quarta-feira, 10 de março de 2010

Confusões e Retaliação : Caso do Algodão Brasil-EUA

Na segunda-feira fui entrevistado pelo Canal Rural sobre a retaliação brasileira (antes que alguém diga que é um canal sem audiência, lembro que este canal tem forte penetração em um público seleto que atua em um setor chamado agricultura, por isso o nome “Rural”. Não é difícil, nem mesmo para algum bocó, deduzir quem produz algodão), autorizada pela OMC, ao EUA em virtude dos subsídios ao algodão.

Por todo o lado vejo pessoas comemorarem a retaliação. Alguns dizem: “-isso mesmo, temos que usar isso... esse direito dado pela OMC”; “-a retaliação demonstra respeito à OMC” etc.

O litígio, que dura mais de oito anos, envolvia (pois agora envolve vários setores da economia) produtores de algodão brasileiros e os subsídios concedido pelo governo americano para seus produtores. De forma inovadora a OMC permitiu o que chama de retaliação cruzada, onde o governo do país prejudica pode “punir” o outro em outros mercados que não o do litígio em si.

Muitos dos argumentos que tenho lido misturam duas coisas distintas: primeiro, o fato do direito de retaliação ter sido uma vitória; e, segundo, a retaliação escolhida pelo governo brasileiro.

O direito de retaliação em si foi sem dúvida uma vitória; a forma como o governo brasileiro o utilizou acabou por transformá-lo em uma derrota. Aí alguém indaga “-mas como!? Você só pode ser pró-império! Seu porco neoliberal capitalista vendido comedor de criancinha!”

É isso mesmo! A forma como a retaliação foi executa é ruim!, e isso não deve ser confundido com a vitória que a decisão da OMC representa.

Me explico:

O direito de retaliação abre a possibilidade de pressão sobre o EUA para que o problema seja resolvido. Como muitos já notaram, o valor da retaliação em si é bastante pequeno, seja para economia brasileira ou, mais ainda, para a economia americana. Nesse sentido, para que a retaliação fosse útil, a pauta deveria ter sido pensada estrategicamente e respeitar a dinâmica de poder existente no Congresso Americano (é lá onde o jogo é importante).

A retaliação cruzada não deveria pulverizar os produtos em vários setores, mas sim concentrar-se em um pequeno grupo de produtos, que afetassem de maneira relevante os interesses de algum grupo de poder importante dentro da lógica política que vigora no Congresso Americano. Dessa forma, poríamos esperar que o grupo prejudicado agisse com o objetivo de equilibrar o jogo de pressão que é realizado pelo, muito bem organizado e representado, setor agrícola americano. Sem isso, a retaliação é apenas retórica vazia.

Como a pauta não foi pensada estrategicamente, ela prevê retaliações que vão da sobre taxação dos óculos de sol ao paracetamol, sendo que os responsáveis pela proposta não têm a menor idéia de qual será o impacto dessas medidas sobre o mercado interno. Os propositores ACHAM que os impactos não serão graves, como sempre erram quando têm certeza, imagino o ocorrerá agora que eles acham.

Apenas para ilustrar a inutilidade prática da pauta como instrumento de pressão, a alíquota de importação do algodão subiu de 8% para 100%, o que inviabilizaria a importação de algodão do EUA para o Brasil. Porém, Brasil e EUA são exportadores de algodão e o Brasil não importa algodão do EUA. Ou seja, grande medida!

O presidente da associação dos produtores acredita que a ameaça de quebra de patentes poderia acionar o lobby da indústria farmacêutica. Vê-se que ele, inicialmente, tem uma lógica semelhante a minha, porém tal quebra dificilmente será operacionalizada. Quem estaria disposto a investir em tecnologias caras, que seriam necessárias para a produção dos medicamentos cujas patentes fossem quebradas, visto que assim que algum acordo for feito as patentes seriam restauradas e todo capital investido jogado fora?

Minha conclusão é simples: a possibilidade de retaliação foi uma vitória e deve ser comemorada, a maneira como o governo a utilizou não!

Lembro ainda que o governo que utilizou tal direito de forma tão rápida e ampla e defende abertamente que esta é a única medida que fará o EUA sentar-se na mesa de negociações, é o mesmo que, quando o assunto é programa nuclear iraniano ou presos políticos cubanos, afirma serem medidas semelhantes vazias e inócuas no processo de negociação internacional.

Por fim, tenho duas propostas de retaliação. Como já disse, o governo deveria ter feito uma retaliação que concentrasse seus efeitos sobre algum grupo poderoso de pressão no Congresso Americano. Deveria também, isso eu não falei ainda, buscar uma lógica de ação que não produzisse, ou ao menos reduzisse drasticamente, risco de impacto negativo na vida do brasileiro. Por essas razões:

1) Setor Bélico: excluiria empresas americanas de todas as licitações ou ações de compra de matéria bélico realizadas pelo Brasil, seja para polícias ou Forças Armadas. Aí sim um grupo de pressão muito importante seria afetado e o pão nosso de cada dia não pagaria o pato.

2) Minha predileta: baixar a tributação de produtos fabricados em concorrentes diretos dos EUA, sendo tais reduções focadas em setores relevantes (como o automobilístico). O efeito sobre a venda de produtos “Made in USA”, ou cujas royalties são USA, seria o mesmo do aumento, mas nesse caso o consumir brasileiro não seria prejudicado.

É claro que minha primeira opção, neste caso, para o Irã minha postura é outro, seria tentar efetivamente a negociação.

Abs

José Carneiro