quinta-feira, 4 de março de 2010

PADOVANI: OLHANDO PARA O QUE INTERESSA, O FUTURO

Abaixo um texto do amigo Roberto Padovani, escrito para a Agência Estado. Reflete muito bem todo um rol de preocupações minhas e do Tony com a questão dos investimentos, além de colocar a questão da responsabilidade fiscal e sua relação com a política dentro de uma ótica muito interessante. Mais que tudo mostra que o debate eleitoral mais importante é sobre o futuro.
Demetrio Carneiro

Eleições: O que está em jogo

Roberto Padovani

O debate político das eleições deste ano é crítico e vem sendo subestimado. Consolidada a agenda macroeconômica, a questão central é como elevar o crescimento do País e qual o papel do Estado neste processo. Neste aspecto, estamos longe de um consenso.

Depois de tantos anos de instabilidades políticas e econômicas, é natural que haja certo alívio em relação às eleições presidenciais deste ano. Isto porque os incentivos políticos são para a manutenção das regras de jogo.Quanto mais estável e previsível a economia, maior será o volume de investimentos e negócios e, consequentemente, o crescimento. Quanto maior a capacidade de a economia crescer, gerar empregos e manter a inflação baixa, maior será também a renda e oconsumo, o que se traduz historicamente em maior apoio ao presidente, qualquer que seja ele. Ou seja, a responsabilidade econômica se transformou em um canal para apreservação dos ativos políticos.

Esta dinâmica tem permitido que a agenda macroeconômica se consolide socialmente.Por este aspecto, as eleições de 2002 foram fundamentais: houve uma transição política importante sem descontinuidade da gestão macroeconômica. Mais do que isso, o sucesso advindo da manutenção do regime econômico ajudou a construir consensos em torno da agenda macroeconômica, tanto que o debate tem se movido dentro dos parâmetros já estabelecidos: discute-se o nível do resultado primário, mas não as metas fiscais. O mesmo vale para juros e câmbio. O regime de política econômica parece ter fincado raízes.

Diante disso, por mais que alguns partidos ainda falem em mudanças radicais, parece pouco provável que o País volte a ser o laboratório de experimentos econômicos das décadas passadas. Até porque há um aprendizado sobre o que deu certo e errado. O País está mais maduro e, portanto, menos vulnerável a radicalismos. Há, agora, muito a perder com voluntarismos, uma vez que o custo de mudanças elevou-se dramaticamente.

Neste ambiente, os mercados financeiros não enxergam mais as eleições como um período de elevada turbulência. Há relativo consenso e tranquilidade, mesmo com discursos pontuais que prometem mudar tudo sem propor nada de concreto no lugar. 

Isto poderia nos levar a supor que há pouco em jogo. Olhando para nosso histórico recente, e já que não se esperam rupturas, esta leitura faz sentido. Mas se, ao invés do passado, tomarmos o futuro como referência, o debate torna-se crítico e vem sendo subestimado.

Consolidada a agenda macroeconômica, a questão central é como elevar o crescimento do País e qual o papel do Estado neste processo. E estamos longe de um consenso em relação a este papel.

A crise global recente e a má regulação em certos mercados vêm reforçando a crença de que os Estados devem ter maior presença na economia. A questão é definir o que é um Estado forte. Há três visões correntes. A primeira é que os Estados devem aumentar sua participação na economia elevando seus gastos correntes e de investimentos. A segunda é a visão de um Estado-empresário, marcado pela criação e ampliação das empresas estatais. Por último, há a visão de que um Estado forte implica um marco regulatório forte, um Estado-indutor, em que são criadas condições para a atração do investimento privado.

Cada analista terá sua opção, sua visão de mundo. Mas considerando a insuficiência dos investimentos públicos e as restrições fiscais impostas a um País com elevado endividamento, uma saída seria priorizar um marco regulatório que atraia os investidores privados. Da mesma forma, qualquer ajuste das despesas correntes que permita uma ampliação significativa dos investimentos públicos seria bem vinda.

O governo atual tem dado sinais que entende como Estado forte o aumento dos gastos públicos e ampliação da presença do Estado-empresário em detrimento de um Estadoindutor. Ao mesmo tempo, o que se tem visto nos últimos anos é um relativo retrocesso na questão das agências reguladoras e indefinição no desenho de novos marcos regulatórios. O enfraquecimento das agências e os impasses sobre os modelos para aeroportos são alguns exemplos.

Este modelo tem implicações de médio prazo importantes. A gestão fiscal no Brasil hoje não pode mais ser avaliada pela capacidade financeira e pelo interesse político em se pagar a dívida pública. Já há consenso político e social em torno de uma agenda de responsabilidade na gestão fiscal. A nova métrica para se avaliar a política fiscal, neste momento, está na capacidade de o setor público investir.

Neste caso, quanto maior o aumento das despesas públicas correntes, menor o espaço para o investimento público e maior a carga tributária necessária para a preservação dos resultados primários, que são fundamentais na manutençao de uma trajetoria de estabilidade ou queda da dívida pública. De fato, no que se refere aos investimentos públicos, os volumes atuais são extremamente baixos e não superam 1% do PIB. Não é, portanto, um volume suficiente para que o País supere todos seus gargalos de infraestrutura. Pior que isso, é que simultaneamente a importância do investimento privado vem sendo subestimada.

O investimento privado naturalmente vem com o crescimento. Quanto maior o mercado consumidor doméstico, mais atrativos se tornam os investimentos. E quanto maiores os investimentos, maior o crescimento e assim por diante. De modo geral, este tipo de investimento depende pouco da regulação do governo e o setor público é relevante apenas na medida em que desenha e implanta uma reforma capaz de reduzir a carga tributária e/ou simplificar o sistema.

Mas o crescimento no Brasil depende cada vez mais de investimentos em infraestrutura. A professora Eliana Cardoso mostrou em estudo recente que este tipo de investimento é fundamental para definir ciclos de crescimento no País, pois atuam diretamente na ampliação da capacidade produtiva.

Nesse caso, o papel do setor público é central, não apenas em função de seus investimentos, que são inexpressivos, mas fundamentalmente pela capacidade de o governo desenhar um ambiente regulatório que atraia investimentos privados.

Note, além disso, que baixos investimentos em infraestrutura podem trazer mais que um cenário de crescimento medíocre. Podem ter implicações na agenda macroeconômica, na medida em que a baixa produtividade e competitividade do País fariam com que temas como juros e câmbio fossem novamente vistos como causas e não consequências das deficiências da economia. Ou seja, apesar de todos os avanços, é muito fácil desconstruir a estabilidade alcançada ao longo dos últimos 15 anos.

Há, por último, a tese de que o setor público deve liderar o crescimento por meio de um Estado-empresário, recriando e fortalecendo as estatais, e não como regulador do investimento privado. Quanto a isso, a experiência nacional e internacional já mostra as dificuldades e custos desta estratégia. Os modelos definidos por economias fechadas e de crescimento liderado por empresas públicas já mostraram seus limites na década de 80.

É possível, portanto, que a importância econômica destas eleições esteja sendo subestimada. Se tomarmos como referência nosso passado, as discussões neste momento podem parecer pequenas, marcada por consensos. Mas se a referência for um projeto de País que sustente taxas elevadas de crescimento, as escolhas atuais são dramaticamente relevantes. Estamos definindo a agenda para os próximos anos.

Roberto Padovani é mestre em economia e estrategista-chefe do Banco WestLB.