Chama-se de doença holandesa o episódio ligado à descoberta de jazidas de gás natural no Mar do Norte. Esta riqueza natural teria estimulado, na Holanda, uma forte apreciação cambial. A apreciação cambial teria estimulado as importações, desestimulado as exportações e produzido, como efeito mais direto, um forte desestímulo à atividade industrial naquele país, iniciando um processo de desindustrialização.
A fortíssima apreciação cambial de nossa moeda gerou uma onda de debates nesta linha com muitos conhecidos economistas sugerindo uma intervenção no câmbio por conta do receio de que pudesse se repetir em nosso país o mesmo processo ocorrido na Holanda.
Além da forte apreciação outro forte ponto do argumento é a qualidade das exportações brasileiras. De fato, tendo em vista o mesmo período do ano, primeiro semestre, e comparativamente ao ano 2000 nossas exportações de commodities saltaram de 22% para incríveis 43,4%. Basicamente minério de ferro e soja. Processo alavancado pelo pesado fluxo de exportações para a China, atualmente responsável por cerca de um quarto do volume total. Nossas atuais relações não apenas com a China, mas com o resto do mundo, produto a produto tende a manter o mesmo padrão constante dos últimos 500 anos: trocamos matéria prima básica por produtos de maior valor agregado.
No caso específico das commodities elas acabam nos beneficiando pela apreciação do real, já que nem mesmo sua forte valorização foi capaz de interromper o fluxo. O Brasil dispõe daquilo que o mundo precisa para poder crescer.
Nosso problema é que vamos nos tornando beneficiários em segunda instância do processo, repetindo um papel um papel clássico de nosso passado enquanto país dependente, na antiga concepção de centro/periferia.
De qualquer forma e apesar de tudo a doença holandesa embora nos sirva de espada de Dâmocles e vá permanecer ai pendurada sobre nossas cabeças por muito tempo não é um fato, embora seja uma ameaça potencial.
O produto industrial brasileiro não apresenta sinais de retrocesso e isso se explica pela via da expansão do mercado interno. As políticas sociais somadas aos anos de estabilidade econômica, com a inflação controlada, geraram como contra partida poder de compra suficiente para sustentar o crescimento de nosso produto industrial apesar da apreciação cambial e da forte exportação de commodities. Nossos manufaturados buscaram outro destino. Claro que nada disto implica em estarmos numa situação cômoda. A espada continua acima de nossas cabeças, como um sinistro aviso.
Bom esclarecer que se chegamos onde chegamos, repetindo nossa indesejada história passada, é porque estamos por conta de um modelo de desenvolvimento que se mostra totalmente insuficiente para enfrentar os dilemas do mundo como se apresenta hoje.
Se nosso câmbio está tão apreciado é graças ao intenso fluxo de capitais. Fluxo do qual precisamos para financiar nosso crescimento já que não existe preocupação em formar uma real mentalidade de poupança pública, mas apenas do gasto e seu uso como poder. Muito menos em estimular as famílias para este caminho, já que se escolheu o crescimento do mercado interno pelo atalho da expansão de crédito e não da renda gerada pelo trabalho qualificado. Apenas as empresas poupam, mas não é suficiente. Sem poupança interna não há investimento, que para acontecer passa a necessitar do investimento externo.
Nossos produtos industriais também precisam estar mais competitivos. Mas como ser competitivos com todo o Custo-Brasil - no conceito mais amplo da CNI e não apenas de estradas melhor asfaltada - sobre nossas costas.
Como ser competitivos sem uma forte política de investimentos em inovações? Principalmente como ser competitivos financiados com base na absurda taxa de juros que se paga em nosso país?
Precisamos urgentemente de outro modelo de desenvolvimento antes que a espada caia de fato sobre nossas cabeças e recuemos ao século 19.
Demetrio Carneiro