quarta-feira, 11 de agosto de 2010

POUPANÇA E CRESCIMENTO NO BRASIL

Usando uma frase bem comum “Seria divertido se não fosse triste” ver nos maiores autoridades falando em economia sustentável e crescimentos mirabolantes ou fazendo projeções de crescimento para os próximos anos.
Não tanto pela crise ainda presente nos países mais desenvolvidos e que não autoriza esse automatismo de achar que o crescimento dos “anos dourados” vá se manter no mesmo nível.
Mantega também disse que não teríamos recessão em 2009 ou que o crescimento em 2010 chegaria a 10%. Esta nos jornais. É só pesquisar.

Nos anos dourados o Brasil de certa forma estava “no lugar certo e na hora certa”.
Não houve uma intencionalidade, uma expressão de mudanças decorrentes de uma vontade política.
Houve convergência entre uma economia gigantesca, ser nona ou oitava economia mundial não é pouco, subutilizada, com consumo reprimido e dispondo de fartas reservas minerais e potencialidades na produção de alimentos e a mudança de cenário da economia mundial.
A economia chinesa recebeu a “doação” da transferência de tecnologia produtiva em bens de consumo e bens duráveis das nações mais desenvolvidas, por conta de sues baixíssimos salários e da necessidade de sua cúpula política de não deixar morrer de fome uma população de pouco mais de um bilhão de pessoas. Foi outra convergência. Investidores dos países mais desenvolvidos buscavam meios de reduzir os custos de produção de seus produtos. De uma lado. Não havia como manter no poder a tecnoburacracia estatal com uma população esfaimecida. Desse ponto de vista e muito ironicamente a ditadura comunista forneceu ao capitalismo meios para ampliar sua faixa de lucro. Outra convergência foi o ciclo econômico da bolha imobiliária que gerou a inusitada, e desequilibrada, expansão de consumo da classe média nos EUA e Canadá. Estamos falando do primeiro mercado de consumo do planeta recebendo estímulo para consumir mais. Isso também não é pouco. Essa engrenagem acabou afetando outros países e gerou um ciclo de fartura.
A China já destruiu lá trás boa parte de seu meio ambiente. Buscava parceiros capazes de lhe fornecer as matérias primas necessárias para produzir os bens. Buscava parceiros para lhes oferecer os alimentos necessários. O fato é que a mínima renda paga aos trabalhores acabou virando demanda de mais alimentos. Isso também acontece aqui. Famílias muito pobres, quando têm aumento de renda, tendem a consumir mais alimentos.
Bem, nós estávamos lá.

Essa lógica de divisão de trabalho no mercado internacional: A gente fornece para a China que fornece para EUA/Canadá e Europa Ocidental, tende a permanecer e deverá ser ainda responsável pela explicação de nosso crescimento nos próximos anos.

Evidentemente esse ciclo de crescimento trouxe vantagens: Gerou mais renda, gerou mais empregos, gerou mais tributos, ajudou a financiar as políticas sociais, deu espaço para a expansão do mercado interno. No último caso mostrou a potencialidade dessa expansão e atraiu capitais externos etc.

Nossa grande questão é responder uma coisa: Esse ciclo é sustentável?
O Mantega e outros acham que sim.
Eu, muito modestamente, acho que não.
Mantega, como Delfim antes, talvez ache que sim por conta de imaginar que mantendo a dependência conseguiremos tempo e recurso para uma expansão do mercado interno de tal forma que em determinado tempo o ele será tão potente que conseguirá sustentar nossa economia.
Nada de errado na afirmação da CNA de que exportar “commodities” não está tão errado como se afirma. De fato deveremos agir naquilo que nos dá mais vantagens comparativas e, no caso, são minérios e alimentos.

Nosso problema é que sustentabilidade econômica não se mistura muito bem com dependência. São pouco mais de 500 anos de história para provar isso.

Como, então, ter sustentabilidade econômica? Talvez seja essa uma das maiores explicações que um programa de governo deveria dar, além dês responder sobre a sustentabilidade ambiental, é claro. Os dois termos são realmente sustentabilidade econômica e sustentabilidade ambiental.

Nesse preciso momento vivemos uma questão cambial peculiar. Deveríamos festejar, mas questionamos a apreciação do real frente ao fraco dólar americano. Doença holandesa , taxação do câmbio, cesta de moedas e tudo o mais à parte a questão é que afeta, e muito, nossas exportações de bens industriais e até serviços. As razões de queixa são reais.
A CNA não tem razões para reclamar, pois a forte demanda chinesa mantém os preços dos alimentos em patamares tão altos que bem a apreciação cambial do real atrapalha. O mesmo não acontece com a CNI que reclama e com razão.

Nosso problema de apreciação cambial é uma armadilha: Necessitamos, digamos desesperadamente, de investimentos. Nosso problema é que investimentos dependem de poupança. No Brasil só poupam as empresas. Famílias e governo não poupam, gastam. Como a poupança das empresas nacionais não é suficiente acabamos por necessitar de investimentos externos. É o ingresso desses investimentos que desequilibra o balanço cambial e acaba apreciando o real em detrimento do dólar.

