Abaixo um interessante estudo feito por Roberto Gallo sobre a questão do crédito e os limites de seu uso enquanto política pública econômica de expansão do mercado interno.
Do ponto de vista do crescimento da economia a recente crise deixou claro, como sempre, que a dependência dos fatores externos sempre gera graus de incerteza quanto à sua sustentação.
Nessa lógica, sustentação, o mercado interno é um objetivo mais palpável. Esse é um debate de décadas sobre como fortalecer e expandir esse mercado. Basicamente seria através do aumento da renda para o consumo. Uma renda maior propiciaria um ciclo positivo de crescimento. Em parte os programas sociais atenderam esse papel e é sintomático o aumento de consumo via aumento de renda na própria mudança da estrutura de classes de renda. O indicador de movimento das famílias da classe D para a C são bens como geladeira, fogão, máquina de lavar roupa, enfim a tal linha branca e a ampliação dos hábitos de consumo de alimentos, higiene e limpeza. Embora os números do PIB per capita demonstrem uma forte expansão da renda nos últimos anos fica evidente que estamos ainda muito longe de um nível de renda que possa gerar uma demanda interna que responda por sustentar um ritmo de crescimento razoável. Daí a necessidade de também estimular o crescimento do setor produtivo e serviços. O consumo das famílias mais a ampliação da produção de bens e serviços criam um mercado interno mais consistente.
Para acelerar esse processo foi decisão de governo estimular a expansão do crédito. Se crédito é renda futura, no caso das famílias ou faturamento futuro no caso das empresas, então uma forma de ampliar o mercado interno é estimular o crédito.
O problema com esse projeto de crescimento é que ele por si só não é capaz de gerar o que podemos chamar de ciclo virtuoso. Principalmente porque a economia tem entraves que limitam sua expansão como o chamado Custo-Brasil, problemas de ordem institucional, taxas muito altas de juros/formação do oligopólio no mercado bancário , limitações no poder aquisitivo, a capacidade de endividamento do setor público.
No caso específico do crédito o que fica claro no texto de Gallo é a limitação da capacidade do setor público para continuar aumentando sua oferta e a limitação do setor privado em decorrência da oligopolização. Segundo Gallo: “É fundamental que o mercado de capitais cresça e assuma esta função social de financiamento do investimento das empresas e daqueles que desejam comprar sua casa própria.”
O autor toca na questão que defendemos: Democratização do mercado de crédito.
Demetrio Carneiro
O gráfico abaixo mostra a evolução do crédito bancário como % do nosso pib desde 2001 na linha azul:
Tracei a reta de tendência do crédito total / pib desde 2011 ( EM VEREMELHO ) que mostra um crescimento médio anual de 2.15% do pib no total do crédito.
Notamos que até 2007 o crescimento vinha abaixo da média, tendo se acelerado bastante após 2007 até agora. Tracei a reta verde que mostra a tendência de crescimento de 4.75% do pib aa nestes últimos 3 anos.
Houve a partir de 2007 uma nítida aceleração na taxa de crescimento de 2.6% do pib aa. Da onde veio tal aceleração?
O gráfico abaixo mostra a evolução dos chamados créditos direcionados ( azul), que são operações de empréstimos feitos pelo BNDES e Bancos, porém cumprindo exigências do governo, como crédito imobiliario, que são obrigatórios para os bancos que tem depósito de poupança, e rural, que são obrigatórios para bancos que tenham depósito a vista:
Também tracei a linha de tendência média do período ( vermelha) e a linha de tendência dos últimos 3 anos ( verde) destes créditos.
Vemos que o crescimento até 2007 vinha abaixo da média, quando de repente se acelerou. A taxa de crescimento anual saiu de 0.52% aa para 2.02% do pib aa, ou seja, uma aceleração de 1.5% do pib aa.
Fica claro que 60% desta aceleração veio dos empréstimos direcionados.
Dentre os empréstimos direcionados, analisei , da mesma forma, o crescimento dos empréstimos imobiliários, que são mostrados no gráfico abaixo na linha azul.
Notamos aqui o mesmo comportamento visto anteriormente. A taxa de crescimento saiu de quase zero para 0,59% do pib aa.
