segunda-feira, 9 de agosto de 2010

SOBRE A 'DOSAGEM CORRETA" DAS POLÍTICAS MACROECONÔMICAS E AS TAXAS DE JUROS

Três episódios recentes merecem destaque para a questão que abordaremos.



O primeiro foram as sucessivas declarações de Serra quanto a necessidade de coordenação das políticas macroeconômicas, fiscal e monetária tendo em vista questões como os juros altos.



O segundo foi o recente debate público entre Coutinho, presidente do BNDES e Meirelles, presidente do Banco Central, por conta da questão da taxa Selic.



O terceito foi uma entrevista feita pelo jornal Valor Econômico com Tony Volpon, Estrategista do banco japonês Nomura.



Vamos começar por Volpon. Na entrevista basicamente ele projeta para 2011 uma taxa Selic de 10%. Mais baixa que a atual, mas alerta ele, ainda assim com uma taxa real de 5%.
Simplificando: A taxa Selic futura é prevista em 10% anual. É uma taxa nominal. Para chegarmos na taxa real teremos que deduzir a inflação que se imagina será ao redor de 5% ou um pouco menos. Portanto a taxa real será de, ao menos, 5%. Anuais.
Como Tony é estimado pelo Bloomberg como um dos economistas com maior margem de acerto na previsão das taxas Selic e como a estimativa de inflação futura, mantidas as condições, é confiável, dá para imaginar que teremos em 2011 uma taxa real de Selic na ordem de 5%.
Problema: Deverá ser a taxa mais alta de todo o planeta, para países em crescimento.



Serra como economista sabe bem que uma parte do problema das altas taxas de juros Selic está no desencontro entre as políticas monetária e a fiscal. Daí a proposta de coordenação. Daí a lembrança sobre o modelo de operação do Banco Central chileno.



Um belo exemplo de descoordenação está justamente no debate que houve entre Coutinho e Meirelles.
Basicamente Meirelles deu como exemplo para subir a Selic o que vem ocorrendo com o BNDES. Coutinho rebateu alegando que a função de um banco de desenvolvimento é...desenvolver.
Até seria muito lógico, mas temos aqui um problema: É da boa teoria econômica que o gasto público, no caso os empréstimos do banco são gasto público, já que foram alavancados por recursos obtidos pelo Tesouro Nacional via aumento da Dívida Pública, tem dois papéis possíveis.
No primeiro, quando a capacidade real de produção está se afastando da capacidade instalada, como numa crise econômica, o gasto tem uma função positiva, pois direciona os recursos apropriados da sociedade – Dívida Pública é uma apropriação no futuro – para estimular a economia. Seria uma leitura positiva do papel do Estado na economia. A estimulação é feita aumento da demanda agregada. O Estado gasta e em última instância acaba transferindo recursos para o consumo aumentando a demanda que por sua vez estimula os empresários a produzir mais, aproximando o produto real do produto potencial.
O segundo papel é negativo. Quando a economia se apresenta próxima de seu potencial o gasto público acaba por estimular a demanda, mas a demanda maior do que a oferta de produtos e serviços por sua vez estimula a inflação e acaba interferindo na estabilidade econômica.
O que Meirelles criticou foi o fato de estarem usando estímulos fiscais após a pior fase a crise. E o que argumentou, ele e muitos outros especialista, é que esse gasto tem papel negativo e estimula a inflação.
Estimulada uma inflação maior que a que está no “alvo” o papel do BC é subir as Taxa Selic.



É bom abrir um parêntesis aqui e definir que taxa bancária, taxa de empréstimos pessoais ou taxa de cartão de crédito têm todas uma remota associação com a Selic. Nossas estratosféricas taxas, nesse caso, têm mais a haver é com o regime de monopólio autorizado do setor financeiro e bancário. Carecemos de uma “democratização” do regime de crédito. Mas isso é outro assunto. Comentei apenas para deixar claro qual é o foco.



Convém esclarecer que não é o Banco Central quem define a taxa a ser perseguida. Esse papel é do Conselho Monetário Nacional. O Conselho, composto pelos ministros da fazenda, presidente, ministro do planejamento mais o presidente do BC. O CMN estabelece um “alvo” ou “target” e os limites dentro dos quais essa taxa pode flutuar. São as chamadas “metas de inflação”.
A competência do BC é fazer com que a inflação real esteja sempre próxima do alvo. Quer dizer, a ação do BC é reativa, Ele reage e define taxas Selic que estimulem ou desestimulem a atividade econômica.
Da mesma forma que gastar mais ou menos, no caso da política fiscal, uma taxa maior ou menor também pode estimular ou não a economia.



O eterno choque entre os interesses da fazendo e do BC, e não foi apenas nesse governo, está ligado ao fato de que o desenvolvimentismo olha apenas para o gasto, vem nele apenas atributos positivos. O BC fica obrigado a olhar para o equilíbrio, a estabilidade macroeconômica, o que implica numa inflação sob controle.



Mas enfim, a taxa Selic pode baixar. Pode sim, mas depende de duas coisas:
a) Coordenação institucional entre as políticas monetária e fiscal;
b) Compreensão clara dos limites do gasto e seu papel pró ou anticíclico.



No caso da coordenação institucional fica claro que o Conselho Monetário Nacional deveria ter suas funções ampliada.
Também fica claro que não podemos trabalhar apenas de olho nas Metas de Inflação. Precisaremos criar um novo conceito de metas: Metas de Crescimento. De olho na relação entre PIB efetivo e PIB potencial poderemos criar um novo indicador que tenha relação válida com as Metas de Inflação e trabalhar de forma harmônica com os dois indicadores.
Ficaria faltando um regime de responsabilidade fiscal, o que depende por sua vez de uma clara definição do papel do Estado em outra proposta de Desenvolvimento que não seja essa que ai está.
O instrumento principal desse modelo seria a capacidade estatal de gastar ( como gasto corrente ou investimento ) e poupar.
Quer dizer o superávit primário serviria, de olho na relação entre metas de crescimento e metas de inflação, tanto para estimular o crescimento via gasto quando fosse o caso da queda na atividade econômica, como serviria de formação de poupança, criando futuras reservas ou liquidando dívida, nos bons momentos da economia.



Esse seria um modelo harmônico e que, corretamente direcionado, acabaria trazendo a taxa Selic para patamares bem mais civilizados que o atual.

Demetrio Carneiro