Mais uma vez estamos no lugar e na hora certa. Os recursos que precisamos sobram num mundo onde as economias centrais não são tão confiáveis, nem tão lucrativas é bom ficar bem claro, quanto a nossa. Resultado: Não faltam recursos para o Pré-Sal. Não faltam recurso para a Copa, o Trem-bala ou as Olimpíadas. O quanto isso é fragilidade descobriremos no primeiro momento em que as economias centrais se mostrarem mais “confiáveis” e o fluxo mudar de mão. Mas esse é outro assunto.

Nesse ponto dá para perceber que o ciclo poupança interna/investimento é uma das chaves para a sustentabilidade econômica.

Está ai nosso primeiro problema: Como criar elementos de formação de poupança interna para o Estado e para as famílias?

No caso do Estado, o modelo macroeconômico que apresentamos, na medida em que busca um maior controle sobre o superávit primário em suas relações com os ciclos econômicos acaba sendo um formato possível e necessário, diga-se de passagem, para a formação da poupança estatal.
É no caso das famílias que temos considerações a fazer.
A questão da poupança familiar não é apenas uma questão derivada do “gaste-gaste” fartamente estimulado e apoiado pelo governo federal na sua busca por criar um mercado interno “mais robusto”.
Temos a considerar que é uma tradição que se esgotou algumas gerações atrás. Se muito antigamente existiam lógicas de poupança, lembro bem de meus avós, elas se deviam não apenas a não haver um forte processo inflacionário e, portanto, poupanças eram um bom investimento, estamos falando da primeira metade do século XX, mas também pelo fato de que as “garantias sociais” era mínimas.
De lá para cá não só existem mais garantias sociais, o que de certa forma alivia a pressão do futuro sobre o presente, mas também a remuneração da poupança despencou a patamares onde praticamente não há atrativo para poupar. Não se trata apenas desse momento e de todo o debate do ano passado.
Existe uma forte relação entre poupança popular, seja no formato das poupanças tipo caixa, seja no formato do FTGS, que na realidade é outra poupança, mas forçada, e subsídios. Tem havido nas últimas décadas um forte posição dos governos no sentido de usar a poupança popular como “dinheiro barato” que ou pode servir para subsidiar as chamadas “obras populares” que de popular não têm é nada ou para financiar estruturas tipo o FAT que trabalha com fundos perdidos. De uma forma ou de outra a pressão é por remunerações próximas ao desempenho da inflação.
Devemos considerar o papel desestimulante para as famílias. Na época de alta inflação o papel era diferente e o mais importante era garantir o valor do recurso. Hoje, com a estabilidade, fica evidente que se trata mais de ganho sobre a aplicação.
De uma forma ou de outra é preciso que se reconheça a importância econômica – micro e macro - da poupança familiar e um bom passo para um programa de governo seria propor novos formatos de poupança que levassem ao resgate da tradição.

É nesse contexto que apresentamos nossa proposta de Poupança-Educação. Basicamente seria um mecanismo voltado para criar condições de que os jovens possam cursar as Universidades. Sabemos que mesmo com os programas federais de inclusão de jovens carentes em universidades particulares, ainda assim a questão não resta resolvida para a baixa classe média urbana.
Os jovens podem não pagar a faculdade, mas ainda assim, em boa parte dos casos, precisam de alguma forma contribuir para a renda familiar, precisam se alimentar, se vestir, se transportar e comprar livros. Uma parte importante do sub-aproveitamento dos jovens está nessas questões.
A proposta é criar uma conta especial de poupança que seja remunerada não pelo moldes tradicionais, mas num esquema de organização de um fundo que realiza aplicações mais lucrativas para o investidor. Essa poupança só poderia ser sacada pelo jovem ao ingressar no ensino superior e serviria para financiar justamente as “despesas extras”. Poderia ser aberto ao nascimento da criança. A família depositaria um determinado valor e contra esse valor o governo federal depositaria uma contra partida. Da mesma forma quando o jovem ou a jovem concluísse o ciclo fundamental e o básico, em ambas as situações seria depositado um valor na poupança. Caso o jovem decidisse não cursar a universidade poderia sacar apenas a parte depositada pela família. Os recursos depositados pelo governo reverteriam para o fundo.

É uma proposta não muito complexa, mas importante, pois mostra à família e aos jovens a importância da poupança ao mesmo tempo de cria condições mais sustentáveis para os jovens poderem concluir com bom aproveitamento seu curso superior.
Especificamente no caso do FGTS seria importante que houve um debate aberto à sociedade sobre usos e benefícios da atual estrutura. Embora manipulado pelo governo o recurso pertence ao trabalhador. A atual estrutura de gestão com a participação das centrais sindicais não parece contribuir muito para a defesa dos interesses dos trabalhadores. Do contrário não se usaria recursos do funda ou para financiar cursos inexistentes ou para financiar imóveis de classe média alta.

Demetrio Carneiro