quarta-feira, 3 de março de 2010

Responsabilidade Individual e Coletiva

Certo dia iniciei um breve debate sobre responsabilidade individual, escolha e conseqüências para o indivíduo. Segundo minha malvada teoria, fortemente neoliberal-demoníaca, no longo prazo (ou seja, ao longo de sua vida) o volume de renda de um indivíduo é fruto, em boa parte, de suas escolhas, que limitam suas opções de alternativas futuras. É claro que o acaso possui um importante papel em nossas vidas ao abrir ou fechar oportunidades, mas não é ele quem determina se nossas escolhas serão certas ou erradas (no sentido ético do termo).


Pessoas vivem e tomam decisões em um ambiente de incerteza quanto ao futuro. De fato, fazemos escolhas hoje com base no que acreditamos que acontecerá amanhã. Nesse ponto a sociedade exerce, sem dúvida, um papel importante. Como o objetivo da maioria é ter uma vida confortável e útil (seja lá o que isso significa para cada indivíduo), tentamos observar que tipo de serviços e atitudes serão mais valorizados pela sociedade amanhã. Muitas vezes quando erramos há duas conseqüências: ou incorremos num enorme custo para alterar nosso posicionamento profissional/pessoal, o que também será incerto; ou teremos uma renda/prestígio menor do que aquela que esperávamos quando tomamos nossa decisão.


Poderia a sociedade ser responsável e responsabilizada por nossas escolhas erradas? Ora, se o futuro é incerto e nossa escolha é feita em ambiente de incerteza, não há como a sociedade, via algum ente regulatório (o Estado, por exemplo), reduzir tal incerteza. O único instrumento disponível para isso seriam leis que tornassem rígidas remunerações e vagas de trabalho. O Estado teria que obrigar as pessoas a consumirem chapéu ao preço X, assim o emprego e o salário do chapeleiro seriam mantidos. Porém, tal política reduziria de maneira brutal o bem-estar da sociedade, dado que todos, independente de gostarem ou não, teriam que usar chapéu! O que significa, além de não se sentir bem, consumir menos dos bens e serviços dos quais realmente se gosta.


Por um lado a sociedade nos precede, pois quando nascemos ela já existe, por outro ela é fruto de nossa própria ação. A sociedade que nos cerca no fim de nossa vida é, ao menos nos últimos 200 anos, consideravelmente diferente daquela que existia quando nascemos. Nós somos responsáveis pela sociedade, não vítimas dela.


Mas e o filho do pai pobre? Não terá ele menos oportunidades que o filho do pai rico? Provavelmente. Mas isso é resultado de escolhas ruins de seu pai, não da sociedade. Assim como o outro extremo é fruto das escolhas boas feitas no passado pelos pais. A melhor maneira da sociedade combater esse problema é através do fornecimento de educação básica de qualidade, o que permitirá uma menor diferença nas oportunidade de ambos os filhos. De fato, caso não repita os erros de seus ancestrais, uma geração será suficiente para igualar, ou reduzir drasticamente, as oportunidades de ambas as linhagens familiares. Ou seja, as escolhas erradas/certas do avô, numa democracia capitalista liberal com fornecimento adequado de educação para as crianças, pouco contaminam as possibilidades de escolha do neto. Faça uma rápida “pesquisa de campo” e descobrirá que muitos dos seus amigos mais ricos vêm de famílias que eram pobres a duas gerações atrás, ou que alguns de seus amigos de classe média pertencem a antigas famílias tradicionais e ricas da Primeira República. Ou mesmo que muitos de seus amigos de classe média têm pais e avós mais pobres que eles. Onde está a malvada sociedade capitalista liberal? As pessoas têm ficado muito mais ricas nos últimos anos, ao menos nas sociedades de mercado, não mais pobres! (ver CIA World Fact Book).


Apliquemos em um exemplos hipotético a idéia de que a sociedade (eu, você, sua mãe, seu avô etc) somos responsáveis pelas escolhas erradas dos outros:


+ Ana e Ricardo:


Ana é uma moça independente de 20 poucos anos, fã do Seriado Sex and the City. Numa quente manhã de sábado Ana resolve passear no parque de sua cidade. Em virtude do calor, sai de short, top e tênis.


Ricardo é um homem desempregado, de 30 e poucos anos, desfavorecido horizontal e verticalmente, cujo rosto está mais para uma obra de Picasso do que para a capa de uma revista de moda. Durante as madrugadas, Ricardo assiste à Sex and City e adora aquele mundo onde mulheres glamorosas e bonitas fazem sexo com tanta facilidade. Sábado pela manhã Ricardo vai ao parque.


Cerca de meia hora depois de chegar ao parque, Ricardo vê Ana, num súbito impulso puxa Ana para um local deserto do parque a estupra.


Quem é o culpado por esse crime hediondo? Ricardo é claro! Mas, se aplicarmos a “teoria” da culpa da sociedade por nossas escolhas erradas, poderemos ser levados à outra, e absurda, conclusão.

Vejamos:


Ricardo era um homem feio, desprezado pelo modelo de sociedade diariamente legitimado por Ana, moça bonita e não costumada dar muita bola para homens como Ricardo.


Ricardo foi levado a crer, pelo seriado que Ana e moças como ela tanto gostam, que mulheres bonitas e independentes fazem sexo sem atribuir muito valor ao ato.


Ricardo é quem é a vítima verdadeira, ele estava inserido numa sociedade de Anas, fúteis e vulgares, que desprezam sexualmente homens feios e gordos, exposto ao tipo de propagação de valores, via Sex and City, legitimados por pessoas como Ana. Ricardo foi levado a cometer esse crime, não por sua escolha deliberada de forçar uma moça mais fraca à fazer sexo... mais fraca... mais fraca nada, Ricardo é que é o mais fraco... é ele quem é excluído pela sociedade de Anas, o estupro foi um grito de revolta contra a opressão desse modelo que o condenava à solidão. O estuprador é quem tem razão!


Essa absurda estória é a simples aplicação prática da idéia de que a sociedade é culpada pelas escolhas erradas de uma pessoa. Escolhas que nem sempre chegam ao estremo do estupro, mas que muitas vezes estão na relação do indivíduo com os estudos ou com o trabalho. E, pasmem, essa mentalidade de “inocente por ser oprimido” é, como já defendi em post anterior, uma das principais causas do estado violento que vivemos nesse país. Prova disso é que a argumentação esdrúxula que acabo de usar na defesa de Ricardo é usualmente aplicada por advogados de defesa, não só de estupradores, mas também de assaltantes e assassinos e muitas vezes é aceitas por juízes e júris.


Uma lembrança para desavisados: as conseqüências de suas idéias e ideais também são sua responsabilidade!


Abs


José Carneiro