municipal de forma coordenada e planejada.

Não há como falar em mercado interno sem falar na questão das pequenas, médias e microempresas. Todo um conjunto de programas federais, estaduais e municipais está em andamento, mas precisamos avançar mais nessa área, na direção do cooperativismo, do microcrédito e da integração horizontal e vertical das cadeias de produção e comercialização. Nesse capítulo do mercado devemos buscar relações de cooperação entre Estado e mercado, não apenas relações predatórias, quando o Estado visa apenas a apropriação dos tributos.

No âmbito institucional, precisamos tirar da "prateleira" a Lei de Responsabilidade Social e pensar numa responsabilidade ambiental, mas não como forma de intervenção estatal, e sim como estrutura cooperativa entre Estado, mercado e sociedade civil.

A Lei de Responsabilidade Fiscal precisa ser reavaliada. Temos uma reforma política pela frente que, esperamos, dará mais efetividade à participação do eleitor no processo político institucional.Há outras reformas a considerar: reforma tributária, previdenciária, etc.

Estamos nos especializando em "empurrar com a barriga" a questão institucional, como se esse dado não fosse fundamental para a consolidação da democracia em nosso País e para o nosso desenvolvimento.

Existe, sim, um outro modelo possível de desenvolvimento que devemos debater, não como abstração, mas como fato concreto. Não estamos frente a propostas "belas e sinceras", mas utópicas.

O mundo real estábem a nossa frente. Fala-se muito em aproveitar essa janela de oportunidades. Não aproveitaremos se estivermos dispostos apenas a fazer um pouco mais do mesmo de sempre.
A realidade ambiental, as profundas transformações econômicas estão exigindo respostas que ou seremos capazes de produzir — enquanto sociedade e o Estado têm de expressar isso — , ou estaremos condenados e permanecer sempre "potenciais", "futuros", "simpáticos", mas apenas isso.

Obrigado e bom dia. (Palmas.)

O SR. PRESIDENTE (Deputado Albano Franco) - Muito obrigado, Dr. Demétrio Carneiro da Cunha Oliveira.