Já mencionei em post anterior o papel do BNDES nos últimos 3 anos, que teve uma aceleração anual equivalente a mais de 1% do pib em seus empréstimos, como vemos no gráfico abaixo:
Podemos ver a forte aceleração na atuação do BNDES desde 2007 , quando crescimento de seus empréstimos quintuplicou saltando de 0.26% aa para 1.36% do pib aa, ou seja, 1.10% do pib de aceleração após 2007%..
O que fica evidente é que precisamos de taxas de crescimento de crédito elevadas para sustentarmos o momento econômico, e tanto BNDES como a CEF , fizeram a sua parte.
Contudo é insustentável ( sic Min Dilma ) a manutenção destas taxas de crescimento nas entidades de crédito ligadas ao setor público. É fundamental que o setor pirvado assuma sua parte nisto.
Contudo, não podemos esperar que os bancos privados ocupem integralmente este espaço hoje ocupado pelo setor público. Tais operações (BNDES e Crédito imobiliário) são de longo prazo ( 5 , 10 até 20 anos) e não são adequadas ao modelo de financiamento dos bancos, que se baseia na captação de depósitos de curto prazo ( até um ano ).
É fundamental que o mercado de capitais cresça e assuma esta função social de financiamento do investimento das empresas e daqueles que desejam comprar sua casa própria.
A estrutura atual da indústria de fundos de investimento, de distribução de valores mobiliários e de sua negociação no mercado secundário é insuficiente e carece da infraestrutura e estímulos necessários para seu desenvolvimento. Há também por parte dos reguladores dos mercados de capitais uma certa desconfiança com relação a tal mercado, dadas algumas experiências passadas que foram fracassadas, que impedem o desenvolvimento de um mercado secundário de títulos, através de distribuidoras de valores, empresas hoje sem muita função no mercado .
Contudo, o Brasil mudou, e é preciso com urgência endereçar esta questão, com o risco de vermos nosso mercado de títulos de dívida exportado para Wall Street, da mesma forma que já ocorre com o mercado de ações, onde as grandes empresas brasileiras já tem seus papéis negociados (ADR´s), e quando 28% do volume que se negocia aqui na Bolsa é de estrangeiros que tem acesso a este mercado pela isenção de ir nos seus ganhos. Não se trata de nacionalismo, mas a exportação do mercado de instrumentos de dívida para o exterior expõe o Brasil a choques externos como o vivido em 2008, sobre os quais nossos instrumentos de política econômica serão cada vez mais incapazes para neutralizar seus efeitos. Além disto, a experiência em países mais desenvolvidos mostra a redução dos spreads bancários com o desenvolvimento do mercado de capitais e das técnicas de securitização de empréstimos para sua negociação entre investidores. Um mercado de capitais desenvolvido aumenta a competição entre os Bancos, e inibe o processo de concentração bancária que vivemos neste país, onde em Março último:
CEF+BB+BNDES tinham 43.5% do total das operações de crédito bancário no país
Bradesco+ItauUnibanco+Santander tinham 35.3% do total
E as outras 137 instituições do mercado de bancos tinham ao todo apenas 21.2%
Ou seja, 6 entidades controlam quase 80% do volume de crédito bancário no país.
Ninguém, nenhum candidato até agora tem propostas neste sentido. Talvez caiba ao mercado e a seus agentes e entidades de classe como Bolsas, Anbima e Febraban apresentar propostas a todos os candidatos. E cabe aos economistas alertarem para este risco e sobre o papel fundamental do crédito neste ciclo de crescimento que vivemos. Taxas de 4% do pib aa de crescimento no crédito representam 8 vezes o volume total gasto pelo governo no bolsa família em um ano e mais do que o dobro do volume de ingresso de investimentos estrangeiros diretos no país.
Muitos tem se criticado a atuação do BNDES, como este que vos escreve. Porém este discurso corre o risco de ficar vazio se não apresentarmos idéias e sugestões no sentido de aprimorar os mercados para que estes possam substituir o BNDES e a CEF de maneira eficiente, barata e eficaz. Hoje não estamos preparados para este desafio. Corremos o risco de abortar este ciclo de crescimento que temos vivido por não termos alternativas, ou de perpetuarmos o modelo atual, elevando a dívida interna, o endividamento externo de nossas empresas e a estatização da intermediação financeira a níveis nunca visto antes na história deste país….
Pretendo ao longo dos próximos meses listar aqui algumas idéias e sugestões que tenho ouvido que visam aprimorar a sistemática de funcionamento dos mercados de dívida no Brasil.